sábado, 14 de janeiro de 2012

Transcrição da Homilia do 22º Domingo do Tempo Comum – Dia Nacional do Catequista


Transcrição da Homilia do 22º Domingo do Tempo Comum – Dia Nacional do Catequista
Nós estamos diante de um Evangelho que nos suscita curiosidade e espanto. Toda a vez que, lendo a Bíblia, nós acharmos alguma coisa estranha, é importante. Geralmente, as coisas que nos causam estranheza, escondem grandes tesouros, mais do que aquelas que nos parecem simples e evidentes. Nesse caso, Jesus, logo depois de ter elevado Pedro a chefe da Igreja, chefe dos apóstolos, praticamente na mesma página do Evangelho, chama-o de satanás. É o Evangelho de hoje.
O que será que deu em Jesus? Afinal de contas, Pedro é a “pedra” onde se edifica a Igreja, chefe dos demais apóstolos, garantia visível da unidade da Igreja ou é “um satanás”? As duas coisas, porque, no que diz respeito à sua pobre humanidade, ele poder ser “um satanás” (com artigo indefinido), mas no que diz respeito à escolha divina e à sua função como chefe dos apóstolos, ele é a “pedra”.
Exercendo a sua função dada por Jesus, ele tem a assistência do Espírito Santo para não deixar a Igreja errar nem ensinar o erro. Como homem, individualmente, ele pode errar e erra. Aqui, na mesma página do Evangelho, Jesus o chama das duas coisas. É preciso entender porque Jesus o chama dessa forma. A palavra “Satã” ou “Satanás”, do hebraico, significa “acusador”, não um acusador qualquer, mas um acusador cheio de malícia, intriguento, alguém que acusa sem haver motivo, ou exagerando os motivos da acusação. Satanás é assim. E, todo aquele que acusa desta forma, é um satanás. Às vezes, também nós nos vemos nesse papel, e Pedro teve o seu dia de satanás, que foi aquele.
Quem Pedro está acusando? Pedro está acusando nada menos o próprio Deus e acusando também a Jesus, querem ver? Jesus prenuncia a sua morte, o seu sofrimento em Jerusalém. Pedro chama Jesus e diz: Senhor, que isso não aconteça, que Deus não permita, ou, em outras palavras, “tira isso da cabeça, não vá para Jerusalém, que história é essa?”
Jesus, sem pudor nenhum, diz bem alto: vai para longe satanás, tu és uma pedra de tropeço. Por quê? Porque pensamos nas coisas dos homens, não nas de Deus.
Pedro está, implicitamente, corrigindo o plano de Deus. Pedro está melhorando, dando uma melhorada nos planos de Deus. Pedro está ensinando a Jesus como fazer. Não é verdade que, vez ou outra, nos pegamos na tentação de pensar: “se eu tivesse o poder que Deus tem, o mundo não estaria assim, eu faria melhor”? Será que essa tentação nunca bateu à porta? Não sei se já entrou, mas bater à porta, ela bate. Tentação é, portanto, querer corrigir os planos, os caminhos e a sabedoria misteriosa de Deus.
Nós não temos capacidade de entender tudo, porque a nossa mente é limitada, somos criaturas, mas deveríamos ter a capacidade de confiar, a ponto de dizer: Senhor, mesmo que eu não entenda, sei que está tudo em tuas mãos, e como diz o apóstolo Paulo: tudo concorre para o bem dos que amam a Deus. Tudo, seja o que for.
Com essa reação, Jesus corrige a pretensão de Pedro (saber melhor do que Deus, fazer melhor do que Deus), embora o pobre Pedro o tenha feito com a melhor das intenções como nós também o faríamos. Nós nos vemos nele.
O apóstolo Paulo, na Segunda Leitura, nos convida a mudar a nossa mentalidade. Passar do modo de pensar meramente humano para o modo do pensamento divino. É isto que Jesus também dizia: tu pensas apenas como homem, não tens o pensamento de Deus. Mas já que nós recebemos o Espírito Santo no batismo, já que somos instruídos pela palavra divina, nós podemos, sim, e devemos, deixar aos poucos o nosso modo de ver, e abraçar o modo como Deus vê. Assim diz o apóstolo: não vos conformeis ao mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa maneira de pensar e de julgar.
