Transcrição da Homilia do 2º domingo do Advento
Dizia-nos o Apóstolo que tudo o que outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que pela constância, ou seja, pela perseverança, e conforto espiritual das Escrituras, nós tenhamos firme esperança. A Palavra de Deus, portanto, foi escrita para nos confortar espiritualmente, para nos dar perseverança e esperança.
Advento é o tempo da esperança, é o tempo da espera. As duas coisas caminham juntas. Ninguém espera senão tem esperança. A esperança é a alma da espera. A esperança é uma virtude infundida por Deus em nós. Nós sabemos que há em nós três virtudes infundidas por Deus (dizer que são infundidas significa que nós não podemos alcançá-las por nós mesmos, mas não são dadas como o Batismo): a Fé, a Esperança e a Caridade, que é o amor de Deus.
A esperança, portanto é a força para continuarmos esperando e caminhando rumo ao Reino eterno do Senhor. Sem esperança os cristãos cessariam de sê-lo, abandonariam o testemunho de Cristo. Muita gente pára porque perdeu a esperança ou, se não perdeu, pelo menos sepultou-a debaixo de uma série escombros, ruínas; é preciso tirar essas ruínas, esses escombros para que a esperança, e, com ela, a fé e o amor, brilhem de novo.
E é por isso que João Batista, no Evangelho insiste sobre a conversão como preparação para vinda do Senhor. O processo de conversão é justamente o trabalho tirar os escombros, tirar o lixo, tirar as ruínas de cima da esperança para que ela novamente brilhe.
E a Escritura Sagrada é um poderoso auxílio, dado por Deus a todos nós, para alimentar a esperança. Esta Escritura, hoje na boca do profeta Isaias, nos trás o anúncio de um tempo glorioso de paz, que só Deus pode criar.
Ele diz: nascerá um broto, a haste de uma flor germinará e sobre esse rebento repousará o Espírito do Senhor. Nos seus dias o lobo e o cordeiro deitarão juntos assim como o leopardo e o cabrito. A vaca e o urso vão pastar lado a lado, suas crias brincarão... o menino desmamado colocará a mão na toca da áspide e nada lhe acontecerá... Não haverá dano nem morte por todo meu santo monte, diz o Senhor porque, assim como as águas cobrem o mar, assim a terra estará coberta pelo conhecimento do Senhor.
Vejam, quão grandioso o que o Profeta anuncia: inimigos naturais, carnívoro e o herbívoro, lado a lado, confraternizando-se.
Essa imagem diz respeito a nós. Somos nós os lobos e os cordeiros; somos nós os cabritos e os leopardos. E ninguém fique pensando nos outros: na vizinha, no colega de trabalho: fulano é o lobo e eu sou o cordeiro... Muito cuidado aqui! Pois dentro de cada um de nós existe um lobo e existe um cordeiro, existe um leopardo, existe um cabrito, existe a cobra venenosa, existe o menino. Dentro de cada um de nós... E o que o profeta anuncia é a paz entre essas forças que se digladiam dentro de nós, que produzem guerra em nosso coração e, portanto transbordam em forma de conflito e de guerra fora, em torno de nós.
É preciso que haja paz dentro do coração humano e só Deus pode criá-la, só Deus pode dá-la. O fruto da vinda do Senhor, segundo o Profeta, é esta paz. Uma paz vitoriosa, destinada a abraçar o universo. Pode ser que nós não a vejamos em torno de nós diante desse mundo louco, mas se olharmos com cuidado, ele já começou. Ainda não se consumou, mas opera nos corações dos que vivem em Cristo, e os faz instrumentos da paz e do Reino do Messias.
Esta paz, já começada, embora não consumada, nos sustenta até no sofrimento, nas situações mais difíceis onde poderíamos desesperar. Admiramo-nos: de onde poderia vir vem tal força? Não vem de nossa pobreza, de nossa indigência; não vem de nossa natureza. O que supera a natureza vem do Autor da Natureza.
Como dizia o apóstolo Paulo: em todas as coisas dai graças, e a paz de Deus, que supera todo o entendimento, guardará em vossos corações e vossas mentes em Cristo Jesus, nosso Senhor.
O segredo está aí, em viver em Cristo, em dar graças, até pelo que não entendo e tenho dificuldade de aceitar. Isso cria em nós a paz. É esse o conhecimento do Senhor: dar graças em todas as coisas; estar em Cristo. E quando o conhecimento do Senhor está presente, a paz é uma consequência.
