Transcrição da Homilia do 13º Domingo do Tempo Comum
Amados irmãos,
Olhando essas leituras, desponta um fio condutor muito interessante, que é a idéia da “hospitalidade”. Nós vimos na Primeira Leitura àquela senhora sunamita, que por não ser israelita, não era do povo de Deus, era pagã. Ela estava numa região fronteiriça com a terra de Israel e recebia o profeta Eliseu toda a vez que ele passava por lá. Recebia-o na qualidade de “homem de Deus” e assim o considerava, embora não fosse israelita, ela mesma. O profeta, comovido com a hospitalidade – ela manda até construir um quarto no andar de cima, um quarto de alvenaria, que era coisa de luxo, para o profeta – tocado pelo acolhimento, pela gentileza, pela veneração com que ela o tratava e sabendo que ela estava venerando não tanto a ele, Eliseu, mas a Deus na pessoa dele, pergunta ao seu servo: o que podemos fazer para recompensá-la? E é informado de que ela nunca teve filhos, deixa entender que ela tinha esse desejo e nunca fora realizado. Então o profeta lhe promete um filho para o próximo ano – daqui a um ano, neste tempo, estarás com um filho nos braços. E, em tudo isso, desponta o tema da hospitalidade exercida por causa de Deus, em nome Dele. O hóspede que chega, o profeta, é recebido em nome de Deus. Em nome de Deus, ele concede a recompensa. Essa recompensa vai ser um hóspede também no ventre daquela mulher. Esse hóspede ficará por nove meses dentro dela e depois alegrará a sua casa e a sua família. Portanto a hospitalidade é fecunda.
Jesus também fala da hospitalidade no Evangelho: Quem vos recebe, a mim recebe. Quem me recebe, recebe Aquele que me enviou. Quem recebe um profeta, por ser profeta, ganhará a recompensa de profeta. Que recebe um justo (ou seja, um santo), por ser justo receberá a recompensa de justo. Então, mesmo sem ser profeta, receberá recompensa de profeta. Mesmo sem ser justo, receberá a recompensa de justo. E se não houver profeta ou justo para ser recebido, que seja recebido pelo menos um desses pequeninos por ser meu discípulo: quem receber um desses pequeninos por ser meu discípulo, em verdade vos digo, não perderá a sua recompensa. Lembrando também as palavras de Jesus no evangelho de Mateus, mais para o capítulo 25: Tudo aquilo que fizerdes ao menor de meus irmãos, foi a mim que fizeste. Então, receber um discípulo do Senhor, é recebê-lo.
Vocês sabem que há milênios existe essa prática, a que vou me referir agora, desde as mais antigas civilizações até hoje – a prática de quando um chefe importante, um rei, um chefe de estado é convidado a alguma solenidade fora de seu país e que, por algum motivo, não pode ir, ele manda um representante. Esse representante, legado embaixador, é recebido com honras, com as honras devidas a quem o enviou. Se quem o enviou foi o rei, o embaixador é recebido com honras reais. Se é o presidente da república, as honras devidas ao presidente da república são prestadas ao seu embaixador. Se é o papa que envia um cardeal legado pontifício, esse cardeal é recebido como se fosse o próprio papa, e assim por diante. Mas o enviado (enviado, aliás, em grego se diz “apóstolo”, um parêntese importante), o enviado, ele sabe que não é para ele, não são para ele aqueles tiros de canhão e aquelas outras solenidades. Ele sabe que aquela homenagem é para quem o enviou.
E assim também quem recebe o apóstolo, o enviado de Jesus Cristo, então não perde a sua recompensa: quem vos recebe, a mim recebe, quem me recebe, recebe aquele que me enviou. E todos nós, de certa forma, somos apóstolos de Jesus Cristo, enviados Dele.
Jesus não se separa dos seus. Ele quer ser e é uma só coisa conosco. Quem mexe com você, mexe com Ele. Quem lhe faz o bem, faz o bem a Ele. Que lhe faz o mal, faz o mal a Ele. A raiz disto, a razão disto está na Segunda Leitura, o apóstolo Paulo diz: será que ignorais que nós fomos batizados, quer dizer, mergulhados em Jesus Cristo? Fomos sepultados com Ele pelo batismo na sua morte para que como Ele ressuscitou assim também nós levemos uma vida nova. Aqui, Paulo se refere ao mistério do batismo como sendo o mergulho. Nós fomos mergulhados em Cristo, nos tornamos uma só coisa com Ele. Participamos misteriosamente da força, da graça da sua morte e da sua ressurreição. Essa morte já começa a operar dentro de nós matando o que não presta. E essa ressurreição já começa a operar dentro de nós dando vida nova – desde que não atrapalhemos demais e se possível colaboremos um pouquinho.
Aqui também volta o tema da hospitalidade. Nós o recebemos em nós. E quando recebemos um hóspede, procuramos tratá-lo bem, a menos que não queiramos que ele fique ou que ele volte. E aí, então, cabe a cada um resolver se quer que Jesus fique ou que Jesus volte. Se por acaso eu o tratei mal, vamos resolver isso, convidando-o de novo para entrar e fazendo uma bela festa. Jesus diz que, quando um pecador se converte, existe festa no céu. Então, se eu o afastei de alguma maneira, que Ele retorne e eu vou fazer festa para ele. É o tema da hospitalidade, sempre: recebê-lo em nós para que um dia Ele nos receba também na sua casa, na eternidade.
