Transcrição da Homilia do 6º Domingo do Tempo Comum
Neste domingo, temos a continuação do discurso de Jesus conhecido como o “Sermão da Montanha” (lembrando o que dissemos há uns domingos atrás; trata-se dos capítulos 5,6 e 7 do Evangelho de Mateus). Tudo começa quando Jesus sobe à montanha e chama a si os seus discípulos. Ele se senta (posição importante por ser a posição clássica do mestre que instrui os discípulos). Lá está Jesus na montanha com seus discípulos. Ele começa a transmitir-lhes a nova Lei. E, dissemos, comparando com o Antigo Testamento, é um quadro que nos faz lembrar Moisés que subiu o monte Sinai para trazer ao povo a Lei de Deus.
No trecho de hoje, Jesus nos compara a Lei nova, que Ele traz, com a Lei antiga e declara não estar substituindo nem abolindo a Lei de Moisés, mas levando-a a perfeição. Declara não ter vindo abolir a Lei nem os Profetas. O Antigo Testamento conserva o seu valor como palavra de Deus. Jesus afirma ter vindo levá-lo à plenitude.
Nas palavras que hoje ouvimos, uma coisa deve ter espantado muito os que as escutaram então, como também uma coisa deve ter espantado muito os destinatários da carta de Paulo (I Cor, segunda leitura).
Vejamos.
No Evangelho Jesus diz aos seus ouvintes o seguinte: se a vossa justiça (quer dizer a vossa perfeição; na Bíblia, justiça é sinônimo de perfeição espiritual, religiosa, de obediência a Deus, do cumprimento dos mandamentos...) não superar a dos mestres da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus. Isto espantou muito as pessoas, porque os mestres da Lei e os fariseus eram, em princípio, aqueles que com mais cuidado e mais minuciosamente estudavam e praticavam os preceitos divinos.
Imaginem: na Lei do Antigo Testamento havia seiscentos e treze preceitos, os dez mandamentos, que nós conhecemos, e tantas outras coisas que para nós são secundárias e que ficaram para trás (como veremos pouco adiante). Os dez mandamentos são o núcleo da Lei de Deus, mas havia tantos outros e o povo simples não tinha nem condições de conhecer esses seiscentos e treze, de praticá-los nem conhecer as múltiplas interpretações e subdivisões dos casos em que aquelas leis se aplicavam. Só os sábios, só aqueles que tinham condições de se dedicar ao estudo aprofundado da lei de Moisés podiam realmente dar-se ao luxo de seguir as minúcias da Lei Mosaica. Os escribas e mestres da Lei, portanto eram admirados como homens respeitáveis, como homens de certo modo mais próximos de Deus do que a maioria.
Jesus diz “se a vossa justiça não superar a deles não entrareis no Reino dos Céus”. E os ouvintes certamente se perguntam: “Como? Se eu não consigo chegar nem ao que eles fazem, não tenho condições objetivas... quanto mais superar. Então ninguém entra: nem eles nem eu”. E São Paulo diz aos gregos de Corinto uma coisa parecida ao que Jesus fala aos seus compatriotas judeus. Ele escreve aos gregos convertidos ao cristianismo. Estes não conheciam a Lei de Moisés, mas conheciam a filosofia (a filosofia ocidental nasceu na Grécia e os gregos prezavam muito a “sofia” (=sabedoria). Então “sofia”, a sabedoria era uma grande coisa na Grécia, era muito prezada a sabedoria dos filósofos.
Paulo diz provocativamente o seguinte: entre os perfeitos (=cristãos; isso já é provocação) nós falamos de sabedoria, não da sabedoria deste mundo, quer dizer, não da sabedoria dos filósofos, nem dos poderosos deste mundo que afinal de contas estão votados à destruição, pois tudo isso vai acabar. Falamos sim da misteriosa sabedoria de Deus, escondida. Nenhum dos poderosos deste mundo conheceu esta sabedoria, mas Deus a nós o revelou através do Espírito Santo.
Eis aí: estamos diante de uma exigência. Temos que ter uma justiça, ou seja, uma perfeição religiosa, uma busca de Deus, maior do que a dos escribas e fariseus, exímios conhecedores da Palavra e atentos cumpridores dos mandamentos, e temos que ter uma sabedoria maior que a sabedoria dos sábios deste mundo para entrar no Reino dos Céus.
Que justiça é essa que supera a justiça dos fariseus, que sabedoria é essa que nos coloca acima dos sábios deste mundo?
Jesus vai dizer. O fariseu e o escriba certamente sabem que não se deve matar: “não matarás”. Eles conhecem essa lei e todas as suas subdivisões: a pena aplicada àquele que mata, as circunstâncias que atenuam e essa pena etc. É um especialista em direito, o escriba fariseu. Direito religioso-civil ao mesmo tempo, pois que a lei de Israel era religiosa e civil. O fariseu sabe, “não matarás”, então ele não mata, mas também o que está dentro do coração pouco importa porque, afinal de contas, quem vê o coração?