Nós temos as nossas dificuldades, cada qual sabe onde lhe aperta o calo e temos os nossos pontos mais difíceis de conversão – nossos pecados predominantes, nossos defeitos, etc. Mas a conversão não começa agindo diferente. A conversão começa pensando diferente. É preciso primeiro converter a cabeça, o coração e depois os atos são consequência disso. Há quem, diante de certas exigências do Evangelho, diga: bom, mas isso não dá para mim ou isso eu não consigo. Pronto, é claro, é evidente que não vai conseguir. A partir desse momento está tudo fechado, nem se começa. É preciso partir da fé. Se Deus manda, Deus dá a capacidade. Se Deus manda, então eu posso e vou fazer, mesmo que Ele me mande caminhar sobre as águas, como mandou a Pedro, eu irei. Mesmo que Ele me mande fazer alguma coisa que pareça absurda, impossível, eu farei, confiando Nele. Eu começo e Ele termina. Tem que começar. Não hesite. Então comece mudando a cabeça, nunca dizer no coração, na mente: isso não dá, isso é impossível.
Da mesma forma que nós persistimos nos nossos defeitos predominantes, o mínimo que podemos fazer, é persistir no arrependimento e na vontade de fazer melhor. Isso já seria um caminho de salvação, se for feito de coração sincero e humilde. Fechar-se, dizendo “é impossível” ou “não dá para mim” isso realmente é o caminho contrário, é o caminho da perdição.
Quem quiser salvar a sua vida, deverá perdê-la, (quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la) e quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la.
Temos um exemplo disso no profeta Jeremias, na Primeira Leitura. Jeremias teve a experiência que todo profeta tem: de ser rejeitado porque falava coisas desagradáveis de vez em quando, coisas que as pessoas não queriam ouvir. Profeta serve para isso. E todos nós, pelo batismo, recebemos uma vocação profética, aliás: ser boca de Deus, ser sinal de Deus no meio do mundo. Então, quando o profeta anuncia o que Deus quer, ele diz assim: A palavra do Senhor tornou-se para mim fonte de vergonha e de chacota o dia inteiro. Ele sofria, era ridicularizado. Como consequência, ele diz: Não quero mais lembrar-me disso nem falar mais em nome Dele. Ele desiste de ser profeta, “não quero mais essa vida para mim”, desiste. Recusa-se a falar em nome do Senhor. Mas, Deus, no fundo do seu coração, vai lutar e vai insistir e veja o que o profeta diz: Senti então dentro de mim um fogo ardente a penetrar-me em todo o corpo, desfaleci sem forças para suportar. O fogo de Deus dentro dele era maior do que a sua resistência e ele não conseguiu não continuar profetizando.
Feliz Jeremias! Quem dera que todos nós tivéssemos a graça de um fogo abrasador assim, que nos impelisse e nos fizesse vencer as nossas resistências. Mas nem sempre Deus age dessa forma, nem sempre a sua graça assume essa forma impetuosa. É preciso que sejamos humildes e queiramos fazer o que Deus quer, ainda que seja para nós fonte de dificuldade (incompreensão, zombaria etc.)
Quantos de nós se encolhem, dizendo: “não vou mais profetizar, não vou mais falar em nome Dele, não vou mais dar testemunho Dele pelas minhas ações, porque todo mundo ri de mim, as pessoas me olham estranho, estou sozinho, de que adianta a verdade num mundo de mentiras, a honestidade num mundo de desonestidade, a pureza num mundo de impureza e assim por diante”.
No entanto, Jesus nos diz que é preciso ter a capacidade, a coragem de perder alguma coisa momentaneamente por Ele, ainda que fosse a própria vida, para poder reencontrá-la. Aquele que quiser poupar a própria vida, fugindo de todo incômodo, esse acabará perdendo a sua existência, a sua alma.
