sábado, 11 de dezembro de 2010

E-Homila

Transcrição da Homilia do 2º domingo do Advento

Dizia-nos o Apóstolo que tudo o que outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que pela constância, ou seja, pela perseverança, e conforto espiritual das Escrituras, nós tenhamos firme esperança. A Palavra de Deus, portanto, foi escrita para nos confortar espiritualmente, para nos dar perseverança e esperança.
Advento é o tempo da esperança, é o tempo da espera. As duas coisas caminham juntas. Ninguém espera senão tem esperança. A esperança é a alma da espera. A esperança é uma virtude infundida por Deus em nós. Nós sabemos que há em nós três virtudes infundidas por Deus (dizer que são infundidas significa que nós não podemos alcançá-las por nós mesmos, mas não são dadas como o Batismo): a Fé, a Esperança e a Caridade, que é o amor de Deus.
A esperança, portanto é a força para continuarmos esperando e caminhando rumo ao Reino eterno do Senhor. Sem esperança os cristãos cessariam de sê-lo, abandonariam o testemunho de Cristo. Muita gente pára porque perdeu a esperança ou, se não perdeu, pelo menos sepultou-a debaixo de uma série escombros, ruínas; é preciso tirar essas ruínas, esses escombros para que a esperança, e, com ela, a fé e o amor, brilhem de novo.
E é por isso que João Batista, no Evangelho insiste sobre a conversão como preparação para vinda do Senhor. O processo de conversão é justamente o trabalho tirar os escombros, tirar o lixo, tirar as ruínas de cima da esperança para que ela novamente brilhe.
E a Escritura Sagrada é um poderoso auxílio, dado por Deus a todos nós, para alimentar a esperança. Esta Escritura, hoje na boca do profeta Isaias, nos trás o anúncio de um tempo glorioso de paz, que só Deus pode criar.
Ele diz: nascerá um broto, a haste de uma flor germinará e sobre esse rebento repousará o Espírito do Senhor. Nos seus dias o lobo e o cordeiro deitarão juntos assim como o leopardo e o cabrito. A vaca e o urso vão pastar lado a lado, suas crias brincarão... o menino desmamado colocará a mão na toca da áspide e nada lhe acontecerá... Não haverá dano nem morte por todo meu santo monte, diz o Senhor porque, assim como as águas cobrem o mar, assim a terra estará coberta pelo conhecimento do Senhor.
Vejam, quão grandioso o que o Profeta anuncia: inimigos naturais, carnívoro e o herbívoro, lado a lado, confraternizando-se.
Essa imagem diz respeito a nós. Somos nós os lobos e os cordeiros; somos nós os cabritos e os leopardos. E ninguém fique pensando nos outros: na vizinha, no colega de trabalho: fulano é o lobo e eu sou o cordeiro... Muito cuidado aqui! Pois dentro de cada um de nós existe um lobo e existe um cordeiro, existe um leopardo, existe um cabrito, existe a cobra venenosa, existe o menino. Dentro de cada um de nós... E o que o profeta anuncia é a paz entre essas forças que se digladiam dentro de nós, que produzem guerra em nosso coração e, portanto transbordam em forma de conflito e de guerra fora, em torno de nós.
É preciso que haja paz dentro do coração humano e só Deus pode criá-la, só Deus pode dá-la. O fruto da vinda do Senhor, segundo o Profeta, é esta paz. Uma paz vitoriosa, destinada a abraçar o universo. Pode ser que nós não a vejamos em torno de nós diante desse mundo louco, mas se olharmos com cuidado, ele já começou. Ainda não se consumou, mas opera nos corações dos que vivem em Cristo, e os faz instrumentos da paz e do Reino do Messias.
Esta paz, já começada, embora não consumada, nos sustenta até no sofrimento, nas situações mais difíceis onde poderíamos desesperar. Admiramo-nos: de onde poderia vir vem tal força? Não vem de nossa pobreza, de nossa indigência; não vem de nossa natureza. O que supera a natureza vem do Autor da Natureza.
Como dizia o apóstolo Paulo: em todas as coisas dai graças, e a paz de Deus, que supera todo o entendimento, guardará em vossos corações e vossas mentes em Cristo Jesus, nosso Senhor.
O segredo está aí, em viver em Cristo, em dar graças, até pelo que não entendo e tenho dificuldade de aceitar. Isso cria em nós a paz. É esse o conhecimento do Senhor: dar graças em todas as coisas; estar em Cristo. E quando o conhecimento do Senhor está presente, a paz é uma consequência.
Na medida em que esse conhecimento de Deus vai sendo espalhado, transbordando de mim para aqueles que estão em torno de mim, o testemunho do Evangelho, vai criando também a paz nos outros corações.
Mas as profecias são claras e dizem que esta paz se estabelecerá de maneira completa, total... um dia... A Bíblia assegura que, quando o Senhor vier julgar o mundo, então serão criados novos céus, nova terra. Não dá detalhes disso, não sabemos como será, mas sabemos que será. Um mundo transformado, totalmente transformado, os mortos ressuscitados com a carne gloriosa como a de Cristo ressuscitado, os vivos também transfigurados numa vida nova e gloriosa, um Reino impensável para nós.
Qualquer tentativa de descrevê-lo materialmente é falha.
