domingo, 9 de janeiro de 2011

Homila da Santa Mãe de Deus

Transcrição da Homilia da solenidade da Santa Mãe de Deus, Maria (1 de janeiro)

Completa-se hoje, meus irmãos, minhas irmãs, a oitava de Natal, ou seja, os oito dias que são prolongamento, por assim dizer, da festa do dia vinte e cinco. O Evangelho terminava dizendo que quando se completaram oito dias, circuncidaram o Menino como mandava a lei de Moisés; era um sinal na carne de que o Menino pertencia ao povo de Israel, aos descendentes de Abraão (ainda hoje os judeus praticam a circuncisão). Circuncidaram o Menino aos oito dias, como manda a lei de Moisés, e deram-Lhe o nome de Jesus.
No ato da circuncisão era imposto o nome. Hoje, portanto, liturgicamente, é o dia em que Jesus recebe seu nome. No calendário litúrgico antigo, era hoje a festa do nome de Jesus,; atualmente festa de Maria, mãe de Deus.
Na verdade, a figura de Maria e a figura de Jesus se interpenetram de uma maneira muito orgânica, muito viva. Jesus, o Rei Messias, aparece na terra reinando do seu primeiro trono: o colo da Virgem Maria, eis porque a figura de Maria é tão importante neste dia.
Diz o Evangelista que Ela guardava todos esses fatos e meditava sobre eles no seu coração. Essa atitude de guardar no coração e meditar como quem monta um quebra cabeça, com paciência, até que a figura vá fazendo sentido, deve ser também a nossa atitude. A cada dia Deus nós dá uma peçinha do quebra cabeça e a cada dia temos a tarefa descobrir o seu lugar no conjunto e começar a enxergar, a interpretar, a ler a figura e o sentido dela diante de nós. Se quem monta o quebra cabeça for impaciente, não vai resolver nada. Quanto mais paciência, mais capacidade de concentração tiver, mais vai ter resultados. Assim é o quebra cabeça da vida.
Podemos decifrá-lo, interpretá-lo, montá-lo à luz de Deus como Maria fazia, guardando e meditando no coração. Quem não faz isso fica no meio de peças desconexas e não acha o sentido das coisas. Isso é muito perigoso porque pode gerar angústia, a angústia gera o desespero e assim por diante. É preciso parar e, à luz de Deus, somente à luz de Deus – porque no escuro também não se pode para montar quebra cabeça algum – à luz de Deus empreender a decifração do enigma da vida .
Nessa oitava de Natal, a leitura de São Paulo aos Gálatas fecha em grande estilo o sentido da grande festa natalina dizendo que Deus enviou Seu Filho nascido de uma mulher. Aí novamente aparece a figura de Maria: muito importante que seja nascido de uma mulher. Por quê?
Na época do Apóstolo, e também um pouco depois, alguns afirmavam que a humanidade, a natureza humana de Jesus era uma ilusão, era uma aparência; Ele seria um ser celeste com a aparência humana, mas os apóstolos, e com eles a Igreja, afirmaram e afirmam que Jesus é verdadeiramente homem, mesmo sendo verdadeiramente Deus (a Segunda Pessoa da Trindade). Verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Dizer “nascido de uma mulher” não deixa dúvidas a respeito da verdade, da realidade da natureza humana que Ele assumiu. Ele é carne da nossa carne. Isso é fundamental. Deus enviou seu Filho nascido de uma mulher: então Jesus é Filho Dele, é verdadeiro Deus; nascido de uma mulher: é verdadeiro homem.
Para que recebêssemos a filiação adotiva – eis aí o sentido do nascimento de Cristo – o Filho de Deus se faz filho do Homem para que os filhos dos homens se façam filhos de Deus. Nascido de uma mulher para que os que nasceram de mulher se tornem também eles filhos de Deus.
Uma sublime troca de dons entre o Céu e a terra, eis a medula do Natal. Ele assume sobre si o que é nosso para nos dar do que é seu. De fato só Jesus pode usar o título, o nome, Filho, de maneira plena, total porque Ele é filho por natureza. É o que eu chamo de filiação propriamente dita, filiação por natureza.
Ele não é adotado pelo Pai Celeste, Ele não é criado pelo Pai, Ele é gerado eternamente, ou seja, desde sempre, para sempre. Gerado eternamente, tem a mesma natureza do Pai, não é nem menos, nem mais, tem a mesma divindade do Pai, junto com o Espírito Santo. Então por isso Ele é chamado Filho Unigênito como diremos no Credo, o Filho Único.
E então alguém vai perguntar: mas e nós? se Ele é Filho único, nós não somos filhos?