E aqui, algumas outras palavras sobre o Evangelho, que não devem passar tão rapidamente assim:
Quem ama seu pai e a sua mãe mais que a mim, não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais que a mim, não é digno de mim. Isto é extraordinário, para não dizer escandaloso. Nós sabemos por que frequentamos o catecismo e sabemos o “Creio em Deus Pai todo poderoso etc.” Sabemos que Jesus é o filho único de Deus, o eterno filho de Deus, a Segunda Pessoa da Trindade que se fez homem. Partindo daí é fácil ouvir essas palavras: quem ama seu pai e a sua mãe mais que a mim, não é digno de mim, mas pensemos no homem do Antigo Testamento, pensemos nos apóstolos que não foram ao catecismo e que ainda não conheciam o mistério da Santíssima Trindade; ouvir essas palavras era um escândalo porque na lei de DEUS, os mandamentos, só uma coisa vem antes do amor aos pais: É o amor a Deus. Como é que chega um homem qualquer – se é que é um homem qualquer, essa é a questão – e começa a dizer: “você deve me amar mais do que a seus pais e a seus filhos porque senão você não é digno de mim”. É pretensão demais, a menos que ele seja o próprio Deus. Então, Jesus está fazendo uma revelação indireta da sua divindade ao dizer isto. Ele tem a mesma divindade do Pai que o enviou e, quem o acolhe, acolhe o Pai que o enviou. Assim como quem acolhe os que Ele envia está acolhendo a Ele.
Quem não toma a sua cruz e não me segue não é digno de mim, quem procura conservar a sua vida vai perdê-la e quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. O que é isto? Nós, às vezes, procuramos nos poupar e tomamos como critério o que nos agrada ou que nos desagrada. Se me agrado eu faço, vou atrás; se me desagrada eu rejeito. Bom, se puder juntar o útil ao agradável, como dizemos, é sempre bom, mas nem sempre é possível. Às vezes, o agradável não é apenas inútil, mas pode ser também nocivo. Às vezes, o desagradável pode ser necessário.
Outro dia desses (mais precisamente ontem), conversava eu com um jovem que perguntava-me o seguinte: mas padre, se a gente encontrar a felicidade em alguma coisa contrária à vontade de Deus, porque é que não pode fazer? Será que Deus não quer a nossa felicidade? A minha resposta foi a seguinte, e é a seguinte: cuidado com a noção de felicidade, você está com uma noção mitológica de felicidade na cabeça, uma noção utópica de felicidade. Nesse mundo é possível alguma felicidade. Não é possível nesse mundo uma felicidade sem sombras e sem lacunas. Não é possível. A dor faz parte desta vida desde o pecado original (e por causa dele, que estragou a humanidade). A dor faz parte desta vida. Podemos reduzi-la, diminuí-la, podemos eliminar os sofrimentos inúteis que nós mesmos provocamos quando nos afastamos de Deus, mas outros sofrimentos são inerentes à vida e servirão para o nosso crescimento e amadurecimento. Quem promete uma felicidade sem sombra nesta vida, está mentindo. E o autor dessa mentira, o primeiro, é satanás. E aí, as pessoas vão buscar essa felicidade sem sombra e sem defeito fazendo só o que lhes agrada. Imagina você fazendo só o que lhe agrada, na hora que tivesse vontade?! Ninguém estudaria, ninguém tomaria injeção, portanto muita gente morreria por causa disso e deixaria de comer porque não teria trabalho nem preparação. Enfim, ia ser um caos se nós tomássemos por critério fazer só o que nos agrada e rejeitar o que nos desagrada.
Quantas coisas importantes na vida alguém consegue construir baseado nesse pensamento? Nenhuma. Esse critério só gera confusão, caos. Então, o critério não deve ser o que me agrada, mas o que é bom, agrade ou não. Se puder agradar, ótimo. Se não, nós toleramos e levamos adiante, porque a felicidade possível neste mundo passa por renúncias, passa por lutas. Elas são ingredientes necessários dessa felicidade possível deste mundo. E vivendo assim, ou seja, aceitando perder a vida por causa de Jesus – porque quando eu renuncio ao meu orgulho, quando eu renuncio à minha ambição, quando renuncio a qualquer outra tentação que me opõe a Deus naquele momento, eu estou renunciando a mim mesmo, estou aceitando perder a minha vida, naquele momento, por causa de Jesus. Vivendo assim, eu ganharei a minha vida. Creia, eu reduzirei muito o sofrimento dessa vida e vou ter a felicidade perfeita, aí sim, junto de Deus. Esse é o caminho.
Quero terminar com uma frase de Paulo. Ele diz assim: Se foi só para essa vida que colocamos a nossa esperança em Cristo, somos os mais miseráveis de todos os homens.
Mas quero também (se me permitem o descaramento), completar o apóstolo, dizendo: mesmo que a recompensa plena esteja além, já aqui, teremos muitas alegrias, porque disse Jesus: Quem me segue vai ter já nessa vida cem vezes mais de tudo aquilo que deixou e na vida futura a recompensa eterna.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 26 de junho de 2011
Primeira Leitura: Segundo Livro dos Reis (2Rs 4,8-11.14-16a)
Salmo [88(89)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos: (Rm 6,3-4.8-11)
Evangelho: Mateus (Mt 10,37-42)
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