terça-feira, 6 de março de 2012

Transcrição da Homilia do 24º Domingo do Tempo Comum




Transcrição da Homilia do 24º Domingo do Tempo Comum
Amados irmãos, queridas irmãs nesta parábola que já nos é bem conhecida nos surpreendeu alguns detalhes porque a palavra de Deus é inesgotável na sua novidade. Não sei se repararam, mas existe uma desproporção muito grande entre os dois devedores – um devia uma quantidade enorme de dinheiro (o Evangelho no seu texto original fala de muitos talentos de prata, aquelas moedas de prata bem pesadas) e a quantidade transportada para os dias de hoje, com as nossas mediadas é uma quantidade absurda de dinheiro realmente que ninguém podia pagar e outro deve ao colega apenas algumas moedas, alguns denários que eram moedinhas pequenas de cobre. Existe uma desproporção muito grande entre as duas dívidas, portanto: uma enorme e outra bem pequena só que existe também uma semelhança entre as duas dívidas, ou melhor, entre os dois devedores porque em ambos os casos eles não podiam pagar.
De que me importa se a minha dívida é consideravelmente menor do que a sua, suponhamos, se eu também não posso pagar? E se você tivesse uma dívida maior que a minha e não pudesse pagar e eu uma dívida enorme e não pudesse pagar, minha situação seria pior que a sua. Então o que torna mais dramática nossa situação não é o tamanho da dívida, mas o fato que ela é impagável, pequena ou grande ou que seja. Neste ponto de vista estamos todos na mesma condição. O assassino, o ladrão, a prostituta, claro que são pecados objetivamente muito graves e piores do que aqueles que nós habitualmente nós cometemos, porém há uma semelhança: ninguém pode pagar nem o que deve mais, nem o que deve menos.
Ninguém pode pagar os benefícios que recebe de Deus, a começar da própria vida e de tudo o que é necessário para chegar à salvação eterna que Ele nos dá. Ninguém pode pagar o benefício de Deus. Ninguém pode agradecer dignamente, dar-lhe alguma coisa nem que esteja à altura. E como se não bastasse ainda temos a dívida dos nossos pecados porque a gente costuma considerar esse pecado, aquele outro como “pecadinhos”; às vezes exagerando no diminutivo porque de fato do ponto de vista de Deus não há um “pecadinho” a ser alegado, todo pecado, por menor que nos pareça, ele tem uma dimensão infinita. Por quê? Porque ele ofende uma Majestade infinita e ofende um Amor infinito então ele ganha proporções infinitas e nesse sentido todo mundo está no mesmo barco e ninguém pode contar vantagem – eu sou menos pecador que você; por um ponto de vista pode ser verdade, mas por outro não adianta nada porque ninguém paga. Também não é motivo então para agente se entregar ao pecado, evidentemente.
E quem foi que nos pagou a dívida, impagável, quem foi que compensou a nossa desobediência, o nosso desamor? Foi Jesus Cristo. Ele ofereceu por nós até a última gota de sangue, o amor e a obediência que nós não podíamos devolver a Deus. Não podíamos compensar o que tínhamos tirado. Na cruz a sua existência de valor infinito, como filho de Deus feito homem na sua vida, na cruz assume a obediência até as últimas consequências, na cruz o seu amor, até a última gota de sangue, o seu dom total. Aliás, por falar em dom total vem em mente a palavra perdão – perdão é justamente isso, é o dom total, é a raspa do tacho, é virar do avesso para dar até a última gota. Etimologicamente, perdão é “per” é algo extremo por excelência, total: “per”. “Dom” é o dom por excelência. O dom até a última gota – esse é o perdão, é foi o que Jesus fez por nós. E quando nós participamos da Santa Missa nós recebemos como nosso alimento, quer dizer, como se não bastasse esse “dom total” até a morte de cruz Ele ainda inventa um coisa: a Eucaristia, e se deixa como nosso alimento. Esse é o “dom” por excelência. Diante disso quem recebe isso, não pode se negar a dar muito menos a seu próximo.
