sábado, 2 de abril de 2011

Transcrição da Homilia do 3º Domingo da Quaresma


Prezados em Cristo,

Hoje fomos presenteados com o magnífico Evangelho do encontro de Jesus com a samaritana. O texto tem muita coisa a ver com a nossa própria vida, mas antes, como sempre, voltemos nossa atenção também às outras leituras. A Primeira contava um trecho da história dos israelitas saindo Egito - o livro do Êxodo (como sabem, êxodo significa saída), todo ele é sobre este tema: acompanha a saída dos israelitas da escravidão no Egito rumo à Terra Prometida. Foram quarenta anos de nomadismo no deserto e, principalmente no início daquela caminhada, logo ao sair do Egito, diante das dificuldades do deserto, o povo muitas vezes murmurou contra Deus e contra Moisés que os liderava em nome de Deus. Claro, quando saíram do Egito fizeram festa, estavam livres, enfim... E que festa! Os egípcios, apavorados com as pragas que se abateram sobre sua terra, deram ouro, prata e vestes preciosas, gado, tudo, para os hebreus saírem de lá o mais rápido possível. Estes festejaram, mas quando as dificuldades começaram aparecer, aquela liberdade tão festejada se tornou uma complicada de se sustentar. Às vezes diziam a Moisés: queremos voltar para o Egito. Lá, pelo menos, mesmo sendo escravos, nós tínhamos comida garantida, tínhamos água à vontade. Diante da escassez de água, vimos o povo dizer a Moisés: por que nos fizestes sair do Egito? Foi para nos fazer morrer de sede, a nós, nossos filhos e nosso gado? Vejam só!...

Obviamente, numa situação dessas qualquer um pediria ajuda, mas há várias maneiras de reclamar ou de pedir ajuda. Uma coisa é chegar a Moisés e dizer: “Moisés, nós já vimos tantos milagres que Deus fez no Egito. Por que Ele não faz mais um agora? Pede a Ele. Vamos rezar para que Deus nos ajude, faça mais um milagre e nos dê água”. Essa seria uma maneira de pedir, mas eles escolheram outra maneira, já reclamando, já sendo ingratos, já desafiando a Deus, já ‘cuspindo no prato em que comeram’ como dizemos nós. Revoltados, numa atitude rebelde, infantil, ridícula, diante do fato de terem visto tantas maravilhas. Mas Deus dá a solução e Moisés, com um toque da vara que o acompanhara nos milagres operados no Egito, tira água da rocha por ordem de Deus: toca a rocha e brota uma fonte.

O apóstolo Paulo vai dizer numa de suas cartas que esta rocha da qual brotou água era a figura de Cristo. Cristo é a Rocha no deserto, da qual brotam águas para nós. Isto nos introduz no Evangelho. Jesus está à beira do poço de Jacó ao meio dia. Imaginem o sol da Palestina, que não deve nada ao nosso, ao meio dia... E Ele tem sede. Aproxima-se à samaritana. O evangelista nota que ela fica ressabiada porque Jesus lhe dirige a palavra. Porque naquela época, uma mulher desacompanhada não falava com homem algum que não fosse parente. Então ela não deveria conversar em público com Jesus (e imaginar que hoje chegamos ao exagero oposto, muitas vezes...). Jesus quebra esta ‘regra’ e também uma outra: sendo Ele judeu, não poderia jamais falar com uma samaritana ou samaritano, visto que os judeus tinham uma rixa terrível com os samaritanos e vice-versa. Os judeus os consideravam uma espécie uma espécie de ‘vira-latas’; eles, ao invés, eram puro sangue. Também por motivos religiosos, pois os samaritanos ao longo da história tinham misturado muito a religião judaica com práticas pagãs. Consideravam os samaritanos como verdadeiros pagãos, embora de origem judaica; traidores do judaísmo.

Jesus não tem disso, sendo judeu, dirige a palavra à samaritana e ela fica espantada: tenho sede; dá-me de beber. A samaritana está numa posição de vantagem, porque Jesus tem sede e não tem como tirar água (humanamente falando, pelo menos). Ela tem balde e tem corda, ela pode tirar a água; está em posição de superioridade. Ele precisa e pede; ela pode dar. Mas ao passo que o diálogo vai avançando, Jesus consegue que a samaritana lhe peça de beber e aí as posições se invertem, percebam isso. Jesus começa a falar de uma outra água, da qual quem beber não terá mais sede. E dali a pouco ela está pedindo, e é Ele quem lhe oferece água. É muito bonita essa inversão!

Como a dizer que o Filho de Deus veio a esse mundo padecer da nossa sede (aqui sede é símbolo de muita coisa: nossos sofrimentos, nossas necessidades, nossas limitações). Ele veio ao mundo padecer nossa sede para nos saciar com a sua plenitude, com a Água que só ele pode dar. Uma troca de dons: a Ele a nossa sede, a nós a sua abundância, a sua riqueza, a sua plenitude.

Aquele que não tem sede de nada nem fome de nada veio a esse mundo padecer fome e sede, para que aqueles que se afundavam na sede de tudo e na fome de tudo, tivessem seus corações enfim saciados. E só Ele pode saciar a fome e sede dos nossos corações. Uma troca de dons entre o Céu e a terra. Isso é o cristianismo.

