quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Transcrição da Homilia do domingo do Batismo do Senhor

Amados irmãos, prezadas irmãs,

Conclui-se com a festa do Batismo do Senhor o ciclo ou Tempo Litúrgico do Santo Natal. Nós poderíamos, num primeiro momento, achar um pouco curioso, talvez estranho, por não vermos imediatamente a relação de uma coisa com outra: por que é, afinal de contas, que a festa do Batismo do Senhor conclui o tempo do Natal? O que é que tem uma coisa a ver com a outra?
Diríamos o seguinte: o Natal celebra a vinda do Filho de Deus na carne, na natureza humana. Mas o Filho de Deus se faz filho do homem, nascendo da Virgem, para quê? Para que os filhos dos homens se tornem filhos de Deus.
O Filho de Deus se torna filho do homem, nascendo da Virgem; os filhos dos homens se tornam filhos de Deus. Como? Através do Batismo. Portanto é o Batismo que fecha o ciclo, ou seja, que sela a troca de dons entre o céu e a terra. O Filho de Deus toma o que é nosso, nascendo de Maria, e nos dá o que é seu através do Batismo que recebemos.
Alguém poderia dizer: “muito bem... mas porque é que Jesus teve de ser batizado no Jordão por João Batista? Afinal de contas nós ouvimos o próprio João protestando e dizendo: Eu é que devia ser batizado por Ti e Tu vens a mim?
É de se estranhar por dois motivos: primeiro porque o batismo que João pregava era simplesmente um sinal de penitência, de conversão e Jesus não tinha do que se converter ou de que fazer penitência. Em segundo lugar, porque sequer se tratava de um sacramento ainda. Ora, se fosse um sacramento, ainda assim Jesus não precisaria; não sendo, pior ainda. Ou seja, a inutilidade da atitude de Jesus nos parece gritante: vai receber uma coisa que nem sacramento é, ainda que fosse, Ele não precisaria. E aí vem a tentativa de explicação mais comum, mais espontânea: Jesus teria feito isso por humildade ou para dar exemplo.
Não que esteja errado, a resposta passa por aí, mas é muito pouco.
Jesus tinha umas razões mais profundas e consistentes: certamente a razão mais importante pela qual Ele se faz batizar no rio Jordão é transformar o batismo de João Batista, que não era sacramento, no Batismo sacramento, que nós haveríamos de um dia receber.
De fato, o que, que há de essencial no Batismo cristão, no sacramento Batismo? Essencial é: a água e nome da Trindade. É assim que se Batiza.
Se alguém aqui estiver presente nalguma situação que uma pessoa está morrendo sem ter sido batizada, saiba que pode Batizar nessas circunstâncias – e deve fazê-lo se puder obter ou presumir a aceitação do batismo (em caso de pessoa adulta; sendo criança sem o uso suficiente da razão) se batiza em qualquer caso) – tomando água (não precisa ser á água benta) e, derramando-a sobre a cabeça da pessoa, se deve dizer: ‘fulano’, eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E estará batizada esta criança ou adulto que seja. Este é o procedimento essencial para o Batismo: a água e o nome da Trindade.
Ora, o que é que nós temos no rio Jordão? Jesus vai e mergulha nas águas do Jordão. Depois Ele vê o céu aberto e vindo sobre si o Espírito Santo, como nós ouvimos aqui, e a voz do Pai ressoando a dizer: Este é o meu Filho amado no qual pus a minha afeição.
Temos aí o novo Batismo, inaugurado no rio Jordão. A partir desse momento, o batismo de João Batista já não existe mais; cedeu lugar ao Batismo novo, ao sacramento: a água e, na água, o Filho, o Pai e o Espírito Santo. Estava, criado, inaugurado o novo Batismo.
Outro motivo importante pelo qual Jesus vai ao rio Jordão ser Batizado é que Ele é o ‘Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo’; Ele próprio não tem pecado, mas haveria de carregar sobre si os pecados de toda humanidade na cruz. E já começa a fazê-lo ao receber o batismo de penitência de João, em nome de todos os pecadores ou no lugar de todos os pecadores. Ele é a cabeça de todos os que hão de ser salvos.
Eis aí, portanto, as razões do Batismo de Jesus.
E, depois do Batismo, Jesus começa a sua vida pública. Na verdade, depois do Batismo Ele vai para o deserto e fica quarenta dias em jejum. É o Evangelho que dá início à Quaresma. O jejum de Cristo no deserto vem logo depois do seu Batismo. Ele vai se preparar para sua missão e, em seguida começa a viajar, pregando a boa nova, o Evangelho, fazendo milagres e falando do Reino dos Céus.