O que os outros nos devem, as ofensas que os outros que nos tenham feito são certamente muito menores do que as ofensas que nós fazemos a Deus. Porque eu sou um ser finito, a minha dignidade é grande, mas é finita, portanto quem ofende faz uma ofensa finita, limitada, mas a minha ofensa a Deus mesmo que me parece muito fraquinha ela ganha dimensões infinita, já explicamos por que. Então finito é sempre muito menor que o infinito. Qualquer ofensa que alguém me faça é limitada, é finita. Se Deus me perdoa a ofensa infinita então como é que eu não vou perdoar uma ofensa finita que meu próximo me faz.
Jesus coloca o perdão, nosso ao outro como condição de recebermos o perdão divino e Ele nos deixou uma armadilha, armadilha santa, foi muito engenhoso da parte de Jesus para nos obrigar a trilhar o caminho do perdão. A armadilha está no “Pai Nosso”: perdoai-nos, O! Pai assim como nós perdoamos. Estamos pedindo a Deus que faça conosco exatamente o que nós fazemos com os outros e Jesus mandou dizer assim na oração. Evidentemente nós temos muitas dificuldades e quanto mais se vive mais essas dificuldades tendem a se acumular com tias e tais pessoas, com tais e tais acontecimentos etc.
Jesus não é ingênuo e nem é um tirano para exigir de nós o impossível, mas Ele exige todo o possível e nos ajuda com a sua graça. O que eu quero dizer com isso? Os sentimentos que perturbam nosso coração como mágoas e outros semelhantes, esses sentimentos normalmente não estão sobre o nosso domínio, nós não podemos criar a mágoa e não podemos eliminá-la por um decreto da nossa vontade. Então não está em nós, mas nós podemos e isso depende de nós, nós podemos alimentá-la ou não. Essa mágoa é como um bichinho que muita gente cria como bichinho de estimação. Alimenta, dá comidinha para ele; ele vai crescendo, vai se tornando um monstro que vai devorarando o coração e alma da pessoa e fazendo muito mal à mente, a alma e ao corpo, inclusive. Nós devemos tirar comida desse bichinho, matá-lo de fome, não alimentá-lo deixá-lo morrer de inanição, de fome e sede para que ele não nos devore e não nos afaste totalmente de Deus porque conforme dizia a Primeira Leitura é um contra-senso eu buscar a cura; se alguém guarda a raiva, diz o Eclesiástico, como pedir a Deus a cura. Ora, a cura muitas vezes não acontece porque o coração está envenenado, a cura física de muitos males físicos tem origem, e os médicos sabem disso em situações de ânimo complicadas por rancores, com tristezas profundas que são alimentadas etc. Então porque Há uma unidade misteriosa de corpo e alma e às vezes as coisas se compenetram e uma coisa influencia na outra. Isso é comprovado por várias patologias. Então a pessoa não pode pedir a Deus a cura do seu coração, dos seus sentimentos, da sua alma e até, às vezes, do seu corpo já que alimenta a raiz desses males; é um contra-senso e a leitura continua dizendo: se ele é mortal e guarda rancor que vai alcançar o perdão? Se Deus, o infinitamente digno, O infimamente amoroso, o infinitamente majestoso se inclina e perdoa. Quem sou eu mísero pó e cinza para não fazer o mesmo? Sou eu mais do que Deus por acaso? Então atrás da recusa do perdão pode existir a soberba; eu me coloco numa posição que no final das contas é uma posição mais alta que a posição de Deus porque Ele pode como eu não posso perdoar? Será que a minha dignidade é maior que a Dele? Nesta Leitura também, no versículo seis diz-se que: nós devemos lembrar-nos do nosso fim e deixar de odiar lembra-te do teu fim e deixa de odiar. Pensa na destruição e na morte, persevera nos mandamentos. Então pensar no que nos espera adiante. Se eu tivesse que entregar hoje, daqui a pouco a minha vida a Deus quereria eu ir com o coração sufocado, atulhado de mágoas e de rancores como talvez esteja agora; se eu tivesse que entregar a minha alma hoje como eu gostaria que estivesse meu coração? Será que esses pecados de rancor e de mágoa não seria um peso que dificultaria pelo menos em chegar ao Céu tão cedo? Então pensemos no que nos espera, o juízo de Deus e quem quiser alcançar a misericórdia, faça misericórdia. Ah! Padre, mas eu não consigo porque é um sentimento que supera as minhas forças, eu não domino, já falamos sobre isso. Você não é culpado pelo que sente ou que deixa de sentir, nós só somos culpados pelo que aceitamos; que eu sinta mágoa, não é pecado, que eu alimente voluntariamente e a transforme em rancor ou que eu aprofunde isso voluntariamente, aí sim, aí começa o pecado. Ninguém é obrigado, da noite para o dia deixar de sentir o que sente, mas somos obrigados, da noite para o dia a dar um passo no sentido fazer o possível. Jesus nos indicou o caminho: orai por todos que vos perseguem, abençoai os que nos amaldiçoam (esta no capitulo cinco ou seis de São Mateus).
