A liturgia de hoje nos trás uma das páginas mais, poderia dizer, bem humoradas do Evangelho onde vemos o pobre Zaqueu subindo a árvore para ver Jesus Cristo que passa, devido à multidão e a sua baixa estatura.
Mas, antes de enfocarmos o Evangelho, que é o coração sempre da liturgia da palavra, gostaria de passear com vocês um pouquinho pela Primeira Leitura onde se coloca em contraste a grandeza de Deus e a nossa pequenez e a surpreendentemente atitude ou digamos assim, o sentimento de Deus diante da nossa insignificância. Nós diante da grandeza de Deus, da sua majestade infinita (se bem considerarmos essa grandeza e essa majestade), nos sentiremos não só pequenos, mas de certa maneira fascinados e atemorizados, como quem vê, por exemplo, um grande vulcão em erupção ou um maremoto ou o mar com sua grandeza e suas ondas batendo sobre as pedras. Esse sentimento de grandiosidade que ao mesmo tempo fascina, eleva e atrai. Mas ao mesmo tempo em que fascina, eleva e atrai, também atemoriza e às vezes aterroriza a criatura tão pequena e isto falando de fenômenos naturais, portanto coisas visíveis deste mundo, que dirá a grandeza de Deus que tem nas suas mãos o universo, as Galáxias e tudo mais.
Se bem considerarmos, teremos esse sentimento de fascínio e temor. Esse e o sentimento que nos inspira o contraste entre a nossa pequenez e infinitude de Deus.
Mas do lado de Deus o que será que ele sente por nós diante desse contraste, da sua grandeza e da nossa insignificância? A Bíblia nos afirma que o sentimento de Deus é compaixão.
Eu estava pensando outro dia desses, e nós temos experiência parecidas com esta: por exemplo, uma criança que no jardim encontra uma joaninha comum e fica maravilhada com aquele inseto (normalmente as pessoas não têm boa relação com os insetos, é raro que alguém goste de insetos; às vezes acontece como as borboletas e a joaninha). As crianças gostam muito e tomam cuidado para não espantá-la para que não voe e também para não machucá-la; é uma pequena jóia viva que passeia sobre os dedos da criança e ela se maravilha com aquilo.
É mais ou menos muito de longe a atitude de Deus para conosco; nós somos a joaninha e Deus não se vale da sua grandeza e da sua força para nos oprimir, mas Ele se inclina sobre nós com carinho, com afeição, com maravilha até com compaixão.
Então a leitura dizia: Senhor o mundo inteiro é diante de Ti como um grão de areia na balança e aí a conseqüência podia ser: Deus esmagar o mundo e tratá-lo com dureza, mas não: de todos tens compaixão porque tudo podes.
Então a força de Deus, o poder infinito de Deus não lhe serve para se tornar um tirano, até porque, que graça existe em dominar sobre um grão de areia como um tirano. Que graça existe em pisar numa formiga? A graça está, e aí graça em todos os sentidos, está em pegar essa formiguinha e elevá-la a um nível insuspeitado, capaz então de estar face a face com Deus e dialogar com Ele, amá-lo. De todos tem compaixão porque tudo podes e vejam a diferença que existe, portanto entre o poder divino e os poderes humanos.
Nós quando temos um pouquinho de poder na mão já usamos aquilo para nos engrandecer e pisar no outro. Pode ser o último funcionário de uma repartição, aquele que é mandado por todos, aí quando chega alguém de fora precisando de alguma coisa ele se alegra e pode dizer, no balcão, pode dizer: NÃO àquela pessoa que ali vem; pode dificultar a vida de alguém então ele pode agora exercer “uma autoridade” sobre alguém, é incrível isso.
Então o papai grita com a mamãe, a mamãe grita com o filho mais velho, o mais velho bate no do meio, o do meio bate no mais novo, mas o mais novo não tem em quem bater bate no gato.
É assim, nós nos valemos das nossas pequenas e mesquinhas grandezas, do nosso pequeno e mesquinho poder para tiranizar, mas quando alguém é grande de fato, Ele não pisa em ninguém, Ele se inclina sobre o pequeno e o eleva, assim faz Deus. De todos tem compaixão porque tudo podes.
O tirano é a pessoa insegura, é a pessoa que não confia, nem acredita de fato no poder que tem, porque não tem poder nenhum (por isso ele é tirano). Deus não é assim. Como Ele tem segurança do seu poder absoluto Ele não usa para esmagar, mas para elevar.
Então aqui termino a leitura dizendo como conseqüência: corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhe seus pecados para que se afaste do mal e creiam em Ti.
E assim a Primeira Leitura já preparava, já anunciava o Evangelho: Zaqueu o publicano (só para lembrar o que era um publicano: era um cobrador de impostos considerado em Israel, um traidor do próprio povo, portanto também da própria religião, o judaísmo). Afinal de contas o cobrador de impostos cobrava impostos, ele era israelita, cobrava dos seus irmãos israelitas para o rei de Roma (ele era funcionário romano) considerado, portanto um traidor da nação e da fé judaica, um pecador público a serviço dos pagãos contra os seus, considerado um pecador público no mesmo nível, por exemplo, das prostitutas (era uma espécie de prostituição tirar dinheiro dos seus irmãos israelitas e entregar a Cesar).
Então Zaqueu, pecador público, rejeitado por todos, de baixa estatura e aqui a baixa estatura física é só um aspecto porque também podemos falar de uma baixa estatura moral provavelmente.