Na medida em que esse conhecimento de Deus vai sendo espalhado, transbordando de mim para aqueles que estão em torno de mim, o testemunho do Evangelho, vai criando também a paz nos outros corações.
Mas as profecias são claras e dizem que esta paz se estabelecerá de maneira completa, total... um dia... A Bíblia assegura que, quando o Senhor vier julgar o mundo, então serão criados novos céus, nova terra. Não dá detalhes disso, não sabemos como será, mas sabemos que será. Um mundo transformado, totalmente transformado, os mortos ressuscitados com a carne gloriosa como a de Cristo ressuscitado, os vivos também transfigurados numa vida nova e gloriosa, um Reino impensável para nós.
Qualquer tentativa de descrevê-lo materialmente é falha.
Qualquer tentativa de o descrever é meramente simbólica, porque ninguém tem o retrato daquilo, segundo São Paulo, o olho não viu, o ouvido não ouviu e nem o coração do homem suspeitou, mas que Deus reservou para os que o amam. Sabemos que esta paz universal se instaurará mediante o juízo universal. E aí ouvimos a voz de João Batista, o austero profeta que impressionou seus contemporâneos – porque Israel, desde o segundo século antes de Cristo, não via um profeta em carne e osso e lamentava-se disso, mas eis que depois de dois séculos de jejum profético aparece a figura admirável de João Batista e todos reconhecem nele o perfil do autêntico profeta; o rigor com que se tratava, a ascese que praticava, a obstinação quase com que vivia só para anunciar a palavra de Deus e particularmente a proximidade da vinda do Senhor.
Ao falar da vinda de Cristo, ele já inclui no ‘pacote’ o juízo final, que, como sabemos, não veio logo. Os profetas, quando anunciavam a vinda do Senhor, anunciavam também o juízo de Deus sobre a história e a instauração do Reino do Messias. Mas depois de Cristo, ficou claro que essa vinda se dá em duas fases: na primeira veio pequenino, veio desconhecido, veio para ser aceito ou rejeitado, veio para ser julgado, condenado, crucificado.
Mas na segunda vinda, Ele virá não mais desconhecido, mas com evidência total para todos. Virá em glória, não mais para ser julgado, mas para julgar; não mais para curvar-se até a morte de cruz, mas para dar a recompensa e manifestar a vitória de Deus àqueles que querem saber de Deus e aos que não querem também.
João e os profetas viram essas duas vindas numa única revelação, digamos assim, e é por isso que eles anunciam com tanto vigor a chegada do juízo de Deus, visto que já começou o processo com a vinda de Jesus. Diz ele aos que vão procurá-lo, sobretudo aos mais instruídos e mais religiosos, que são os fariseus e os mestres da lei: raça de víboras quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? O profeta não tem meias palavras, ele desvenda os corações e os desmascara. Essa interpelação – e não temos nenhum fariseu, nenhum mestre da lei aqui – essa interpelação é para nós: raça de víboras... e tenho que me incluir.
Quem vos ensinou a fugir da ira que virá? Não adianta vir praticar um rito, no caso o Batismo no rio Jordão, imaginando que isso vai eximir da mudança necessária, da conversão, que é o que Deus quer. Ele diz então: Não adianta vir aqui para ser batizados, é preciso dar frutos de verdadeira conversão: produzi frutos que provem a vossa conversão. É isso que o Senhor espera de nós, porque senão os nossos ritos e a nossa mesma presença aqui é vazia de significado e não tem eficácia alguma se o coração não acompanhar. O que Deus nos pede é que o nosso coração realmente esteja naquilo que agora fazemos, em cada palavra, em cada gesto.
Quando insisto com vocês por causa do canto, pode parecer uma excentricidade de um músico obcecado, mas não é isto. É para que nos coloquemos totalmente naquilo que fazemos, principalmente naquilo que fazemos para Deus; que o nosso coração esteja em Deus. Esse é o começo da verdadeira conversão. E assim nós estaremos preparados para as vindas do Senhor: as múltiplas vindas, que ocorrem no dia a dia (Jesus nos visita de tantas formas, sob tantos rostos, em tantos encontros, em tantos acontecimentos que não sabemos reconhecê-lo), a preparação para essas vindas, a preparação para a visita de Cristo por meio de sua Palavra, que agora nos interpela, a preparação para a vinda de Cristo na Eucaristia que vamos receber, a preparação para a vinda de Cristo na hora da nossa morte, tão importante, decisiva, a preparação para a vinda de Cristo no final da História, com a ressurreição e juízo final.
A preparação para as vindas de Cristo pode ser vivida na prática como uma preparação para receber a Eucaristia. O que queremos dizer com isso?