Então eu posso a começar a rezar por essas pessoas. Ah! Mas o meu coração não acompanha essa oração; eu vou me sentir muito hipócrita se eu fizer isso porque eu não estou sentindo como é que eu vou falar uma coisa que eu não sinto? Esta observação provem de uma mentalidade decadente da Pós Modernidade; só é autêntico aquilo que é espontâneo e estou sentindo. Não! Eu não estou sendo hipócrita, eu estou obedecendo a Jesus. Ele mandou? Eu faço. Mas eu não estou sentindo. Eu não disse que é para sentir, disse que é para obedecer – orai por todos os que vos perseguem, abençoai os que vos amaldiçoam foi isso que - Ele mandou, eu faço! Sentir ou não sentir vem depois como graça de Deus – é Deus quem vai curar o que você está sentindo. Vai substituir por outra coisa quando acontece no momento certo em resposta a sua proximidade, a sua obediência. Comece, violente o que você está sentindo, faça o contrário do que está sentindo. Nós temos que aprender a fazer o contrário do que nós sentimos. Isso é sério porque o mundo de hoje nos ensina a fazer o que nós sentimos e a não fazer nada se não aquilo que estamos sentindo. É a tirania dos sentimentos sobre a razão. Mas o sentimento pode transformar nossa vida num caos se ele toma à dianteira. Nós temos que nos guiar pela razão, iluminada pela fé. Nós somos fiéis a Deus. Experimente, eu não aconselho a ninguém, supondo que você um dia da sua vida, por exemplo, hoje ou amanhã se deixar guiar unicamente pelos seus impulsos e sentimentos, sem freios, sem rédeas num dia você transformaria sua vida num caos. É preciso saber dizer não a si mesmo, muitas vezes por um motivo maior e a razão e a fé nos conduzem a isso.
Então pensemos no nosso fim, comecemos a rezar por aqueles que nos ofenderam, nos fizeram mal. Não frustremos essa experiência.
Façamos o que pudermos: pisemos no nosso orgulho, na nossa vontade de revidar. Lembremo-nos o que Jesus fez por nós. Se Ele fosse nos tratar como merecíamos, ai de nós.
Diz o Salmo: Senhor se nos tratásseis conforme nossas faltas ninguém subsistiria ninguém. Não estaríamos aqui.
Agradeçamos a Deus desta forma, rezando por aqueles que são difíceis para nós.
E agora então vamos fazer um minuto, um minutinho só de silêncio para colocar em prática o que Jesus pediu, sabendo que na Eucaristia que vamos receber se renova o perdão, o dom total de Deus, em Cristo. Que esse alimento milagroso da Eucaristia nos ajude a superar tudo isso e faça de nós novas criaturas, então nesse instante oremos por aqueles nos feriram, nos perseguiram, nos fizeram mal. Peçamos que o Senhor os abençoe, purifique seus corações converta-os se necessário – também tire de nossos corações todo obstáculo para recebermos Sua graça.
Primeira Leitura: Livro do Eclesiástico (Eclo 27,33-28,9)
Salmo: [Sl 102(103)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 14,7-9)
Evangelho: (Mt 18,21-35)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

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