Que o Senhor nos ajude a não só entender, mas a incorporar todas essas coisas que hoje Ele nos diz e, que por essa Eucaristia, nos seja dada a coragem necessária para enfrentar a vida e o mundo como Jesus diz no Evangelho de João, aos seus discípulos cheios de medo: Coragem.Eu venci o mundo. E, João, numa de suas cartas, vai dizer: Esta é a força que vence o mundo, a nossa fé.
Primeira Leitura: Livro do Profeta Jeremias (Jr 20,7-9)
Salmo: [Sl 62(63)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 12,1-2)
Evangelho: (Mt 16,21-27)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Transcrição da Homilia do 21º Domingo do Tempo Comum- Assunção de Nossa Senhora


Transcrição da Homilia do 21º Domingo do Tempo Comum- Assunção de Nossa Senhora
Bem, acontecem coisas quando se toma a palavra de Deus e o fogo é uma delas! Nós estamos aqui, numa Igreja muito bonita, mas que merece toda atenção e todo cuidado. Imaginem o turíbulo que eu achei, já arrebentou a corrente e a brasa caiu no chão, queimando o tapete. Quem dera também o fogo de Deus deixasse em nós a sua marca indelével, quem dera o fogo vindo do Céu deixasse em nós a marca de Cristo como fez em Maria Santíssima.
Hoje a Igreja celebra o grande milagre da Assunção de Nossa Senhora. Na verdade, é uma festa que tem a ver com a Ressurreição de Cristo e a nossa. Eu gostaria de percorrer com vocês um pouco o trajeto da história da humanidade em dois momentos. Inspiramo-nos para isso na Primeira Leitura de hoje.
O Apocalipse nos coloca diante de uma imagem: uma mulher gloriosa no céu, vestida com o sol, com os raios do sol. Na cabeça, uma coroa de estrelas e no seu pedestal, a lua. Eis, então a pergunta: quem pode ser essa mulher, afinal? A resposta é fácil, porque logo depois se diz que ela vai ter um filho, está grávida, prestes a dar à luz. E o filho que ela vai ter é aquele que rege as nações com cetro de ferro. O Salmo 2 diz que o Messias, o Salvador, quando chegasse ia reger as nações com cetro de ferro, símbolo de força inquestionável, incontestável. Portanto, ela é a mãe do Salvador, só pode ser Maria Santíssima. Está resolvido o problema da identidade da mulher do Apocalipse. Aparece, então, um dragão em peleja com a mulher cujo filho ele quer devorar, mas não consegue. Em seguida, tenta derrotar Jesus Cristo e consegue, inclusive, que seja crucificado. Só que Jesus vence a própria morte, Ele ressuscita! Jesus usa a morte que o demônio lhe infligira através dos homens, para vencer a própria morte. Ou seja, usa a morte para dar uma rasteira em satanás.
Então o demônio perdeu, não conseguiu devorar o filho da mulher. Agora, ele vai perseguir os outros descendentes da mulher e entrar em guerra contra eles.
Ora, eu dizia que isso é um resumo da história da humanidade porque, no Primeiro Livro da Bíblia, que é o Gênesis, já encontramos uma imagem muito semelhante, quando Deus diz à serpente (que é o demônio): colocarei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela. Ela te esmagará a cabeça e tu tentarás ferir-lhe o calcanhar. Já nos primórdios da humanidade, é anunciada uma luta entre os descendentes da serpente e os descendentes da mulher. E nós sabemos que o descendente por excelência da mulher é Jesus Cristo. E a mulher por excelência é Maria. Daí a imagem de Nossa Senhora esmagando a cabeça de uma cobra, que é tão comum vermos em vários lugares. Mas a força de esmagar a serpente não é dela, é de Cristo nela. No último Livro da Bíblia, aparece novamente esta imagem, só que ampliada, não mais no paraíso terreno, mas no teatro celeste, na cena do céu. Essa cena é ampliada e projetada no céu. Agora, a mulher é gloriosa, e a serpente não é uma cobrinha, é um dragão imenso que arrasta a terça parte das estrelas, ou seja, são os outros anjos que arrasta com toda sua rebelião junto consigo, os anjos rebeldes, decaídos. E como não conseguiram derrotar Jesus, fazem guerra aos irmãos que Jesus conquistou para si e os filhos que Ele conquistou para o Pai Celeste.