Deveríamos viver nossa semana pensando no domingo que vem: quero viver essa semana preparado para receber Jesus no domingo, quero recebê-lo alegremente, dignamente no próximo domingo. Vou tentar evitar a todo custo as coisas que me afastam d’Ele, quero estar preparado para a vinda de Cristo na Eucaristia e, vivendo assim, estaremos preparados para a vinda de Cristo na hora da morte, no juízo final e em qualquer outra circunstância.
É um método de preparação para a vinda do Senhor; preocupe-se em pode recebê-lo dignamente no próximo domingo. E não nos esqueçamos o papel insubstituível da confissão sacramental nesta manutenção espiritual...
Então coloquemos nosso coração em tudo que fazemos para Deus – corações ao alto! – e assim estaremos preparando a sua vinda; assim estaremos preparando a verdadeira paz em nós e em torno de nós.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 5/12/2010
Leituras da Semana
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias (Is 11,1-10)
Salmo: [Sl 71(72)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos
Evangelho: Mateus (Mt 3,1-12)
sábado, 11 de dezembro de 2010
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
E-Homilia dominicais do padre Sérgio Muniz - Botafogo
Transcrição da Homilia 34º domingo do Tempo Comum
Esta solenidade “Cristo Rei” conclui aquele trecho do nosso Calendário Litúrgico chamado Tempo Comum, em que a Igreja vinha se revestindo de verde (hoje mudamos para branco ou ouro), verde que é a cor dos campos cultivados. Isso nos lembra que durante o Tempo Comum nós observávamos, ou melhor, seguíamos os passos de Jesus que, qual divino Semeador, ia semeando a Palavra, pelas coisas que dizia, pelas coisas que fazia, a Palavra que vai frutificar para o Reino de Deus.
Tendo acompanhado, no Tempo Comum, a vida pública de Jesus, seus milagres, seus ditos, seus gestos, e assim por diante, desembocamos nesta festa de Cristo Rei que é um apanhado de tudo isso, a conclusão lógica e natural, pois tudo o que Jesus fez e que ainda está fazendo por meio da sua Igreja – que somos nós – no mundo; tudo o que Ele fez, faz e fará vai concluir-se no seu Reino universal.
Esse Reino já se está implantando, começa nos nossos corações, nos corações daqueles que crêem e têm em si o Cristo; e se expande a partir daí.
Hoje, na Epístola, o Apóstolo Paulo dá a Jesus alguns títulos muito importantes: em primeiro lugar ele diz que Jesus é a Imagem do Deus invisível, depois Primogênito de toda a criação e ainda Primogênito dentre os mortos e Cabeça da Igreja.
Vejamos brevemente estes títulos régios de Cristo.
Imagem do Deus invisível... Nós sabemos que Deus é eterno. Tem gente que pensa que eternidade é simplesmente um “não-ter-fim”. Mas eternidade é bem mais do que isso. Eternidade não é só ausência de um fim, mas também ausência de princípio. Sim! Por exemplo, a alma humana não tem fim, mas tem começo, Deus a cria num dado momento. O anjo não tem fim, mas tem começo, pois Deus o criou, antes do que, ele não existia. O tempo, de certa maneira, não tem fim, mas teve um começo. E antes do tempo, o que havia? Eternidade sem princípio: Deus. Deus é o sem-princípio e o sem-fim. É o único existente sem ter começado. Quem precisa começar é a criatura. O Perfeito não começa, Ele simplesmente existe. É difícil para nós porque nós estamos mergulhados no tempo desde que nascemos e a nossa cabeça só funciona dentro dessa estrutura espaço-temporal, mas o Perfeito existe sem ter começado.
Deus, no Antigo Testamento, revela seu nome quando Moisés pergunta, e esse nome, é um nome curioso, mas que nos ajuda a entender isso; Deus diz: Meu nome é: Eu sou... simplesmente. Eu não era, eu não serei, simplesmente sou.
Ora, este eterno “Eu sou” tem diante de si, desde sempre, um reflexo vivo da sua face gloriosa. Nosso reflexo no espelho não é vivo, não tem vida própria, não interage conosco. Mas Deus desde toda eternidade está como que diante de um espelho, o espelho da sua própria sabedoria e esse espelho reflete a sua face. O reflexo de Deus é vivo ele se chama “Filho”. É a segunda pessoa da Trindade. Desde a eternidade, portanto, temos o Pai e seu Reflexo vivo, que é o Filho, e o Amor que une os dois , e que é um amor vivo, o Espírito Santo.
