quarta-feira, 16 de março de 2011

Transcrição da Homilia do 1º Domingo da Quaresma


Amados em Cristo,

A Liturgia deste início da Quaresma, primeiro domingo, nos coloca diante de um contraste que recapitula toda história espiritual da humanidade; é o contraste entre os primeiros pais do gênero humano e Jesus ou, para ficarmos com uma dupla, Adão e Cristo, entendendo por Adão os primeiros pais da humanidade. Este contraste é muito belo porque mostra como Jesus veio para desfazer a confusão e o mal criados pelo pecado do homem.
Vejamos: a desobediência dos primeiros pais aparece sob a figura do comer - nós sabemos que Gênesis tem uma linguagem simbólica, e isso é muito importante (e até numa outra ocasião poderíamos discorrer sobre isso), mas apresenta fatos realmente acontecidos, embora revestidos com uma linguagem poética. Houve uma desobediência nos primórdios da humanidade que fez decair ser humano e afetou toda humanidade. Nós herdamos a cicatriz do primeiro pecado. Qual Foi a desobediência? Jamais vamos saber exatamente (materialmente) em que consistiu.
O fruto da árvore proibida é uma figura enigmática; só sabemos que houve uma desobediência, mas é interessante que esta desobediência apareça sob a forma do comer, porque no Evangelho aparece Jesus, contrário de Adão, Jesus obediente ao Pai Celeste, e sua obediência aparece na forma do não-comer e aí começa o contraste. O comer dos primeiros pais precipitou o gênero humano na tragédia, na morte, no pecado, na desgraça. O não-comer de Jesus marca o início de sua missão redentora.
O primeiro pai da humanidade, no Jardim do Éden, dá ouvidos ao demônio e come o que lhe fora proibido e assim saiu do Jardim e foi parar no deserto; é uma imagem: transformou o Jardim, sinal de abundância, tranquilidade, felicidade e paz, num deserto. Desertificou o Jardim no qual fora colocado. Deus lhe dirá: tu trabalharás a terra, ela te produzirá espinhos, comerás o pão com o suor do teu rosto – já não é mais o jardim do Éden. Adão, por sua desobediência transforma o Éden num deserto; a vida do homem agora é um deserto: fome, sede, cansaço, desânimo, fadiga de todo tipo...
Não é por acaso que Jesus escolhe o deserto. No deserto, não mais no jardim, Ele também trava um combate com satanás, Defronta-se com a antiga serpente, mas agora o Homem é que o vence. Não come do que lhe era lícito comer. Jesus foi rigoroso no seu propósito, pois não tinha chegado à hora determinada para o fim do jejum. Renuncia até ao que lhe era lícito. E assim, com a sua obediência além de toda justiça, começa a reconduzir a humanidade do deserto ao Jardim.
Nós estamos caminhando do deserto para o Jardim do Éden. A vida cristã é um seguir a Cristo na sua luta contra satanás, é um conquistar a liberdade em Cristo, sair do deserto levados por Cristo e ser reintroduzidos no paraíso.
Paulo no-lo resumia tudo isso dizendo: como a falta de um só acarretou a condenação para todos os homens (a miséria da humanidade tem lá a sua raiz) assim o ato de justiça de um só (ele se refere à cruz de Jesus) trouxe para todos os homens a justificação que dá a vida. Jesus é o novo Adão, pai de uma humanidade renovada em seu próprio sangue.
Jesus mergulha no nosso deserto, nas nossas tentações, nas nossas dores, nas nossas necessidades, mesmo físicas, para lutar conosco. Ele não nos deixa a sós no deserto. Ele sabe que não podemos vencer o adversário que vencera Adão no princípio. A humanidade está sob o poder do maligno e não poderia vencer, a não ser com a ajuda do Alto; Jesus vem justamente nos ajudar nesta luta.
A Quaresma, entendida assim, inspirada nos quarenta dias de jejum de Jesus no deserto, é uma participação na luta de Cristo ou, se quiserem, é uma participação de Cristo na nossa luta também, e esta batalha contra o mal se dá no coração, no deserto do coração e da consciência de cada um.
E já que eu e você, cada um de nós somos chamados a participar, desçamos à prática, para não ficarmos pairando nas nuvens de uma bela reflexão sem efeitos para a vida...
Na Quaresma devemos parar, se possível hoje que é o primeiro domingo (se já não o fez desde a Quarta Feira de Cinzas) e examinar o próprio coração tentando identificar os pontos mais críticos de nossa vida diante de Deus, as dificuldades maiores que temos para ser fiéis a Deus ou se quiserem, as tentações mais frequentes ou que mais frequentemente nos derrubam. Quais são?
Sugiro que nós identifiquemos duas ou três; um é pouco demais; três está no limite; quatro começamos a perder a objetividade. Fiquemos entre dois e três itens. Identifique os pontos principais, as dificuldades principais, peça ao Espírito Santo ajuda para as identificar. Depois, então, de identificadas essas coisas, você vai traçar um plano de ação para a Quaresma, sabendo que esse é um tempo em que Deus concede graças abundantes, especiais para quem quer mudar, para quem quer se converter. Devemos aproveitar.