Porém, a vitória já está dada, ou seja, é um jogo de cartas marcadas. Como Jesus venceu, todo aquele que adere a Ele vencerá também. Tem que passar pela luta, mas já sabe que conta com a vitória se permanecer unido a Ele. Portanto, é vantagem estar ao lado de Cristo.
Qual é o ponto de chegada? É a glória celeste. Mas a glória celeste não é só para a alma, é para o corpo também. Esta é a originalidade da fé Bíblica judaica e cristã. Originalidade que fala da ressurreição, porque, quando nós morremos, logo a alma comparece ao juízo de Deus. A alma é retribuída pelo que viveu neste mundo, é o juízo particular. Mas a Escritura nos fala de um juízo universal, onde a justiça e vitória de Deus vão ser manifestadas publicamente, universalmente. Nessa ocasião - continua a Escritura Sagrada - haverá a ressurreição dos mortos.
Não sabemos como será isso exatamente. Nós sabemos apenas uma coisa: a matéria será restaurada e será devolvida às almas às quais pertence. Cada um terá o que lhe é próprio, o corpo que lhe é próprio, mas transformado, modificado pelo poder de Deus. Depois de ressuscitado, Jesus aparecia e desaparecia. Ele podia ser reconhecido e às vezes não era reconhecido imediatamente. Comeu, para provar que era Ele aos discípulos, mas não precisava comer. Podia ser tocado e às vezes não. Atravessava paredes com as portas fechadas como no Cenáculo, estando as portas fechadas Jesus apareceu no meio deles e disse: A paz esteja convosco. É a matéria numa situação totalmente diversa daquela que nós conhecemos. Eu costumo dizer que é matéria livre, livre do tempo e do espaço, livre das leis da física, a matéria soberana. Nós não conhecemos isso pela nossa experiência, só pelo relato do Evangelho, mas essa é a glorificação da carne. São Paulo dizia na Segunda Leitura: primeiro Cristo e depois os que pertencem a Cristo. Então veio a morte por um homem, para todo gênero humano e vem a vida por um homem, Cristo, para todo o gênero humano. Jesus ressuscitou primeiro. Depois, os que pertencem a Ele por ocasião da sua vinda.
E a festa se inscreve nisto, neste quadro. Afinal, o que estamos celebrando com a Assunção da Virgem Maria? Estamos celebrando o fato de que a glorificação corpórea da Virgem Mãe de Jesus Cristo já ocorreu antecipadamente, antes da nossa. Pensando bem, não é um privilégio único dela porque nós também esperamos isto. O privilégio está na antecipação. Uma curiosidade, aliás, é que pouca gente sabe que esta é a festa mariana mais antiga que a Igreja celebra, desde os primeiríssimos séculos do cristianismo. No século quarto, há notícia escrita dessa festa. Considerando o ritmo da antiguidade, a notícia escrita no século quarto, com certeza, tradição oral, já é de época apostólica, bem anterior. Só em 1950, no entanto, o papa Pio XII declarou dogmaticamente esta verdade e assume como oficial da Igreja. É interessante notar que a festa já existia, já era celebrada liturgicamente desde os primeiros séculos e só recentemente, no século passado, foi declarada oficialmente como verdade de Fé, por uma necessidade. Que necessidade o papa viu para tornar essa verdade universalmente aceita pelos católicos e declará-la solenemente? A necessidade foi o estado em que o mundo estava depois da segunda guerra mundial. Foi um estrago causado no mundo. A humanidade ficou descrente de tudo, o ser humano foi desrespeitado e a partir disso, a Igreja quis dar uma resposta: pegou uma coisa que não existia e a colocou em primeira fila, dizendo: o homem deve ser respeitado não só na sua razão, não só no seu espírito, mas no seu corpo.
Na verdade é o que a lei de Deus já nos ensina: não matar, não pecar contra a castidade e assim por diante. É o respeito ao corpo, porque o corpo também está destinado à glória celeste, o respeito ao corpo como coisa santa, como casa de Deus.