O Filho, então, é a imagem do Deus invisível porque Ele é o reflexo do Pai, reflexo vivo do Pai que veio ao mundo, nasceu da Virgem Maria e se fez homem. A partir de então, Ele, que era invisível, fez-se visível, tornando-se para nós a Imagem visível do Deus invisível. O Reflexo do Pai assumiu a nossa carne, traduziu na carne aquilo que antes os olhos não podiam ver: a face de Deus.
Ele é também chamado de Primogênito da Criação. Por quê? Consideremos tudo que foi criado, todo esse universo maravilhoso que nós vemos e a parte mais maravilhosa ainda, que nós não vemos, que é o mundo espiritual, o mundo dos anjos, da alma humana e mesmo as coisas ocultas desse universo material, toda essa maravilha é uma obra prima de Deus.
Para criar uma obra prima o artista se inspira em algo ou em alguém. Para fazer a sua música, sua pintura, sua obra arquitetônica, seu monumento, o artista se inspira num grande amor, o artista se inspira numa paisagem deslumbrante, num pôr de sol, quem sabe, inspira-se nas coisas que estão diante dele e que lhe tocam o coração. Ora, o que foi que inspirou Deus a fazer tudo quanto fez? A criar essas maravilhas todas – e você é uma delas –, o que foi que tocou e moveu o coração de Deus? Aquele que Ele tinha diante desde sempre, o seu Filho eterno. O modelo e inspiração do Pai Eterno para criar todas as coisas foi seu Filho, unigênito, a sua imagem viva.
Toda a criação é um poema do Pai dedicado ao Filho. É uma música, é uma escultura, um monumento do Pai dedicado ao Filho no abraço do Espírito Santo. Por isso é que São Paulo diz que todas as coisas foram feitas por meio Dele e para Ele.
Eu, você, e toda a criação, somos um presente do Pai ao seu Filho. E é Jesus quem o diz: todo aquele que o Pai me dá, vem a mim e Eu não o lançarei fora.
Ele é também chamado Cabeça da Igreja. Por quê? É o apóstolo Paulo quem também nos ensina que a Igreja é um corpo. Nós não somos uma ONG, nós não somos um clube de simpatizantes de Jesus, nós não somos um grupo que se reúne porque pensa parecido e gosta da música do coral (e até gostamos... está bem bonita hoje, muito boa). Mas não é isso. Isso é pouco demais.
Nós somos um corpo vivo, dos quais um é membro do outro e todos são membros de Cristo. Existe uma conexão verdadeira e profunda entre nós; é um corpo vivo, um organismo espiritual. O que eu faço de bem e de mal afeta os demais. Eu posso oferecer a minha oração, meu sacrifício e tantas coisas por pessoas que eu não conheço, talvez só vá conhecer no céu. É um corpo onde um membro trabalha em favor de todos os outros e todos trabalham em favor daquele; e quando um sofre todos sofrem, mesmo que não se saiba. E Jesus é a cabeça desse corpo vivo. Ele é o Rei desse corpo. Tendo recebido o Espírito Santo que jorra para nós da morte e ressurreição de Jesus pelo sacramento do Batismo, tornamo-nos uma só coisa entre nós e com Ele.
Ele também é o Primogênito dos mortos, porque foi o primeiro a ressuscitar gloriosamente e é dele que virá também a nossa ressurreição, da qual já temos o penhor na Eucaristia, fármaco de imortalidade, segundo os antigos: recebendo o Ressuscitado, alimentamo-nos de ressurreição.
Observem quanta riqueza nesses títulos que São Paulo aplica a Jesus, quanta profundidade, que oceano de sabedoria e que maravilhas isso tudo encerra.
Mas também temos nesta Liturgia de hoje um paralelo interessante entre Jesus Cristo e o rei David.
Lendo a genealogia de Cristo no Evangelho de Lucas e no Evangelho de Mateus, verifica-se que Jesus é descendente do rei David. Só que, na época de Jesus, a dinastia, ou seja, a família real de David, já não governava mais em Israel. Eles estavam misturados ao povo, tinham perdido o trono e a ‘pose’ há muito tempo. Já reinavam outros em seu lugar e, ainda por cima os romanos, dominando os novos senhores.
Mas havia uma profecia antiga, da época de David, que dizia que um descendente de David reinaria para sempre em Israel e que o trono nunca lhe seria tirado. As pessoas se perguntavam, na época de Jesus e antes um pouco, onde estava a profecia: “será que Deus se esqueceu de nós?”
