Transcrição da Homilia do 22º Domingo do Tempo Comum – Dia Nacional do Catequista
Nós estamos diante de um Evangelho que nos suscita curiosidade e espanto. Toda a vez que, lendo a Bíblia, nós acharmos alguma coisa estranha, é importante. Geralmente, as coisas que nos causam estranheza, escondem grandes tesouros, mais do que aquelas que nos parecem simples e evidentes. Nesse caso, Jesus, logo depois de ter elevado Pedro a chefe da Igreja, chefe dos apóstolos, praticamente na mesma página do Evangelho, chama-o de satanás. É o Evangelho de hoje.
O que será que deu em Jesus? Afinal de contas, Pedro é a “pedra” onde se edifica a Igreja, chefe dos demais apóstolos, garantia visível da unidade da Igreja ou é “um satanás”? As duas coisas, porque, no que diz respeito à sua pobre humanidade, ele poder ser “um satanás” (com artigo indefinido), mas no que diz respeito à escolha divina e à sua função como chefe dos apóstolos, ele é a “pedra”.
Exercendo a sua função dada por Jesus, ele tem a assistência do Espírito Santo para não deixar a Igreja errar nem ensinar o erro. Como homem, individualmente, ele pode errar e erra. Aqui, na mesma página do Evangelho, Jesus o chama das duas coisas. É preciso entender porque Jesus o chama dessa forma. A palavra “Satã” ou “Satanás”, do hebraico, significa “acusador”, não um acusador qualquer, mas um acusador cheio de malícia, intriguento, alguém que acusa sem haver motivo, ou exagerando os motivos da acusação. Satanás é assim. E, todo aquele que acusa desta forma, é um satanás. Às vezes, também nós nos vemos nesse papel, e Pedro teve o seu dia de satanás, que foi aquele.
Quem Pedro está acusando? Pedro está acusando nada menos o próprio Deus e acusando também a Jesus, querem ver? Jesus prenuncia a sua morte, o seu sofrimento em Jerusalém. Pedro chama Jesus e diz: Senhor, que isso não aconteça, que Deus não permita, ou, em outras palavras, “tira isso da cabeça, não vá para Jerusalém, que história é essa?”
Jesus, sem pudor nenhum, diz bem alto: vai para longe satanás, tu és uma pedra de tropeço. Por quê? Porque pensamos nas coisas dos homens, não nas de Deus.
Pedro está, implicitamente, corrigindo o plano de Deus. Pedro está melhorando, dando uma melhorada nos planos de Deus. Pedro está ensinando a Jesus como fazer. Não é verdade que, vez ou outra, nos pegamos na tentação de pensar: “se eu tivesse o poder que Deus tem, o mundo não estaria assim, eu faria melhor”? Será que essa tentação nunca bateu à porta? Não sei se já entrou, mas bater à porta, ela bate. Tentação é, portanto, querer corrigir os planos, os caminhos e a sabedoria misteriosa de Deus.
Nós não temos capacidade de entender tudo, porque a nossa mente é limitada, somos criaturas, mas deveríamos ter a capacidade de confiar, a ponto de dizer: Senhor, mesmo que eu não entenda, sei que está tudo em tuas mãos, e como diz o apóstolo Paulo: tudo concorre para o bem dos que amam a Deus. Tudo, seja o que for.
Com essa reação, Jesus corrige a pretensão de Pedro (saber melhor do que Deus, fazer melhor do que Deus), embora o pobre Pedro o tenha feito com a melhor das intenções como nós também o faríamos. Nós nos vemos nele.
O apóstolo Paulo, na Segunda Leitura, nos convida a mudar a nossa mentalidade. Passar do modo de pensar meramente humano para o modo do pensamento divino. É isto que Jesus também dizia: tu pensas apenas como homem, não tens o pensamento de Deus. Mas já que nós recebemos o Espírito Santo no batismo, já que somos instruídos pela palavra divina, nós podemos, sim, e devemos, deixar aos poucos o nosso modo de ver, e abraçar o modo como Deus vê. Assim diz o apóstolo: não vos conformeis ao mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa maneira de pensar e de julgar.
