Transcrição da Homilia do 3º domingo do Advento
Um belíssimo elogio a São João Batista nos lábios de Jesus: Não há maior do que João Batista – a não ser o menor do Reino dos Céus.
Um enigma: quem será este “menor no Reino dos Céus” que é maior do que o maior dos homens já nascidos? Certamente Jesus referia-se, de modo enigmático, a Si próprio; e o faz de uma maneira tão delicada que só quem, muito depois, acreditasse n’Ele poderia decifrar este enigma.
De fato, Jesus é o maior que se fez menor. É o maior de todos que se fez menor de todos e, por isso, é maior ainda do que o maior dos homens.
Mas, apesar do elogio a São João Batista, nós assistimos na narrativa do Evangelho de hoje uma espécie de crise de fé deste grande Profeta. Ele está em situação difícil. Começa o Evangelho dizendo que João estava na prisão, e nós sabemos por quê. Ele, como profeta que era, dizia o que Deus mandava dizer, a quem quer que fosse, doesse a quem doesse, e chegou a vez do rei Herodes ouvir a censura do Profeta. Ele censurara o rei porque vivia com a mulher do irmão, sua cunhada.
O Profeta com sua palavra dura, austera, repreende este público exemplo de falta de vergonha, dizendo: Tu não tens o direito de fazê-lo, por dois motivos: primeiro porque é adultério e, segundo, porque estás à frente do povo como modelo, como chefe. Se o rei pode fazer isso, então o povo vai se julgar também no direito de fazer (se ele que é rei pode, eu que não sou nada...). A moralidade pública em suma, está em questão aqui e Herodes manda prender João Batista, mas não o executa logo, mas apenas o tira de circulação. Vai mandar decapitar João na prisão depois, por instigação da mulher de seu irmão, que usará a filha, Salomé, para conseguir o seu intento; nós conhecemos a história...
Mas João está na prisão porque serviu a Deus com fidelidade, está na prisão porque disse o que Deus mandou dizer, está na prisão porque optou pela justiça e pela verdade, está na prisão sentindo o cheiro da morte que ronda.
Ora, João como seus contemporâneos, certamente lembrava as profecias que falavam da vinda do Salvador. Por exemplo, uma nos é colocada hoje na Primeira Leitura – Isaias diz: criai ânimo, não tenhais medo, vede é vosso Deus é a vingança que vem, é a recompensa de Deus, é Ele que vem para salvar. Bem entendido: a vingança, ou seja, a retribuição contra os maus e também a recompensa, a retribuição para os amigos de Deus.
No tempo do Messias então, a justiça deveria se implantar, o reino de justiça, o reino de paz um reino onde Deus estivesse realmente no centro de tudo.
João tinha anunciado ao povo que Jesus era o Messias, disse ele à multidão: Eis aí o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Ele tinha recebido essa revelação, ele estava certo disso, mas agora começa a duvidar:
– Se Jesus é o Messias, como é que tudo continua do mesmo jeito, como é que eu estou aqui na prisão sofrendo essa injustiça? Se Jesus é o Salvador, Ele veio salvar de que? Porque, afinal de contas, está tudo pior do que antes, pelo menos para o meu lado. Quando vai começar esse reino que os profetas anunciaram, será que é Ele mesmo?
Vemos aí a crise do Profeta.
Jesus recebe os enviados de João, que vêm justamente perguntar isto, em nome de João que está preso: és Tu ou devemos esperar outro? Jesus responde indiretamente, para que João tire a sua própria conclusão. Responde lembrando a outra parte da profecia, que João esquecera. João só lembra o trecho que fala da vingança que vem (contra os maus, é claro), e a recompensa de Deus, que vem para nos salvar.
Mas Jesus lembra o resto da profecia: ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e pobres são evangelizados.
O que dizia Isaias, logo depois do trecho da vingança e da recompensa? Ele dizia: então se abrirão os olhos dos cegos, se descerrarão os ouvido dos surdos, o coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos.
A profecia está se cumprindo. João esqueceu esse trecho; Jesus manda lembrar. Certo que João terá tido uma imensa alegria em ter sido lembrado desse pedaço que ele tinha esquecido: ele não se havia enganado: começou, de fato, o Reino do Messias!
Nós queremos as coisas para ontem, soluções imediatas... É compreensível que fiquemos chateados e, às vezes, tentados a revolta. Digo ‘tentados’, pois não nos podemos revoltar por causa das injustiças no mundo, com os outros e conosco. Às vezes parece que Deus não está “nem aí”.
Mas o tempo de Deus não é nosso tempo e o Senhor conhece coisas das quais nós não temos nem idéia. O importante é que o reino do Messias já começou e você pode ver na sua própria vida os sinais disso, conforme a resposta de Jesus. O julgamento virá, a retribuição virá, mas não ainda, não agora. Observe, no entanto, os sinais que Deus já está fazendo e você verá que chegou o reino de Deus.
A segunda leitura o ilustra com a figura do agricultor. O agricultor, com a sabedoria da experiência e com sua sensibilidade, planta e espera. Primeiro nasce o broto depois ele cresce, põe muitas folhas, depois um botãozinho, uma flor e mais adiante a espiga ou o fruto. Não se planta hoje para colher amanhã.
A imagem da agricultura é muito importante aqui, porque nos ajuda entender que o Reino de Deus já foi semeado e já brotou quando o Verbo eterno, o Filho eterno de Deus, “caiu” como semente no ventre de Maria, germinou e nasceu Jesus. Ele está florescendo na Igreja, espalhando seus ramos por toda a terra e os frutos estão vindos. Alguns desses frutos já maturaram e foram recolhidos no Céu e outros estão ainda por nascer. A história ainda não está completa, o tempo da colheita ainda não chegou, é preciso ter a paciência do agricultor que espera o precioso fruto da terra e fica firme até cair a chuva do outono e da primavera.
Também vós, diz o Apóstolo, ficai firmes e fortalecei vossos corações. Apesar de não terdes já a resposta, já a solução, já tendes, contudo, a semente, já tendes a planta, já tendes a floração e o fruto vai chegando porque a vinda do Senhor está próxima.
Ele termina dizendo: tomai como modelo de sofrimento e firmeza os profetas que falaram em nome do Senhor.
Nós estamos em situação análoga à de João Batista e à dos antigos profetas, mas temos uma vantagem em relação a eles, que nos ajuda a sermos mais fortes, se quisermos, do que eles foram: João Batista, embora tivesse reconhecido Cristo, não pôde recebê-lo na Eucaristia como você pode hoje. Cumpre-se, assim, o que Jesus disse certa vez: Muitos justos, ou seja, muitos santos, quiseram ver o que vedes e não viram, quiseram ouvir o que ouvis e não ouviram; felizes sois vós porque vedes e ouvis.
Proferida e revisada pelo padre Sérgio Muniz em 12/12/2010
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias (Is 35,1-6 a.10)
Salmo: [145(146)]
Segunda Leitura: Carta de São Tiago (Tg 5,7-10)
Evangelho: Mateus (11,2-11)
Nota: Essa e Homilias anteriores estão disponíveis no blog www.verbumvitae.com
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