Pois bem, meus irmãos, nós vamos agora celebrar a Eucaristia, receber Jesus na comunhão. Não se esqueçam que, ao recebê-lo, estamos recebendo o Cristo ressuscitado. Ou seja, recebendo o Cristo ressuscitado, estamos comendo ressurreição; estamos nos alimentando de ressurreição. Que Ele, portanto, nos ressuscite, e que nós colaboremos; que Ele nos ressuscite convertendo a nossa mente, o nosso coração. Que nos ressuscite dando vida nova à nossa vida, que nos ressuscite fazendo as coisas serem diferentes para melhor. Todos caminhando na mesma luta contra o dragão, contra a serpente, mas amparados por Jesus através de sua Mãe Santíssima, através da mulher que com seu “sim” esmaga a cabeça da serpente que gostaria que disséssemos “não” a Deus. O “sim” de Maria esmaga o “não” de satanás e nos ajuda a dizer “sim” também.
Que essa Eucaristia seja a força para a luta, para o caminho e contemos com a proteção da Virgem Mãe.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 21 de agosto de 2011.
Primeira Leitura: Livro do Apocalipse de São João (Ap 11,19ª;12,1.3-6ª.10ab)
Salmo: [Sl 44(45)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 15,12-27a )
Evangelho: Lucas (Lc 1,39-56)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

Transcrição da Homilia do 13º Domingo do Tempo Comum


Transcrição da Homilia do 13º Domingo do Tempo Comum
Amados irmãos,
Olhando essas leituras, desponta um fio condutor muito interessante, que é a idéia da “hospitalidade”. Nós vimos na Primeira Leitura àquela senhora sunamita, que por não ser israelita, não era do povo de Deus, era pagã. Ela estava numa região fronteiriça com a terra de Israel e recebia o profeta Eliseu toda a vez que ele passava por lá. Recebia-o na qualidade de “homem de Deus” e assim o considerava, embora não fosse israelita, ela mesma. O profeta, comovido com a hospitalidade – ela manda até construir um quarto no andar de cima, um quarto de alvenaria, que era coisa de luxo, para o profeta – tocado pelo acolhimento, pela gentileza, pela veneração com que ela o tratava e sabendo que ela estava venerando não tanto a ele, Eliseu, mas a Deus na pessoa dele, pergunta ao seu servo: o que podemos fazer para recompensá-la? E é informado de que ela nunca teve filhos, deixa entender que ela tinha esse desejo e nunca fora realizado. Então o profeta lhe promete um filho para o próximo ano – daqui a um ano, neste tempo, estarás com um filho nos braços. E, em tudo isso, desponta o tema da hospitalidade exercida por causa de Deus, em nome Dele. O hóspede que chega, o profeta, é recebido em nome de Deus. Em nome de Deus, ele concede a recompensa. Essa recompensa vai ser um hóspede também no ventre daquela mulher. Esse hóspede ficará por nove meses dentro dela e depois alegrará a sua casa e a sua família. Portanto a hospitalidade é fecunda.
Jesus também fala da hospitalidade no Evangelho: Quem vos recebe, a mim recebe. Quem me recebe, recebe Aquele que me enviou. Quem recebe um profeta, por ser profeta, ganhará a recompensa de profeta. Que recebe um justo (ou seja, um santo), por ser justo receberá a recompensa de justo. Então, mesmo sem ser profeta, receberá recompensa de profeta. Mesmo sem ser justo, receberá a recompensa de justo. E se não houver profeta ou justo para ser recebido, que seja recebido pelo menos um desses pequeninos por ser meu discípulo: quem receber um desses pequeninos por ser meu discípulo, em verdade vos digo, não perderá a sua recompensa. Lembrando também as palavras de Jesus no evangelho de Mateus, mais para o capítulo 25: Tudo aquilo que fizerdes ao menor de meus irmãos, foi a mim que fizeste. Então, receber um discípulo do Senhor, é recebê-lo.