Também nós recebemos o Batismo para uma missa. Todos temos uma missão que é extensão e participação da missão de Cristo, pois o Batismo nos insere em Cristo e, a partir daí, inseridos em Cristo, como membros da Igreja, como filhos de Deus, nós desempenhamos no mundo a nossa missão. O Espírito Santo nos investe de força e graça para a missão que recebemos.
A palavra batismo significa ‘mergulho’. Nós fomos batizados, ou seja, mergulhados, no Pai, no Filho, no Espírito Santo.
Eu gostaria de propor então duas imagens que têm a ver com o mergulho: a imagem da esponja, que por várias vezes usei. Seca, ao ser mergulhada na água, fica totalmente perpassada de água, penetrada de água por todos os poros. A esponja, não se mistura, não se dilui, ou seja, não perde a sua identidade; mesmo embebida de água, ela continua esponja e a água que embebe a esponja também não perde sua identidade, não se confunde com a esponja, mantém-se água. A esponja embebida de água é muito interessante porque, sem que haja confusão entre esponja e água, há, no entanto, uma interpenetração total; uma coisa abraça e envolve a outra.
E assim também ao sermos mergulhados na Trindade, no Pai, no Filho e no Espírito Santo, no dia do nosso Batismo. Como a esponja, ficamos totalmente compenetrados, perpassados por todos os poros, do corpo e da alma, perpassados da presença de Deus. A pessoa que vive na graça de Deus é como a esponja embebida na água do Batismo, na água da divindade. A natureza divina – o Pai, o Filho, o Espírito Santo – em nós. O ser humano é divinizado pelo Batismo.
Quando, pelo pecado voluntário, plenamente voluntário e plenamente consciente, nos afastamos de Deus e nos obstinamos, então perdemos essa presença de Deus. Tornamo-nos uma esponja seca de novo. Por isso, é muito importante permanecermos em contato com água do Batismo, ou seja, com o próprio Deus. Esse contato se dá através da oração diária, bem feita, e não por desencargo de consciência (aquele Pai Nosso estropiado no meio de um sono que já nos devora), mas uma oração diária, bem feita. Se você tem tempo até para novela... por que não tem tempo para Deus?
Vamos tomar vergonha! É desligar a televisão e dar a Deus quinze minutos no mínimo; meia hora. Como? ‘Ah, tenho muita coisa para fazer’: leia o Evangelho, recite um salmo, reze o terço, peça sugestões, se precisar.
Deus merece, Deus merece esse tempo e você precisa. Sem isso não terá forças para fazer o mínimo do que Deus espera.
Toda a gente diz que os mandamentos são difíceis, mas pudera... quem não come durante uma semana não consegue subir uma escada, e nem precisa ser uma escada muito grande. A gente fica sem se alimentar de oração e por isso não pode fazer as coisas mínimas. Não que elas sejam tão difíceis, mas se nós não comemos... se a alma está desnutrida..., Então para alimentar a presença de Deus em nós, deve haver oração diária bem feita. Não tem conversa, sem isso não dá. Sem isso, temos que parar por aqui; será inútil todo o resto. Inútil.
Depois, o sacramento da Eucaristia recebido na Santa Missa, recebido de modo digno, ou seja, sabendo o que estou fazendo, procurando estar preparado e, então, de vez em quando, fazer também uma boa confissão. A esse respeito, muitos fazem ouvido de mercador, fingem que não estão ouvindo...
No Advento, agora antes do Natal, era de se esperar mais confissões, não é? Há um problema sério de decadência no recurso, na frequência à confissão. Eu sei que estou procurando sarna para me coçar – é mais trabalho. Mas é bom. É para isto que nós estamos aqui.
A oração diária, a confissão freqüente e a Eucaristia são para nos manter sempre umedecidos da presença de Deus, sempre mergulhados em Deus. São as coisas básicas para essa esponja não secar. A esponja longe da água, ela vai secar.
E a segunda imagem com que eu queria concluir, também relativa à água e ao mergulho, é a imagem do peixe. O peixe, por várias razões, é um dos antigos símbolos do cristianismo, já desde a época dos Apóstolos. Uma das razões pelas quais o peixe é símbolo do cristianismo é porque ele só pode viver na água, numa alusão ao Batismo e à divindade da Trindade Santa em que nós fomos mergulhados naquele dia.
Fora de Deus não somos ninguém. O peixe é sempre o mesmo dentro e fora da água, mas com uma diferença: vivo num caso e morto no outro...
