quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Homilia

Transcrição da Homilia do 33º domingo do Tempo Comum

Não ficará pedra sobre pedra!

O que Jesus disse do templo de Jerusalém (que, aliás, foi destruído pelos romanos aproximadamente quarenta anos depois de sua morte e ressurreição, ou seja, no ano setenta), podemos aplicar a todo este universo que vemos diante de nós.
Não ficará pedra sobre pedra, tudo será transformado, tudo será modificado. A Bíblia não dá detalhes do que virá, mas fala de novos céus e nova terra: não ficará pedra sobre pedra e algumas das pedras que ocupam o topo ficarão por baixo e algumas das pedras que ocupam os alicerces estarão no topo, porque Deus vai julgar a terra inteira – com justiça julgará.
O Templo, imagem do universo, casa de Deus e dos homens, seria derrubado pelos romanos durante uma revolta dos israelitas, fartos do domínio romano. O Templo era uma espécie de síntese simbólica do céu e da terra. O mundo, com suas galáxias, com seus espaços infinitos, é o grande templo que será transformado, modificado.
A Primeira Leitura mencionava o dia dessa transformação, que os profetas chamavam “o dia do Senhor”. Dizia Malaquias: eis que virá o dia do Senhor, abrasador como fornalha em que todos os soberbos e ímpios serão como palha.
O Apóstolo Paulo, falando do mesmo assunto numa de suas cartas, disse que: o dia do Senhor será como um fogo e esse fogo provará as nossas obras. Há quem construa com palha, há quem construa com madeira, há quem construa com pedras, há que construa com ouro e prata. E o fogo provará a obra e a pessoa de cada um.
Quem deve temer? Aquele que constrói com palha, ou com madeira. Quem são esses (Malaquias diz nessa leitura que nós ouvimos)? Os soberbos e os ímpios. A soberba, o orgulho, eis a raiz de todo pecado e fonte da impiedade, que é a oposição a Deus e aos seus caminhos. Esse dia há de queimá-los.
Mas... e os amigos de Deus? Qual deve ser a nossa expectativa (supondo que sejamos nós amigos de Deus)? Para vós que temeis meu nome nascerá o sol da justiça trazendo salvação em suas asas.
O dia do Senhor, o dia da grande reviravolta, o dia em que o triunfo do bem será manifestado definitivamente, inquestionavelmente. O dia em que o triunfo de Cristo será claro.
Por enquanto esse triunfo, mesmo sendo um fato – Jesus é o vencedor da morte, do pecado, é o vencedor do demônio e das trevas – ainda não brilha com total evidência, para que nós possamos ter o mérito da fé.
Que mérito haveria em acreditar naquilo que é evidente? Nós acreditamos, e temos boas razões para acreditar, mas acreditamos em algo que não se manifestou na sua totalidade porque a vida nesse mundo ou é uma escuridão ou é uma penumbra. Luz plena só diante da face de Deus. Quem anda longe de Deus, anda na escuridão, quem anda na fé tem uma luz, mas é uma luz ainda limitada, suficiente para o próximo passo e para o passo depois dele. Quem anda na fé anda na penumbra, mas tem luz para evitar os buracos e os obstáculos. Essa luz da fé, como dissemos, ainda não é a luz da evidência total, para assim obtermos o mérito da visão de Deus, mérito que vem da fé.
O Evangelho diz que, no dia do Senhor, no dia da renovação universal, coisas pavorosas e grandes sinais no céu vão acontecer. Mas ninguém fique com medo, se é amigo de Deus não tema, porque o sol da justiça brilhará para você.
Qual a razão desses textos, nos profetas, no Evangelho e no livro do Apocalipse, que é um livro difícil (cuidado para não ler de qualquer maneira porque há muita simbologia ali), qual a razão de uma tal linguagem quando se fala da conclusão da história do mundo e do homem? Qual o sentido dessa convulsão universal, cósmica? Coisas e pavorosas e grandes sinais no céu...
A razão já o disse aqui, certa vez, mas vou repetir, é que toda arrumação depende de uma desarrumação prévia. Quem quer reformar uma sala, tem que quebrar e tirar muita coisa. Se quer reformar uma casa inteira, a bagunça vai ser maior, o barulho vai ser maior, a poeirada vai ser maior, o entulho vai ser muito mais volumoso. Quanto maior é a reforma que se quer fazer, tanto maior a bagunça que a precede. O barulho, a chateação, a despesa, não é assim?
Eis que existe um universo a restaurar... Então imaginem o tamanho da bagunça que terá de preceder a restauração universal. É uma lei natural.
Se você vai fazer um almoço comum durante a semana, sujam-se algumas panelas e alguns pratos. Se você vai fazer um almoço de festa para a família num domingo ou numa data especial, haja prato, haja panela... Daqui a pouco, chegando o Natal, quem for fazer uma ceia já se prepare para o trabalho e o cansaço.
Assim também a festa da reinauguração do universo, que decaiu, que se carcomeu por causa do pecado. A festa da reinauguração da criação será precedida por uma grande confusão, como qualquer festa causa uma grande confusão na sua cozinha e na sua agenda. Coisas inesperadas e incomuns acontecem quando se está preparando um grande evento, nós sabemos disso. É a mesma coisa.