Qualquer tentativa de o descrever é meramente simbólica, porque ninguém tem o retrato daquilo, segundo São Paulo, o olho não viu, o ouvido não ouviu e nem o coração do homem suspeitou, mas que Deus reservou para os que o amam. Sabemos que esta paz universal se instaurará mediante o juízo universal. E aí ouvimos a voz de João Batista, o austero profeta que impressionou seus contemporâneos – porque Israel, desde o segundo século antes de Cristo, não via um profeta em carne e osso e lamentava-se disso, mas eis que depois de dois séculos de jejum profético aparece a figura admirável de João Batista e todos reconhecem nele o perfil do autêntico profeta; o rigor com que se tratava, a ascese que praticava, a obstinação quase com que vivia só para anunciar a palavra de Deus e particularmente a proximidade da vinda do Senhor.
Ao falar da vinda de Cristo, ele já inclui no ‘pacote’ o juízo final, que, como sabemos, não veio logo. Os profetas, quando anunciavam a vinda do Senhor, anunciavam também o juízo de Deus sobre a história e a instauração do Reino do Messias. Mas depois de Cristo, ficou claro que essa vinda se dá em duas fases: na primeira veio pequenino, veio desconhecido, veio para ser aceito ou rejeitado, veio para ser julgado, condenado, crucificado.
Mas na segunda vinda, Ele virá não mais desconhecido, mas com evidência total para todos. Virá em glória, não mais para ser julgado, mas para julgar; não mais para curvar-se até a morte de cruz, mas para dar a recompensa e manifestar a vitória de Deus àqueles que querem saber de Deus e aos que não querem também.
João e os profetas viram essas duas vindas numa única revelação, digamos assim, e é por isso que eles anunciam com tanto vigor a chegada do juízo de Deus, visto que já começou o processo com a vinda de Jesus. Diz ele aos que vão procurá-lo, sobretudo aos mais instruídos e mais religiosos, que são os fariseus e os mestres da lei: raça de víboras quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? O profeta não tem meias palavras, ele desvenda os corações e os desmascara. Essa interpelação – e não temos nenhum fariseu, nenhum mestre da lei aqui – essa interpelação é para nós: raça de víboras... e tenho que me incluir.
Quem vos ensinou a fugir da ira que virá? Não adianta vir praticar um rito, no caso o Batismo no rio Jordão, imaginando que isso vai eximir da mudança necessária, da conversão, que é o que Deus quer. Ele diz então: Não adianta vir aqui para ser batizados, é preciso dar frutos de verdadeira conversão: produzi frutos que provem a vossa conversão. É isso que o Senhor espera de nós, porque senão os nossos ritos e a nossa mesma presença aqui é vazia de significado e não tem eficácia alguma se o coração não acompanhar. O que Deus nos pede é que o nosso coração realmente esteja naquilo que agora fazemos, em cada palavra, em cada gesto.
Quando insisto com vocês por causa do canto, pode parecer uma excentricidade de um músico obcecado, mas não é isto. É para que nos coloquemos totalmente naquilo que fazemos, principalmente naquilo que fazemos para Deus; que o nosso coração esteja em Deus. Esse é o começo da verdadeira conversão. E assim nós estaremos preparados para as vindas do Senhor: as múltiplas vindas, que ocorrem no dia a dia (Jesus nos visita de tantas formas, sob tantos rostos, em tantos encontros, em tantos acontecimentos que não sabemos reconhecê-lo), a preparação para essas vindas, a preparação para a visita de Cristo por meio de sua Palavra, que agora nos interpela, a preparação para a vinda de Cristo na Eucaristia que vamos receber, a preparação para a vinda de Cristo na hora da nossa morte, tão importante, decisiva, a preparação para a vinda de Cristo no final da História, com a ressurreição e juízo final.
A preparação para as vindas de Cristo pode ser vivida na prática como uma preparação para receber a Eucaristia. O que queremos dizer com isso?
Deveríamos viver nossa semana pensando no domingo que vem: quero viver essa semana preparado para receber Jesus no domingo, quero recebê-lo alegremente, dignamente no próximo domingo. Vou tentar evitar a todo custo as coisas que me afastam d’Ele, quero estar preparado para a vinda de Cristo na Eucaristia e, vivendo assim, estaremos preparados para a vinda de Cristo na hora da morte, no juízo final e em qualquer outra circunstância.
É um método de preparação para a vinda do Senhor; preocupe-se em pode recebê-lo dignamente no próximo domingo. E não nos esqueçamos o papel insubstituível da confissão sacramental nesta manutenção espiritual...
Então coloquemos nosso coração em tudo que fazemos para Deus – corações ao alto! – e assim estaremos preparando a sua vinda; assim estaremos preparando a verdadeira paz em nós e em torno de nós.

Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 5/12/2010
Leituras da Semana
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias (Is 11,1-10)
Salmo: [Sl 71(72)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos
Evangelho: Mateus (Mt 3,1-12)

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