Que esta Eucaristia que estamos celebrando, que a força desta Eucaristia nos ajude pela misericórdia de Deus a viver segundo aquilo que nós somos, a agir de acordo com que nós recebemos de Deus.
Qual é o pai que não fica orgulhoso e feliz quando alguém diz, olhando para a sua criança: ‘mas olha... é a cara do pai, não é?!’ Então já o sorriso se estampa e o orgulho se faz sentir.
E que pai não ficaria atônito, imaginem, se alguém, ou se várias pessoas, chegassem para dizer: ‘escuta... é seu filho mesmo? Não tem nada a ver contigo... olha lá, hein...’
Deus deve ficar muito satisfeito quando alguém olha para a gente e diz: ’ é a cara do Pai’. Mas a pergunta é: isto está acontecendo? Em que medida? Ou será que está acontecendo exatamente o contrário: ‘será que é filho de Deus mesmo? Que coisa, hein... Nem dá para acreditar!’
O que Deus sentirá diante disto? Que pai ficaria contente com uma observação dessas? Deveria existir uma diferença clara, inequívoca entre uma pessoa Batizada e uma pessoa não Batizada. Entre um que é discípulo de Cristo e outro que ainda não é ou entre alguém que é membro da Igreja, membro do Corpo de Cristo, herdeiro do reino dos Céus, Filho de Deus, e alguém que não é nada disso. Deveria existir uma diferença clara, deveria estar escrito na sua cara e na minha: ‘sou de Cristo’.
As pessoas deviam notar isso, pela minha maneira de agir, pelo meu jeito de falar, de olhar, de reagir, etc. As pessoas deviam perceber isto. Se não estão percebendo, algo de errado está acontecendo comigo.
Vamos aos lugares onde o pecado impera, onde a corrupção impera, onde a prostituição impera, onde o vício impera, onde a mentira, a falcatrua impera; vamos a esses lugares perguntando: escuta, você é o que? Você é batizado? Todo mundo é Batizado. E, pior ainda, batizado na Igreja católica. De que serviu? Onde está o Batismo desta gente? Onde está o catolicismo desse povo? Que diferença há? Se não fosse Batizado seria... não sei? Quase, quase, sou tentado a dizer, seria melhor. Não sei...
Suja-se o nome de Deus, suja-se o nome da Igreja!
Os católicos, às vezes, são vergonhosamente passivos. Não é todo mundo, claro. Só vai vestir a carapuça quem... É um fato. Certa vez um paroquiano, muito praticante, benemérito, comentava comigo dizendo. Ah, Padre, admiro nos evangélicos que eles, no seu ardor, no seu zelo por Cristo, acabam por levar outros consigo, procuram influenciar e trazer outros para Deus. Entre os católicos isto não é muito frequente e, dizia ele, eu mesmo sou um que tenho amigos assim, assim, mas não consigo.
Eu perguntei: Não consegue ou não tenta? Porque, na verdade, na verdade, as pessoas de quem ele falava com admiração, não descansam enquanto não conseguem. E por quê? Porque transbordam de alegria e satisfação por conhecerem a Jesus Cristo. Estão convencidos que a coisa mais importante de suas vidas é isso, e quando tem um amigo, uma pessoa querida, eles desejam, como é natural, o melhor para a pessoa que amam. E, se o melhor é Cristo, não se pode descansar enquanto a pessoa amada não receber a Jesus Cristo. Ele dizia: por que nós não somos assim?’ Devolvo a pergunta para você? Por que você também não é assim? Ah, mas os católicos... ’ ‘Cuidado, eu disse a ele: conheço um rapaz convertido ao Catolicismo há mais ou menos um ano, e que já está trazendo gente para a Igreja. Já está sendo missionário, está colocando em prática seu Batismo e você está aí há anos. Cadê?’
Nós somos passivos. O católico chega a um lugar e, se alguém fala alguma coisa de religião, ele se encolhe, não é? Não emite opinião. Fica com vergonha de aparecer. Outros não: com orgulho, satisfação, dizem o que pensam e assinam em baixo. Por que isso?
Então que nosso Batismo passe a fazer diferença.
Eu vou terminar com uma frase de Jesus Cristo: quem der testemunho de Mim diante dos homens, Eu darei testemunho dele diante do Pai; quem se envergonhar de Mim diante dos homens, Eu me envergonharei dele diante do Pai.

Proferida e revisada pelo padre Sérgio Muniz em 09/01/2011
Liturgia da Palavra
Primeira Leitura: Livro do Profeta Isaias (Is 42,1-4.6-7)
Salmo: [Sl 28(29)]
Segunda Leitura: Atos dos Apóstolos ( At 10,34-38)
Evangelho: Mateus (Mt 3,13-17)

Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

Um comentário:

  1. Muito interessante o blog !
    Deixo aqui o meu caso queira dar uma olhada, seguir...

    www.bolgdoano.blogspot.com


    Muito Obrigada, desde já !

    ResponderExcluir