Para nós, os amigos de Deus, isso tudo é motivo de esperança e alegria. Não temos que temer (a não ser que estejamos entre os soberbos e os ímpios) e é por isso que desde já temos que trabalhar dentro de nós a grande revolução. Jesus diz que antes que estas coisas aconteçam, vão acontecer revoltas, levantes, guerras e revoluções. A história da humanidade está cheia dessas coisas e elas ainda não acabaram. Por quê? Essas revoluções, esses levantes, essas revoltas, até da própria natureza.
Acontece que o mundo, desde o pecado original em diante, começou a descer a ladeira como uma avalanche, uma espécie de avalanche de pedras ou de neve, descendo de uma montanha altíssima. Assim a humanidade começou a se precipitar nos abismos para longe de Deus.
Jesus Cristo veio ao mundo e, com a força da sua vinda, da sua morte e ressurreição, imprimiu um movimento contrário a essa avalanche, de baixo para cima, um poderosíssimo movimento, não só para detê-la, mas para levar tudo ao lugar de onde não devia ter saído. Imaginem quando essas duas forças – a que desce da montanha e a que vem de baixo – se chocam... qual o resultado? E é por isso que a história está em convulsão.
E é por isso que no dizer de Paulo: a criação inteira sofre e geme dores de parto até que se manifeste a glória dos filhos de Deus. É por isso que a criação inteira anseia, diz o Apóstolo, por esse dia: vai ser libertada de todos os males. Mas enquanto isso está em processo, enquanto as avalanches, as duas forças, a de baixo e a de cima estão se encontrando, acontecem as revoluções.
Tais coisas não são globalmente nem necessariamente ruins. É a lei da história redimida por Cristo. Ou a lei da remissão da história por Cristo. No meio dessas revoluções, muitos cristãos fiéis a Jesus são levados a julgamento diante dos reis e governadores; são os mártires, os que são perseguidos por causa da fé, ainda hoje. Basta folhear as páginas da história que nós o vamos encontrar até os nossos dias. Por exemplo, em Cuba, perseguição religiosa ainda está longe de terminar; foram dados recentemente uns tímidos passos. Na China comunista, idem. Nós temos a possibilidade de vir à Missa perto de casa; na China muitos católicos têm que ir à Missa escondidos, caminham quilômetros para não serem descobertos e seguidos. Ninguém fala disso por causa do grande mercado consumidor que é a China, e do seu grande poderio militar. As potências econômicas calam essas coisas.
Fala-se em direitos humanos para defender aborto e outras coisas, pervertendo o sentido das palavras, mas não se fala em direitos humanos nessas questões porque envolvem a Igreja Católica perseguida.
Eles vos odiarão por causa de meu nome, matarão alguns de vós, mas não perdereis um fio de cabelo de vossa cabeça.
Com assim? Alguém perde a cabeça inteira por Ele, e Jesus vem dizer que não perderemos sequer um fio de cabelo? Vejam São João Batista, por exemplo, vejam tantos mártires, como São Paulo Apóstolo que literalmente perderam a cabeça... Muito mais que um fio, todos os fios da barba e da cabeça. Não é uma contradição?
Certamente não!
Qual o sentido? Não perdeis significa: não terá sido em vão. Não será sem recompensa condigna. A vitória chegará para esses que o mundo desprezou, para os que foram odiados ou incompreendidos por causa de Cristo.
Se na sua família ou no seu trabalho a avalanche está descendo e você representa a força de Cristo que reconduz as coisas para o alto, vai haver choque e você vai ser incompreendido necessariamente, talvez perseguido, talvez julgado. Quem sabe alguém terá que dar a vida por Cristo.
Se nesse mundo nós representamos a força da restauração que é a força da salvação, da ressurreição, a força do mal que vem de cima para baixo vai se chocar conosco e vai haver guerra e vai haver revolução. E essa é a mais importante das revoluções: permanecei firmes, porque permanecendo firmes é que ireis conquistar a vossa vida.
E o que dizer da revolução dentro de nós, que se chama conversão? Dentro de nós também há uma avalanche que desce impiedosa para arrasar tudo. Nós sentimos o peso dos sentimentos desregrados, do desnorteamento de nossos sentimentos, das nossas idéias, pensamentos, ações, inclinações. Uma avalanche que quer esmagar tudo. Mas unidos a Jesus Cristo e alimentados pela Eucaristia e por sua Palavra de vida, obtemos força para empurrar tudo de volta. É preciso estar dispostos para a luta, para a grande revolução, mas a força vem de Cristo, é por isto que estamos aqui, é para isto que estamos aqui: para haurir desta força e poder e empregá-la na grande revolução que nos espera, assim que pusermos o pé fora desta porta.

Proferida pelo padre Sérgio Muniz – Botafogo em 14/11/2010

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