Quando o anjo Gabriel anuncia a Maria que ela vai ser mãe, diz-lhe as seguintes palavras: Ele (o filho que lhe iria nascer) herdará o trono de David, seu pai, e o seu reino não terá fim. Aí, portanto, se cumpre a antiga profecia.
A Primeira Leitura fala da entrada triunfal de David na cidade de Hebron, recebido pelos seus compatriotas depois da vitória numa batalha das tantas que ele travou. Logo em seguida ele é ungido e coroado rei em Hebron.
O Evangelho oferece um paralelo e um contraste com este relato: Jesus é o novo David, que todos esperavam, todos desejavam, mas que não souberam reconhecer.
David entra em Hebron com festa, Jesus também, quando entrou pela última vez em Jerusalém, pouco antes da sua morte na cruz, foi acolhido com enorme festa e grande triunfo. Todo o povo o aclamou “Filho de David”. É a cena do o domingo de ramos – nós temos bem na memória os fatos: estendiam os mantos pelo chão, faziam festa com ramos de árvore, aclamavam Jesus e o bendiziam como “aquele que vem em nome do Senhor”.
Mas logo em seguida, poucos depois, vendo que Jesus não correspondia bem à imagem do rei-messias que eles tinham em mente, e instigados pelos sumo sacerdotes e pelos opositores de Jesus, vão clamar diante de Pilatos: “Crucifica, crucifica!”
Não obstante, o paralelo com o rei David não acabou. David entrou festivamente, Jesus entrou festivamente. Então David foi ungido rei e coroado e Jesus também... na cruz: ungido no próprio sangue e coroado de espinhos.
E o paralelo ainda não acabou, porque Jesus vai ressuscitar e, tendo ressuscitado, Ele recebe, como dirá o Apóstolo, o nome que está acima de todo o nome, diante do qual se dobram os joelhos, no céu, na terra e no inferno. Um nome ao qual ninguém pode resistir: os anjos se curvam diante dele, os homens também, e até o demônio. Ninguém pode resistir, Ele é Aquele que o Apocalipse chama de Reis dos reis e Senhor dos senhores.
Temos que concluir... E o que dizer?
Quem quer fazer parte desse Reino, que a Liturgia de hoje chama de Reino da verdade e da vida, Reino da santidade e da graça, Reino da justiça, do amor e da paz? [cf. prefácio de Cristo Rei] Quem não quereria fazer parte deste reino?
Eu quero, e creio que você também. Mas como é que a gente faz para ganhar a cidadania desse Reino? Não há que se preocupar: essa cidadania já lhe foi concedida no Batismo. A partir de então, você é o que Paulo chamaria de cidadão do Céu. Se eu sou cidadão do Céu, então nesta terra eu sou um peregrino. Muita gente que vive aqui como se isso fosse definitivo, como se estivesse na sua pátria, no seu lugar. mas depois, inevitavelmente, verificará que não é bem assim e não saberá o que fazer diante das perdas desse mundo, principalmente diante da própria morte, porque estava com uma idéia errada. Sua casa não é aqui, minha casa não é aqui; nós somos cidadãos do Céu.
Portanto o reino de Deus não começa quando se morre, não... começa agora. Quem é o cidadão do reino de Deus, quem é o súdito de Cristo Rei? É aquele que deixa Jesus reinar em sua vida.
Essa vida é como a situação daqueles ladrões crucificados ao lado de Cristo. Vimos que um blasfemava e o outro O defendia, e pediu: Senhor lembra-te de mim quando estiveres em teu reinado. Estamos todos crucificados. Essa vida é um momento de crucifixão para todos os homens, até para os que parecem mais felizes (e às vezes são os mais infelizes). A diferença está na maneira como vivemos essa cruz: ou blasfemando ou entregando-nos ao Senhor, aceitando ser uma só coisa com Ele, consentindo em ser crucificados a seu lado e dizendo-Lhe: Senhor lembra-te de mim quando estiveres em teu reinado.
Minha cruz pode me puxar para baixo – e bem baixo – ou pode me levar para o Céu, dependendo de como eu viva esse instante. Posso ser crucificado longe de Cristo, sem querer saber d’Ele, ou posso viver a minha cruz por Cristo, com Cristo e em Cristo.
Eu crucificado com Cristo, eu crucificado por Cristo, eu crucificado em Cristo, eis o que faz a diferença. O apostolo Paulo, de novo, vem em nossa ajuda e conclui: se com Ele suportarmos, com Ele reinaremos – se com Ele sustentarmos a luta, participaremos de sua mesma glória.