Vejam a reação dele quando Jesus vai a casa dele intocada, de arrepende de seus pecados e diz: vou dar metade de meus bens aos pobres e se defraudei alguém, portanto isso está nas possibilidades, se defraudei alguém, devolverei quatro vezes mais. Então ele tem na sua consciência alguma coisa. Portanto, de baixa estatura física, mas de baixa estatura moral.
Mesmo que nossa estatura não seja tão baixa, não posso eu, mas vocês quem sabe (nota: o Padre Sergio não é alto); mesmo tendo dois metros de altura às vezes moralmente nós temos baixa estatura e espiritualmente baixa estatura.
Mas Zaqueu mesmo de baixa estatura quer ver Jesus; Jesus vai passar e ele quer enxergar Jesus; ele sobe numa árvore. Imagine o ridículo deste homem que não é respeitado, ele é temido, o pessoal deve até falar piadas dele, porque sabe com é os tiranos sempre sofrem essas coisas. Mas a final de contas ele não está muito preocupado com que vão dizer por que já falam tudo dele mesmo, então mais uma coisa, menos uma, sobe na árvore e fica olhando Jesus que vai passar. Uma cena realmente hilária, cômica e Jesus acentuando o ridículo da situação, ao passar por baixo diz o nome dele: Zaqueu desce e aí todo mundo (certamente quem não viu acaba vendo a cena)e Zaqueu desce: eu quero ficar hoje na tua casa.
Nós, de nossa baixa estatura queremos também ver Jesus, e devemos subir de vez em quando a uma árvore.
Aqui estamos nós... o que estamos fazendo aqui a final de contas?
Subimos a árvore para ver Jesus. No domingo, em torno do altar, na casa do Senhor é a nossa subida a um lugar mais alto de onde podemos ver Jesus passar e não só: Jesus ao passar vem falar conosco e nos diz: quero ir contigo para tua casa hoje. Mas antes Ele diz: desce, desce do teu pedestal, desce do teu salto, desce do teu orgulho, da tua vaidade, desce da tua razão, porque não dá razão a mais ninguém, desce das tuas vaidades, das tuas mesquinharias, desce! Desce porque quem é grande não precisa buscar estes artifícios. Se precisas subir sobre os outros, se precisas subir sobre o pedestal que construístes, se precisas construir uma torre de Babel para te equiparar aos deuses e olhar de cima para baixo os homens, é porque não és grande, desce e eu te farei grande. Queres crescer, desce, desce eu quero ficar contigo hoje na tua casa.
Zaqueu desceu depressa e recebeu Jesus com alegria, diz o Evangelho.
Estamos esperando nós, desçamos depressa, recebamos Jesus com alegria é a prova de que realmente esse encontro foi um encontro verdadeiro, autêntico na vida de Zaqueu é que sem Jesus dizer nada, sem que Jesus o acusasse de coisa alguma e nem pedisse coisa alguma a ele, ele próprio diz: Senhor vou dar metade de meus bens aos pobres e se defraudei alguém vou pagar quatro vezes mais.
Um belo Evangelho para dia de eleições, aliás, mas pensemos também em nós mesmos porque pode ser que não tenhamos defraudado ninguém financeiramente ou pode ser que sim, mas nós defraudamos em primeiro lugar a Deus negando-lhe o amor que lhe devemos, a submissão que lhe devemos, a honra e a atenção que lhe devemos.
É uma injustiça negar a Deus o que Lhe pertence e nós o fazemos tantas vezes.
Como estará nossa oração diária, por exemplo? Como estará a nossa vida espiritual? Como estará o cumprimento das nossas obrigações familiares e de trabalho? E religiosas?
Estamos defraudando a Deus e talvez também ao próximo, negando ao próximo o que ele tem direito: a nossa atenção, o nosso interesse, a nossa palavra, a nossa escuta, o nosso perdão e assim por diante.
Podemos estar defraudando até a nós mesmos, negando a nós mesmos aquilo de que temos tanta necessidade diante de Deus.
Há quanto tempo àquela confissão adiada e nunca realizada; há quanto tempo aquele passo, aquele primeiro passo que devemos dar para mudar alguma coisa e também sempre adiamos e assim por diante.
Se o nosso encontro com Jesus aqui, é o encontro autêntico, verdadeiro, se nós abrimos as portas da nossa casa, ou seja, do nosso coração para Ele entrar, se nós resolvemos de fato descer para encontrá-lo, então o sinal será dar o primeiro passo decididamente.
Será devolver, ou reparar aqueles que defraudamos, a Deus.
Reparar a minha omissão, a minha falta de atenção, a minha falta de amor, minha falta de obediência, repara as minhas faltas em relação ao próximo, repara as minhas faltas em relação a mim mesmo. Dar um passo decidido, portanto.
Não significa que vamos deixar de ser tentados, mesmo Zaqueu feito tudo aquilo, ele tenha tido dificuldades depois. A tentação da cobiça, da desonestidade não deixou de existir para ele. Ele terá sentido seu coração se inclinar ainda uma vez ou outra para o mal.
Mas o importante é que ele deu um passo decidido e nós? O que estamos esperando? Desçamos depressa, recebamos Jesus com alegria e demos decididamente o nosso primeiro passo.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz- Botafogo
Leituras da semana:
Primeira Leitura: Livro da Sabedoria (Sb. 11,22-12.2)
Salmo [Sl 144(145)]
Segunda Leitura: Segunda Carta de São Paulo aos Tessalonicenses (2Tm1,11-2,2)
Evangelho: Lucas (Lc 19,1-10)
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