O seu plano de ação deve incluir algum tipo de jejum, ou seja, de renúncia, de alimento ou outra coisa, ou as duas, bem como um modo de intensificar sua oração ou de redescobrir a oração diária (porque tem gente que vem domingo, graças a Deus, e só. Mas ninguém come só no domingo, ninguém toma banho só no domingo... Portanto também deve-se praticar a oração todo dia porque é o alimento da alma). Como intensificar a sua vida de oração? Faça um plano: que jejum, que renúncia vou praticar e como vou melhorar (ou retomar) a minha vida de oração diária? Um tempo para Deus, um deserto com Jesus diante do Pai Celeste. Você tem que ter esse deserto, no seu quarto, na sua casa, pouco importa, um espaço de silêncio e oração diante de Deus.
Assim, com essas coisas tão simples que estão ao alcance de todos – não escolha coisa muito difícil. Não vá se propor três horas de oração por dia e jejum de vinte e quatro horas a pão e água, porque você faz num dia, no dia seguinte já não faz mais. Seja mais modesto, pois até aí o orgulho nos persegue, achamos que “somos demais”. Fazemos um projeto de abalar o Vaticano, mas, depois, nada acontece. Portanto, “menos”. Melhor pouco com constância do que muito heroísmo inconseqüente. Fazendo estas coisas tão simples, Deus responderá preenchendo nosso coração, nossa vida com as graças de conversão de que tanto necessitamos.
As renúncias, por exemplo, jejum de alimento ou de outra coisa (jejum de novela, jejum de palavras excessivas que levam à fofoca e a maledicências, jejum de tantas coisas inúteis embora não necessariamente negativas; jejum também do alimento) vão nos dar um distanciamento daquelas coisas que até agora me dominaram, ajudando-me a me libertar delas e, a partir do jejum, da renúncia, eu vou aderir mais a Deus e vou me tornar mais independente dessas coisas. Daqui a pouco, não é a comida que me dominará mais, mas eu dominarei a comida. Olha que beleza! Eu é que vou mandar, não é ela que vai me mandar em mim. Não é o sexo que vai mandar em mim, eu vou mandar nele; não é a língua que vai mandar em mim, mas eu vou mandar nela e assim por diante.
Renúncias para adquirir liberdade, liberdade para fazer o bem servindo a Deus. Isso é Quaresma. E o Senhor nos ajuda dando as graças necessárias para isso.
Então concluindo eu queria sublinhar, já que falamos de contrastes e paralelos, o mais belo contraste, a meu ver, no contexto da celebração de hoje. No princípio Deus colocou um limite ao homem: não tocar, não tomar, não comer; agora, depois de Jesus ter realizado a redenção em nosso favor derrotando a antiga serpente, Ele nos dá justamente uma ordem diametralmente oposta, sinal de que tudo está mudado: Tomai, comei este é meu Corpo dado por vós.

Proferida pelo padre Sérgio Muniz e 13/3/2011.

Liturgia da Palavra:

Primeira Leitura: Livro do Gênesis (Gn 2,7-9; 3,1-7)

Salmo: [Sl 50(51)]

Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos: (Rm 5,12-19)

Evangelho: Mateus (Mt4, 1-11)

Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

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