Tudo isso já começa agora, meus irmãos. Muitos de nós vamos, daqui a pouco, nos alimentar do próprio Cristo na Eucaristia. Ele, o Rei que não apenas põe a mesa para os servos, mas se faz Ele próprio nossa refeição.Assim Ele exerce a sua realeza. Para Ele, reinar é servir-nos. Para nós, servi-lo é reinar.
Proferida e revisada pelo padre Sérgio Muniz – Botafogo em 21/10/2010
Liturgia da Palavra:
Primeira Leitura: Segundo Livro de Samuel (2Sm 5,1-3)
Salmo [Sl 121(122)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Colossenses (Cl 1,12-26)
Evangelho: (Lc 23,35-43)
Esta solenidade “Cristo Rei” conclui aquele trecho do nosso Calendário Litúrgico chamado Tempo Comum, em que a Igreja vinha se revestindo de verde (hoje mudamos para branco ou ouro), verde que é a cor dos campos cultivados. Isso nos lembra que durante o Tempo Comum nós observávamos, ou melhor, seguíamos os passos de Jesus que, qual divino Semeador, ia semeando a Palavra, pelas coisas que dizia, pelas coisas que fazia, a Palavra que vai frutificar para o Reino de Deus.
Tendo acompanhado, no Tempo Comum, a vida pública de Jesus, seus milagres, seus ditos, seus gestos, e assim por diante, desembocamos nesta festa de Cristo Rei que é um apanhado de tudo isso, a conclusão lógica e natural, pois tudo o que Jesus fez e que ainda está fazendo por meio da sua Igreja – que somos nós – no mundo; tudo o que Ele fez, faz e fará vai concluir-se no seu Reino universal.
Esse Reino já se está implantando, começa nos nossos corações, nos corações daqueles que crêem e têm em si o Cristo; e se expande a partir daí.
Hoje, na Epístola, o Apóstolo Paulo dá a Jesus alguns títulos muito importantes: em primeiro lugar ele diz que Jesus é a Imagem do Deus invisível, depois Primogênito de toda a criação e ainda Primogênito dentre os mortos e Cabeça da Igreja.
Vejamos brevemente estes títulos régios de Cristo.
Imagem do Deus invisível... Nós sabemos que Deus é eterno. Tem gente que pensa que eternidade é simplesmente um “não-ter-fim”. Mas eternidade é bem mais do que isso. Eternidade não é só ausência de um fim, mas também ausência de princípio. Sim! Por exemplo, a alma humana não tem fim, mas tem começo, Deus a cria num dado momento. O anjo não tem fim, mas tem começo, pois Deus o criou, antes do que, ele não existia. O tempo, de certa maneira, não tem fim, mas teve um começo. E antes do tempo, o que havia? Eternidade sem princípio: Deus. Deus é o sem-princípio e o sem-fim. É o único existente sem ter começado. Quem precisa começar é a criatura. O Perfeito não começa, Ele simplesmente existe. É difícil para nós porque nós estamos mergulhados no tempo desde que nascemos e a nossa cabeça só funciona dentro dessa estrutura espaço-temporal, mas o Perfeito existe sem ter começado.
Deus, no Antigo Testamento, revela seu nome quando Moisés pergunta, e esse nome, é um nome curioso, mas que nos ajuda a entender isso; Deus diz: Meu nome é: Eu sou... simplesmente. Eu não era, eu não serei, simplesmente sou.
Ora, este eterno “Eu sou” tem diante de si, desde sempre, um reflexo vivo da sua face gloriosa. Nosso reflexo no espelho não é vivo, não tem vida própria, não interage conosco. Mas Deus desde toda eternidade está como que diante de um espelho, o espelho da sua própria sabedoria e esse espelho reflete a sua face. O reflexo de Deus é vivo ele se chama “Filho”. É a segunda pessoa da Trindade. Desde a eternidade, portanto, temos o Pai e seu Reflexo vivo, que é o Filho, e o Amor que une os dois , e que é um amor vivo, o Espírito Santo.
O Filho, então, é a imagem do Deus invisível porque Ele é o reflexo do Pai, reflexo vivo do Pai que veio ao mundo, nasceu da Virgem Maria e se fez homem. A partir de então, Ele, que era invisível, fez-se visível, tornando-se para nós a Imagem visível do Deus invisível. O Reflexo do Pai assumiu a nossa carne, traduziu na carne aquilo que antes os olhos não podiam ver: a face de Deus.
Ele é também chamado de Primogênito da Criação. Por quê? Consideremos tudo que foi criado, todo esse universo maravilhoso que nós vemos e a parte mais maravilhosa ainda, que nós não vemos, que é o mundo espiritual, o mundo dos anjos, da alma humana e mesmo as coisas ocultas desse universo material, toda essa maravilha é uma obra prima de Deus.