Nós temos as nossas dificuldades, cada qual sabe onde lhe aperta o calo e temos os nossos pontos mais difíceis de conversão – nossos pecados predominantes, nossos defeitos, etc. Mas a conversão não começa agindo diferente. A conversão começa pensando diferente. É preciso primeiro converter a cabeça, o coração e depois os atos são consequência disso. Há quem, diante de certas exigências do Evangelho, diga: bom, mas isso não dá para mim ou isso eu não consigo. Pronto, é claro, é evidente que não vai conseguir. A partir desse momento está tudo fechado, nem se começa. É preciso partir da fé. Se Deus manda, Deus dá a capacidade. Se Deus manda, então eu posso e vou fazer, mesmo que Ele me mande caminhar sobre as águas, como mandou a Pedro, eu irei. Mesmo que Ele me mande fazer alguma coisa que pareça absurda, impossível, eu farei, confiando Nele. Eu começo e Ele termina. Tem que começar. Não hesite. Então comece mudando a cabeça, nunca dizer no coração, na mente: isso não dá, isso é impossível.
Da mesma forma que nós persistimos nos nossos defeitos predominantes, o mínimo que podemos fazer, é persistir no arrependimento e na vontade de fazer melhor. Isso já seria um caminho de salvação, se for feito de coração sincero e humilde. Fechar-se, dizendo “é impossível” ou “não dá para mim” isso realmente é o caminho contrário, é o caminho da perdição.
Quem quiser salvar a sua vida, deverá perdê-la, (quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la) e quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la.
Temos um exemplo disso no profeta Jeremias, na Primeira Leitura. Jeremias teve a experiência que todo profeta tem: de ser rejeitado porque falava coisas desagradáveis de vez em quando, coisas que as pessoas não queriam ouvir. Profeta serve para isso. E todos nós, pelo batismo, recebemos uma vocação profética, aliás: ser boca de Deus, ser sinal de Deus no meio do mundo. Então, quando o profeta anuncia o que Deus quer, ele diz assim: A palavra do Senhor tornou-se para mim fonte de vergonha e de chacota o dia inteiro. Ele sofria, era ridicularizado. Como consequência, ele diz: Não quero mais lembrar-me disso nem falar mais em nome Dele. Ele desiste de ser profeta, “não quero mais essa vida para mim”, desiste. Recusa-se a falar em nome do Senhor. Mas, Deus, no fundo do seu coração, vai lutar e vai insistir e veja o que o profeta diz: Senti então dentro de mim um fogo ardente a penetrar-me em todo o corpo, desfaleci sem forças para suportar. O fogo de Deus dentro dele era maior do que a sua resistência e ele não conseguiu não continuar profetizando.
Feliz Jeremias! Quem dera que todos nós tivéssemos a graça de um fogo abrasador assim, que nos impelisse e nos fizesse vencer as nossas resistências. Mas nem sempre Deus age dessa forma, nem sempre a sua graça assume essa forma impetuosa. É preciso que sejamos humildes e queiramos fazer o que Deus quer, ainda que seja para nós fonte de dificuldade (incompreensão, zombaria etc.)
Quantos de nós se encolhem, dizendo: “não vou mais profetizar, não vou mais falar em nome Dele, não vou mais dar testemunho Dele pelas minhas ações, porque todo mundo ri de mim, as pessoas me olham estranho, estou sozinho, de que adianta a verdade num mundo de mentiras, a honestidade num mundo de desonestidade, a pureza num mundo de impureza e assim por diante”.
No entanto, Jesus nos diz que é preciso ter a capacidade, a coragem de perder alguma coisa momentaneamente por Ele, ainda que fosse a própria vida, para poder reencontrá-la. Aquele que quiser poupar a própria vida, fugindo de todo incômodo, esse acabará perdendo a sua existência, a sua alma.
Que o Senhor nos ajude a não só entender, mas a incorporar todas essas coisas que hoje Ele nos diz e, que por essa Eucaristia, nos seja dada a coragem necessária para enfrentar a vida e o mundo como Jesus diz no Evangelho de João, aos seus discípulos cheios de medo: Coragem.Eu venci o mundo. E, João, numa de suas cartas, vai dizer: Esta é a força que vence o mundo, a nossa fé.
Primeira Leitura: Livro do Profeta Jeremias (Jr 20,7-9)
Salmo: [Sl 62(63)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 12,1-2)
Evangelho: (Mt 16,21-27)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com