E Jesus diz que não basta não matar, mas que é preciso também não odiar, não alimentar o ódio porque quem odeia já é réu do juízo de Deus; quem odeia já vai ser julgado, já incorreu em culpa contra o mandamento “não matarás”, porque, no seu coração, ele matou.
Então vejam que Jesus, de fato, não veio abolir a Lei antiga; veio aperfeiçoá-la, aprofundá-la.
Ainda mais: foi dito aos antigos: “não cometerás adultério”, mas não pense que o adultério é só ir lá e fazer o “serviço”, não... Você poderá adulterar no coração, aqui dentro, alimentando voluntariamente as más inclinações e os maus desejos.
Tentado, todo mundo é tentado: eu sou e vocês são. Mas o que é que nós fazemos diante da tentação? Acolhemos, alimentamos, cultivamos? Ou rejeitamos? Procuramos seguir outro caminho no nosso coração (pois se trata do coração aqui). Como é que o coração reage diante dessas coisas? Depois: o que se divorciava devia dar à mulher uma certidão dizendo que ela estava livre para um novo casamento - foi dito aos antigos, Moisés o disse. Eu, porém vos digo; Jesus sempre diz: foi dito aos antigos eu, porém vos digo. Ele se coloca acima de Moisés: era uma grande ousadia. Isso também espantou as pessoas, bem como a segurança com que ele dizia tais coisas.
Moisés era a figura central, estava na base de todo Antigo Testamento. Quem é este que aperfeiçoa Moisés, quase corrige Moisés? Quem é este que se coloca acima de Moisés? É um grande mistério para eles. Moisés disse isso, mas eu vos digo que o divórcio não deve acontecer. Ah! Nós sabemos que muita gente sofre injustiça e é vítima de injustiças na vida conjugal, portanto essas coisas acontecem. Contudo, aqui não se trata disto, mas de uma nova união quando a união anterior é valida diante de Deus. Tal união subsiste até a morte de um dos dois, nós sabemos disso.
Foi dito aos antigos não jurarás falso; eu, porém, vos digo não jureis de maneira nenhuma, porque a pessoa veraz, como deve ser, não precisa jurar: seja o vosso sim, sim o vosso não, não, o que passar disso vem do maligno.
Temos aqui algumas coisas interessantes também, por exemplo, em relação à ofensa ou ao ódio, às injustiças praticadas irmão contra irmão. Jesus diz: “Cuidado! Tu estás caminhando para o tribunal”; estão a caminho tanto a pessoa ofendida quanto aquele que a ofendeu. Tanto o que é odiado como aquele que odeia, estão caminhando para o tribunal porque todos estão caminhando para o tribunal. Reconcilia-te com teu irmão antes de chegar ao tribunal porque, se essa reconciliação não acontecer no caminho, quando chegares lá tu vais pagar o que deves até o último centavo. O caminho é essa vida, o tribunal, é o tribunal de Deus. Temos que nos reconciliar antes de lá chegar.
Depois, em relação às coisas que nos atrapalham, que nos afastam de Deus. São obstáculos em nosso coração. Jesus diz: Se teu olho direito é para ti ocasião de queda e pecado, arranca e lança longe de ti. Se é a tua mão, corta e lança longe de ti.
Vejam bem: não adianta só cortar ou arrancar, é preciso jogar longe. Que significa isto? Temos que ter a coragem de examinar as coisas que habitualmente nos fazem pecar, que habitualmente nos afastam de Deus e, na medida do possível, cortar, eliminar essas coisas. Renunciar a determinadas circunstâncias e a determinadas ocasiões, quem sabe companhias, lugares, atividades, que normalmente nos levam a afastar-nos de Deus. Renunciar e não só renunciar, ou seja, não só cortar, mas jogar longe para não ter a tentação de procurar e pegar de volta; cortar e jogar longe.
Cada um aplique isso a si: quais são as coisas que habitualmente me afastam de Deus? O que eu posso fazer para cortar da minha vida essas circunstâncias, essas facilitações do pecado? Cada um sabe de si. Interrogue a si mesmo. O que eu estou precisando cortar e jogar longe de mim? Jesus está esperando essa atitude, essa resposta.
Pois bem, meus irmãos, ao falar de lei - e com isso quero concluir -, a Lei de Deus, a Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, a nova Lei que Ele aperfeiçoa e traz para nós, as pessoas têm uma reação “alérgica”, vamos dizer assim. Mesmo na Igreja, porque lei lembra a muita gente imposição, limitação da liberdade e assim por diante. Mas essa é uma falsa idéia, porque a razão de ser da Lei do Senhor não é nos sufocar, não é nos fazer infelizes; mas nos proteger, como ouvimos na primeira leitura: Se quiseres - observe: - se quiseres, observar os mandamentos eles te guardarão, eles te protegerão.