Para criar uma obra prima o artista se inspira em algo ou em alguém. Para fazer a sua música, sua pintura, sua obra arquitetônica, seu monumento, o artista se inspira num grande amor, o artista se inspira numa paisagem deslumbrante, num pôr de sol, quem sabe, inspira-se nas coisas que estão diante dele e que lhe tocam o coração. Ora, o que foi que inspirou Deus a fazer tudo quanto fez? A criar essas maravilhas todas – e você é uma delas –, o que foi que tocou e moveu o coração de Deus? Aquele que Ele tinha diante desde sempre, o seu Filho eterno. O modelo e inspiração do Pai Eterno para criar todas as coisas foi seu Filho, unigênito, a sua imagem viva.
Toda a criação é um poema do Pai dedicado ao Filho. É uma música, é uma escultura, um monumento do Pai dedicado ao Filho no abraço do Espírito Santo. Por isso é que São Paulo diz que todas as coisas foram feitas por meio Dele e para Ele.
Eu, você, e toda a criação, somos um presente do Pai ao seu Filho. E é Jesus quem o diz: todo aquele que o Pai me dá, vem a mim e Eu não o lançarei fora.
Ele é também chamado Cabeça da Igreja. Por quê? É o apóstolo Paulo quem também nos ensina que a Igreja é um corpo. Nós não somos uma ONG, nós não somos um clube de simpatizantes de Jesus, nós não somos um grupo que se reúne porque pensa parecido e gosta da música do coral (e até gostamos... está bem bonita hoje, muito boa). Mas não é isso. Isso é pouco demais.
Nós somos um corpo vivo, dos quais um é membro do outro e todos são membros de Cristo. Existe uma conexão verdadeira e profunda entre nós; é um corpo vivo, um organismo espiritual. O que eu faço de bem e de mal afeta os demais. Eu posso oferecer a minha oração, meu sacrifício e tantas coisas por pessoas que eu não conheço, talvez só vá conhecer no céu. É um corpo onde um membro trabalha em favor de todos os outros e todos trabalham em favor daquele; e quando um sofre todos sofrem, mesmo que não se saiba. E Jesus é a cabeça desse corpo vivo. Ele é o Rei desse corpo. Tendo recebido o Espírito Santo que jorra para nós da morte e ressurreição de Jesus pelo sacramento do Batismo, tornamo-nos uma só coisa entre nós e com Ele.
Ele também é o Primogênito dos mortos, porque foi o primeiro a ressuscitar gloriosamente e é dele que virá também a nossa ressurreição, da qual já temos o penhor na Eucaristia, fármaco de imortalidade, segundo os antigos: recebendo o Ressuscitado, alimentamo-nos de ressurreição.
Observem quanta riqueza nesses títulos que São Paulo aplica a Jesus, quanta profundidade, que oceano de sabedoria e que maravilhas isso tudo encerra.
Mas também temos nesta Liturgia de hoje um paralelo interessante entre Jesus Cristo e o rei David.
Lendo a genealogia de Cristo no Evangelho de Lucas e no Evangelho de Mateus, verifica-se que Jesus é descendente do rei David. Só que, na época de Jesus, a dinastia, ou seja, a família real de David, já não governava mais em Israel. Eles estavam misturados ao povo, tinham perdido o trono e a ‘pose’ há muito tempo. Já reinavam outros em seu lugar e, ainda por cima os romanos, dominando os novos senhores.
Mas havia uma profecia antiga, da época de David, que dizia que um descendente de David reinaria para sempre em Israel e que o trono nunca lhe seria tirado. As pessoas se perguntavam, na época de Jesus e antes um pouco, onde estava a profecia: “será que Deus se esqueceu de nós?”
Quando o anjo Gabriel anuncia a Maria que ela vai ser mãe, diz-lhe as seguintes palavras: Ele (o filho que lhe iria nascer) herdará o trono de David, seu pai, e o seu reino não terá fim. Aí, portanto, se cumpre a antiga profecia.
A Primeira Leitura fala da entrada triunfal de David na cidade de Hebron, recebido pelos seus compatriotas depois da vitória numa batalha das tantas que ele travou. Logo em seguida ele é ungido e coroado rei em Hebron.
O Evangelho oferece um paralelo e um contraste com este relato: Jesus é o novo David, que todos esperavam, todos desejavam, mas que não souberam reconhecer.