Eu gostaria de lembrar-lhes que, quando Jesus morreu na cruz aconteceram duas coisas muito interessantes. Em primeiro lugar, uma das suas últimas palavras antes de morrer é: tenho sede. E, depois que Ele espira e inclina a cabeça, estando já morto, vem um soldado para se certificar de sua morte e fura-lhe, com a lança, o lado, atingindo o coração, donde jorram, segundo o evangelista João, sangue e água. Na cruz se repete, de certa maneira, o episódio do diálogo com a samaritana. Jesus tem sede porque toma sobre si a sede, ou seja, a dor, a miséria da humanidade, mas ao mesmo tempo é Ele quem sacia a sede da mesma humanidade. Ele está na cruz, qual o rochedo do qual falava o apóstolo Paulo, ferido, não mais pelo cajado de Moisés, mas pela lança do soldado, jorrando para nós a fonte da vida: sangue e água, sinais do Batismo e da Eucaristia.

Tenho sede - essa frase de Jesus na cruz e também junto ao poço de Jacó inspirou uma figura conhecidíssima de todos nós: Madre Tereza de Calcutá. Ela ficou vivamente impressionada por esta frase do Evangelho. Estando em oração, como que ouviu no seu coração a voz de Cristo dizendo: “tenho sede”; entendeu que ela devia ajudar a saciar a sede de Jesus nas pessoas mais desprovidas, mais sofridas, pois Jesus dissera que o que nós fizermos ao menor de nossos irmãos terá sido a Ele que nós fizemos. Ela, então, cuidava dos mais sedentos e dos mais famintos, dos mais miseráveis dentre os homens, sabendo que estava fazendo isso a Jesus na pessoa deles.

Tenho sede – Jesus tinha sede de dois tipos: sede física, como a nossa, e sede da resposta daquela mulher, a samaritana. Da resposta da sua fé. Ele veio a este mundo com sede da nossa resposta de amor, com sede da nossa adesão.

Jesus glorioso no Céu não tem mais sede. Embora tenha seu corpo glorificado, não tem mais sede de água; essa passou. Mas ele continua tendo sede do nosso amor e da nossa resposta, da nossa adesão. Vamos deixar Jesus ficar com sede, ou vamos saciar a sede que Ele se dignou ter do nosso amor?

Santo Agostinho impressionado com isso como nós agora estamos impressionados certamente, dizia numa exclamação: Quem sou eu Senhor? Quem sou eu para que me mandes te amar e te irrites se eu não o faço? Quem sou eu para merecer isto?

Eis aí a bondade de Deus. E os samaritanos, que queriam ver os judeus pelas costas, agora dizem a Jesus que fique com eles. Ali Ele permaneceu mais dois dias, porque aquela mulher deu testemunho do que ela experimentara.

Lá fora, meus irmãos, muitas pessoas que você conhece e estão tão perto têm sede de Cristo, tem sede da Água Viva, sede de Espírito Santo, algo que só Ele pode oferecer. Tem sede de salvação, aquela fome, aquela sede profunda de um ‘não-sei-quê’! E que não deixa a pessoa descansar, noite e dia buscando resposta em tudo e não encontrando em nada porque a sede é sede de Deus.

Você veio aqui para beber da fonte, da fonte do coração de Cristo, e levar um pouco consigo para repartir com quem continua com sede porque não sabem buscar a fonte. Você, como a samaritana, veio ao poço, encontrou a Água da vida e deverá levá-la aos demais pela sua palavra e pela sua atitude: “eu sei onde encontrar a água que pode saciar o seu coração, eu sei Quem pode matar sua sede, porque matou a minha também”. Primeiro virão pela sua palavra, mas ficarão não mais por sua palavra, como disseram os samaritanos, mas porque eles próprios terão experimentado.

Resta-nos concluir com o apóstolo Paulo que afirma, na Segunda Leitura, o Amor de Deus foi derramado, eis aí a imagem da água de novo, em nossos corações pelo Espírito Santo. Nós somos tão limitados, incapazes de fazer o que Deus quer por nós mesmos, no entanto Deus nos dá capacidade de fazer o que Ele espera de nós porque o amor Dele foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo. Nós fomos banhados nessa água viva da qual falou Jesus. E Ele nos assegura que quem recebe dessa água também se torna fonte para os demais.

Peçamos ao Senhor, agora num instante de silêncio, duas coisas. Primeiro: que sacie a sede do nosso coração e não nos permita afastar-nos da fonte do seu Coração. Segundo: que nós tenhamos a graça e a força de levar conosco, para nossos irmãos, a Água da vida que recebemos na Palavra e na Eucaristia. Um momento de silêncio diante do Senhor, que espera a nossa resposta, Ele que tem sede do nosso amor.

Liturgia da Palavra

Primeira Leitura: Livro do Êxodo (Ex 17,3-7) Salmo: [94(95)] Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos: (Rm 5,1-2-2.5-8) Evangelho: João (Jo 4,5-42)


Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

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