Somos por participação na filiação dele. O que é a participação na filiação divina? No dia do nosso Batismo Deus nos concede a graça, que é a Sua presença em nós. Deus nos faz participar da sua divindade. A Trindade Santa, o Pai, o Filho e o Espírito, vem morar em nós. Então nós, que nascendo de mulher tínhamos vida humana, agora através do Batismo, nascemos de Deus e passamos a ter vida divina. Somos divinizados. E isso por pura graça de Deus em nós: isso nos faz filhos.
Participamos assim da filiação de Jesus Cristo. Por direito não somos filhos, pois não o somos por natureza, mas por graça, ou seja, por gratuita participação.
E aí São Paulo conclui: se és filho, não és escravo, mas herdeiro.
Existem pessoas que vivem como escravos, escravos das forças deste mundo, escravos também de algumas forças misteriosas que rondam e invadem este mundo. Agora no ano novo, não é novidade para ninguém, tem gente aí recorrendo à superstição, à magia de todo tipo, à `simpatia`. O que, que é isso? Espiritualmente falando, isso é escravidão. Pessoas livres em Cristo não se submetem a essas indignidades, porque não é digno do homem curvar-se senão diante de Deus. Quem faz essas coisas é escravo, escravo das trevas, escravo das forças desse mundo. E há quem seja escravo também dos próprios desejos desregrados, escravo dos próprios vícios e assim por diante, mas Jesus quer-nos livres porque se somos filhos, somos livres. O filho do patrão, o filho do senhor, o filho do rei não é escravo, é livre e assim Deus nos quer.
Por isso, queremos pedir a Deus, para este novo ano, a graça de uma verdadeira liberdade, que não é fazer o que ‘dá na telha’, porque quando eu faço o que ‘dá na telha’ eu sou livre para entrar, mas muitas vezes perco a liberdade para sair do buraco em que me meti.
Isso não é liberdade. Liberdade é a capacidade de caminhar para a própria realização, liberdade é a capacidade de realizar o bem, isso é liberdade do ponto de vista cristão.
Quando alguém está totalmente enredado no mal e até sabe que deveria fazer diferente, sabe que deveria sair daquilo, mas não consegue, onde está a liberdade? Imagine um adúltero, um alcoólatra, umas pessoas viciadas em qualquer coisa, em jogo suponham... Ele sabe que deve sair, precisa sair, seria bom que saísse, ele vê que está se arruinando, mas não consegue... Onde está sua liberdade? Perdeu-a há muito tempo. E por que perdeu? Porque a usou mal entrando no buraco de onde não consegue sair. Jogou fora a liberdade no momento em que entrou onde não devia.
Nós temos que conservar a liberdade. E para conservá-la não podemos entrar nesses buracos dos quais é impossível sair a não ser que Deus estenda a mão. Mas quando será?
Peçamos a Deus a graça de conservar a liberdade verdadeira (ou de retornar a ela, se for o caso), a liberdade para o bem, a liberdade de filhos de Deus.
Queria concluir fazendo uma pequena, breve referência à primeira leitura, que sempre ocorre nesse dia. É o trecho do Livro dos Números onde Deus manda Moises ensinar ao Sumo Sacerdote, Aarão, e aos seus filhos, uma fórmula de benção para proferir sobre o povo. Esta benção diz: O Senhor te abençoe e te guarde, faça brilhar sobre ti sua face e se compadeça de ti, o Senhor volte para ti seu rosto e te dê a paz. Que essa benção esteja hoje sobre nós. Lembremos que ela está anexa ao nome de Jesus, que, segundo o apóstolo Paulo, é o nome que está acima de todo nome; único nome que foi dado aos homens para que sejam salvos, com efeito, não há nenhum outro nome dado aos homens no qual possam encontrar salvação. Nome diante do qual, sempre segundo o mesmo Apóstolo, se dobra todo joelho no céu, na terra e até mesmo no inferno. Nome que abre todas as portas, nome que vence todas as batalhas. Estamos sob o nome de Jesus!
No dia litúrgico em que Jesus recebe seu nome, nós também o recebemos sobre nós.
Que Maria Santíssima nos ajude a conservar esta identidade que de Deus recebemos, por Jesus Cristo Nosso Senhor.
Amém.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 01/01/2011.

Liturgia da Palavra:
Primeira Leitura: (Nm 6,22-27)
Salmo: [Sl (66/67)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Gálatas (Gl 4,4-7)
Evangelho: Lucas ( Lc 2,16-21)

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