David entra em Hebron com festa, Jesus também, quando entrou pela última vez em Jerusalém, pouco antes da sua morte na cruz, foi acolhido com enorme festa e grande triunfo. Todo o povo o aclamou “Filho de David”. É a cena do o domingo de ramos – nós temos bem na memória os fatos: estendiam os mantos pelo chão, faziam festa com ramos de árvore, aclamavam Jesus e o bendiziam como “aquele que vem em nome do Senhor”.
Mas logo em seguida, poucos depois, vendo que Jesus não correspondia bem à imagem do rei-messias que eles tinham em mente, e instigados pelos sumo sacerdotes e pelos opositores de Jesus, vão clamar diante de Pilatos: “Crucifica, crucifica!”
Não obstante, o paralelo com o rei David não acabou. David entrou festivamente, Jesus entrou festivamente. Então David foi ungido rei e coroado e Jesus também... na cruz: ungido no próprio sangue e coroado de espinhos.
E o paralelo ainda não acabou, porque Jesus vai ressuscitar e, tendo ressuscitado, Ele recebe, como dirá o Apóstolo, o nome que está acima de todo o nome, diante do qual se dobram os joelhos, no céu, na terra e no inferno. Um nome ao qual ninguém pode resistir: os anjos se curvam diante dele, os homens também, e até o demônio. Ninguém pode resistir, Ele é Aquele que o Apocalipse chama de Reis dos reis e Senhor dos senhores.
Temos que concluir... E o que dizer?
Quem quer fazer parte desse Reino, que a Liturgia de hoje chama de Reino da verdade e da vida, Reino da santidade e da graça, Reino da justiça, do amor e da paz? [cf. prefácio de Cristo Rei] Quem não quereria fazer parte deste reino?
Eu quero, e creio que você também. Mas como é que a gente faz para ganhar a cidadania desse Reino? Não há que se preocupar: essa cidadania já lhe foi concedida no Batismo. A partir de então, você é o que Paulo chamaria de cidadão do Céu. Se eu sou cidadão do Céu, então nesta terra eu sou um peregrino. Muita gente que vive aqui como se isso fosse definitivo, como se estivesse na sua pátria, no seu lugar. mas depois, inevitavelmente, verificará que não é bem assim e não saberá o que fazer diante das perdas desse mundo, principalmente diante da própria morte, porque estava com uma idéia errada. Sua casa não é aqui, minha casa não é aqui; nós somos cidadãos do Céu.
Portanto o reino de Deus não começa quando se morre, não... começa agora. Quem é o cidadão do reino de Deus, quem é o súdito de Cristo Rei? É aquele que deixa Jesus reinar em sua vida.
Essa vida é como a situação daqueles ladrões crucificados ao lado de Cristo. Vimos que um blasfemava e o outro O defendia, e pediu: Senhor lembra-te de mim quando estiveres em teu reinado. Estamos todos crucificados. Essa vida é um momento de crucifixão para todos os homens, até para os que parecem mais felizes (e às vezes são os mais infelizes). A diferença está na maneira como vivemos essa cruz: ou blasfemando ou entregando-nos ao Senhor, aceitando ser uma só coisa com Ele, consentindo em ser crucificados a seu lado e dizendo-Lhe: Senhor lembra-te de mim quando estiveres em teu reinado.
Minha cruz pode me puxar para baixo – e bem baixo – ou pode me levar para o Céu, dependendo de como eu viva esse instante. Posso ser crucificado longe de Cristo, sem querer saber d’Ele, ou posso viver a minha cruz por Cristo, com Cristo e em Cristo.
Eu crucificado com Cristo, eu crucificado por Cristo, eu crucificado em Cristo, eis o que faz a diferença. O apostolo Paulo, de novo, vem em nossa ajuda e conclui: se com Ele suportarmos, com Ele reinaremos – se com Ele sustentarmos a luta, participaremos de sua mesma glória.
Tudo isso já começa agora, meus irmãos. Muitos de nós vamos, daqui a pouco, nos alimentar do próprio Cristo na Eucaristia. Ele, o Rei que não apenas põe a mesa para os servos, mas se faz Ele próprio nossa refeição.Assim Ele exerce a sua realeza. Para Ele, reinar é servir-nos. Para nós, servi-lo é reinar.
Proferida e revisada pelo padre Sérgio Muniz – Botafogo em 21/10/2010
Liturgia da Palavra:
Primeira Leitura: Segundo Livro de Samuel (2Sm 5,1-3)
Salmo [Sl 121(122)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Colossenses (Cl 1,12-26)
Evangelho: (Lc 23,35-43)
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