Vocês sabem que há milênios existe essa prática, a que vou me referir agora, desde as mais antigas civilizações até hoje – a prática de quando um chefe importante, um rei, um chefe de estado é convidado a alguma solenidade fora de seu país e que, por algum motivo, não pode ir, ele manda um representante. Esse representante, legado embaixador, é recebido com honras, com as honras devidas a quem o enviou. Se quem o enviou foi o rei, o embaixador é recebido com honras reais. Se é o presidente da república, as honras devidas ao presidente da república são prestadas ao seu embaixador. Se é o papa que envia um cardeal legado pontifício, esse cardeal é recebido como se fosse o próprio papa, e assim por diante. Mas o enviado (enviado, aliás, em grego se diz “apóstolo”, um parêntese importante), o enviado, ele sabe que não é para ele, não são para ele aqueles tiros de canhão e aquelas outras solenidades. Ele sabe que aquela homenagem é para quem o enviou.
E assim também quem recebe o apóstolo, o enviado de Jesus Cristo, então não perde a sua recompensa: quem vos recebe, a mim recebe, quem me recebe, recebe aquele que me enviou. E todos nós, de certa forma, somos apóstolos de Jesus Cristo, enviados Dele.
Jesus não se separa dos seus. Ele quer ser e é uma só coisa conosco. Quem mexe com você, mexe com Ele. Quem lhe faz o bem, faz o bem a Ele. Que lhe faz o mal, faz o mal a Ele. A raiz disto, a razão disto está na Segunda Leitura, o apóstolo Paulo diz: será que ignorais que nós fomos batizados, quer dizer, mergulhados em Jesus Cristo? Fomos sepultados com Ele pelo batismo na sua morte para que como Ele ressuscitou assim também nós levemos uma vida nova. Aqui, Paulo se refere ao mistério do batismo como sendo o mergulho. Nós fomos mergulhados em Cristo, nos tornamos uma só coisa com Ele. Participamos misteriosamente da força, da graça da sua morte e da sua ressurreição. Essa morte já começa a operar dentro de nós matando o que não presta. E essa ressurreição já começa a operar dentro de nós dando vida nova – desde que não atrapalhemos demais e se possível colaboremos um pouquinho.
Aqui também volta o tema da hospitalidade. Nós o recebemos em nós. E quando recebemos um hóspede, procuramos tratá-lo bem, a menos que não queiramos que ele fique ou que ele volte. E aí, então, cabe a cada um resolver se quer que Jesus fique ou que Jesus volte. Se por acaso eu o tratei mal, vamos resolver isso, convidando-o de novo para entrar e fazendo uma bela festa. Jesus diz que, quando um pecador se converte, existe festa no céu. Então, se eu o afastei de alguma maneira, que Ele retorne e eu vou fazer festa para ele. É o tema da hospitalidade, sempre: recebê-lo em nós para que um dia Ele nos receba também na sua casa, na eternidade.
E aqui, algumas outras palavras sobre o Evangelho, que não devem passar tão rapidamente assim:
Quem ama seu pai e a sua mãe mais que a mim, não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais que a mim, não é digno de mim. Isto é extraordinário, para não dizer escandaloso. Nós sabemos por que frequentamos o catecismo e sabemos o “Creio em Deus Pai todo poderoso etc.” Sabemos que Jesus é o filho único de Deus, o eterno filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade que se fez homem. Partindo daí é fácil ouvir essas palavras: quem ama seu pai e a sua mãe mais que a mim, não é digno de mim, mas pensemos no homem do Antigo Testamento, pensemos nos apóstolos que não foram ao catecismo e que ainda não conheciam o mistério da Santíssima Trindade; ouvir essas palavras era um escândalo porque na lei de DEUS, os mandamentos, só uma coisa vem antes do amor aos pais: É o amor a Deus. Como é que chega um homem qualquer – se é que é um homem qualquer, essa é a questão – e começa a dizer: você deve me amar mais do que a seus pais e a seus filhos porque senão você não é digno de mim”. É pretensão demais, a menos que ele seja o próprio Deus. Então, Jesus está fazendo uma revelação indireta da sua divindade ao dizer isto. Ele tem a mesma divindade do Pai que o enviou e, quem o acolhe, acolhe o Pai que o enviou. Assim como quem acolhe os que Ele envia está acolhendo a Ele.
Quem não toma a sua cruz e não me segue não é digno de mim, quem procura conservar a sua vida vai perdê-la e quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. O que é isto? Nós, às vezes, procuramos nos poupar e tomamos como critério o que nos agrada ou que nos desagrada. Se me agrado eu faço, vou atrás; se me desagrada eu rejeito. Bom, se puder juntar o útil ao agradável, como dizemos, é sempre bom, mas nem sempre é possível. Às vezes, o agradável não é apenas inútil, mas pode ser também nocivo. Às vezes, o desagradável pode ser necessário.
Outro dia desses (mais precisamente ontem), conversava eu com um jovem que perguntava-me o seguinte: mas padre, se a gente encontrar a felicidade em alguma coisa contrária à vontade de Deus, porque é que não pode fazer? Será que Deus não quer a nossa felicidade? A minha resposta foi a seguinte, e é a seguinte: cuidado com a noção de felicidade, você está com uma noção mitológica de felicidade na cabeça, uma noção utópica de felicidade. Nesse mundo é possível alguma felicidade. Não é possível nesse mundo uma felicidade sem sombras e sem lacunas. Não é possível. A dor faz parte desta vida desde o pecado original (e por causa dele, que estragou a humanidade). A dor faz parte desta vida. Podemos reduzi-la, diminuí-la, podemos eliminar os sofrimentos inúteis que nós mesmos provocamos quando nos afastamos de Deus, mas outros sofrimentos são inerentes à vida e servirão para o nosso crescimento e amadurecimento. Quem promete uma felicidade sem sombra nesta vida, está mentindo. E o autor dessa mentira, o primeiro, é satanás. E aí, as pessoas vão buscar essa felicidade sem sombra e sem defeito fazendo só o que lhes agrada. Imagina você fazendo só o que lhe agrada, na hora que tivesse vontade?! Ninguém estudaria, ninguém tomaria injeção, portanto muita gente morreria por causa disso e deixaria de comer porque não teria trabalho nem preparação. Enfim, ia ser um caos se nós tomássemos por critério fazer só o que nos agrada e rejeitar o que nos desagrada.
Quantas coisas importantes na vida alguém consegue construir baseado nesse pensamento? Nenhuma. Esse critério só gera confusão, caos. Então, o critério não deve ser o que me agrada, mas o que é bom, agrade ou não. Se puder agradar, ótimo. Se não, nós toleramos e levamos adiante, porque a felicidade possível neste mundo passa por renúncias, passa por lutas. Elas são ingredientes necessários dessa felicidade possível deste mundo. E vivendo assim, ou seja, aceitando perder a vida por causa de Jesus – porque quando eu renuncio ao meu orgulho, quando eu renuncio à minha ambição, quando renuncio a qualquer outra tentação que me opõe a Deus naquele momento, eu estou renunciando a mim mesmo, estou aceitando perder a minha vida, naquele momento, por causa de Jesus. Vivendo assim, eu ganharei a minha vida. Creia, eu reduzirei muito o sofrimento dessa vida e vou ter a felicidade perfeita, aí sim, junto de Deus. Esse é o caminho.
Quero terminar com uma frase de Paulo. Ele diz assim: Se foi só para essa vida que colocamos a nossa esperança em Cristo, somos os mais miseráveis de todos os homens.
Mas quero também (se me permitem o descaramento), completar o apóstolo, dizendo: mesmo que a recompensa plena esteja além, já aqui, teremos muitas alegrias, porque disse Jesus: Quem me segue vai ter já nessa vida cem vezes mais de tudo aquilo que deixou e na vida futura a recompensa eterna.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 26 de junho de 2011
Primeira Leitura: Segundo Livro dos Reis (2Rs 4,8-11.14-16a)
Salmo [88(89)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos: (Rm 6,3-4.8-11)
Evangelho: Mateus (Mt 10,37-42)