Quem segue os caminhos do Senhor, quem busca fazer o que Deus manda, evitar e o que Deus não aprova, está mais seguro em todos os sentidos – físico, espiritual e psíquico – do aquele que se expõe às coisas que Deus não aprova. E porque que Deus não aprova? Porque sabe que são ruins para o ser humano.
Se confias em Deus, dizia a leitura, tu também viverás. Confiar que Ele sabe o que é melhor para mim e quer o melhor para mim, mais do que eu mesmo saberia ou poderia querer.
Diante de ti, continua, Ele colocou o fogo e a água; para o que quiseres tu podes estender a mão. Ele não impede de ninguém estender a mão para o fogo, não obriga ninguém a estender a mão para a água; tu podes escolher, mas depois as consequências, já sabes do quais serão.
Deus não precisa se dar ao trabalho de castigar quem lhe desobedece.
Deus não precisa se dar o trabalho sequer de recompensar a quem lhe obedece.
Por quê? O sofrimento e a pena do pecado já estão embutidos no próprio pecado, e mais cedo ou mais tarde se manifesta. Faz parte do pacote, vem como brinde, é um bônus. Da mesma forma a recompensa da virtude também já vem incluída no pacote. Deus não precisa se dar ao trabalho e distribuir recompensas e castigos.
Diante do homem, portanto, está a vida e a morte, o bem e o mal. Ele receberá o que preferir.
Nós estamos aqui para receber a vida.
A Palavra de Deus é vida, os mandamentos de Deus são caminho de vida.
A Eucaristia é alimento da nossa vida; vida em plenitude. É o início do que teremos no Céu.
Bendito seja Deus, portanto, que aqui nos reuniu para nos dar vida, para nos guiar nos caminhos da vida que, começada no Batismo um dia recebido, se alimenta na Eucaristia e se conclui gloriosamente no seu Reino.
Proferida e revisada pelo padre Sérgio Muniz em 13 de fevereiro de 2011.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Livro do Eclesiástico: (Eclo 15,16-21)
Salmo: [Sl 118(119)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 2,6-10)
Evangelho: Mateus (Mt 5,17-37)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
sábado, 26 de fevereiro de 2011
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Homilia do 5º Domingo do Tempo Comum
Transcrição da Homilia do 5º Domingo do Tempo Comum
Daqui a pouco, as donas de casa estarão no afã de colocar a mesa para as suas famílias. Algumas já vieram até mais cedo porque vão receber visita ou porque vão visitar alguém, que também terá trabalho de colocar a mesa, fazer a comida e às vezes acontecem coisas, imprevistos enfim... Como uma vez que me meti a fazer algo na cozinha (de vez em quando eu faço isso, e às vezes funciona). Estava tudo em ordem, os temperos muito bem dosados e tudo preparado com cuidado, o cheiro estava bom, o aspecto maravilhoso. Só que na hora de colocar na boca... Hem... Faltou sal. Uma tragédia. Cria-se toda uma expectativa: o cheiro convida, as pessoas esperam e chega na hora... Sem sal! E não resolve colocar por cima porque, não vai ser absorvido por igual.
Sabemos a falta que faz, portanto, aquele pouco de sal, que é tão pouco em relação à quantidade da comida, mas tão necessário.
Jesus diz que nós somos o sal da terra e a luz do mundo. O mundo, por si mesmo, não tem sabor ou até tem, mas falta-lhe alguma coisa. Nós sentimos isso.
Há quem procure saciar a sua fome, o seu paladar comendo de tudo que o mundo oferece sem nem distinguir se convém ou não convém, se aproxima de Deus ou se afasta d’Ele, vai comendo numa avidez como se aquilo fosse resolver a fome do seu coração. Mas aos poucos fica uma frustração. Frustração devida a quê, se eu como de tudo o que o mundo oferece? Se eu tenho acesso a tudo? Falo das pessoas que tem acesso a tudo o que o dinheiro pode comprar inclusive, mas também ao comum dos mortais dentro de suas possibilidades.
Come-se de tudo e sempre falta algo! A fome aumenta! Quem dará esse sabor ao mundo, esse ‘não-sei-quê’ que tanta falta faz?
Os melhores temperos, os molhos mais refinados, as preparações mais complexas, e artesanais da cozinha de todos os tempos, não superaram a falta do sal. Quem dará sabor ao mundo se não nós, os discípulos de Cristo? Quem tirará o mundo dessa situação insossa, espiritualmente insossa, que o caracteriza se não nós, os discípulos de Cristo?
Se nós perdermos o nosso sabor próprio, que é o de Cristo, de que serviremos? Somos cristãos em vão.
Quem pode ainda preservar o mundo do apodrecimento? Aliás, vemos coisas podres a cada passo. Na época de Jesus, não havia refrigeração, e os judeus não podiam aplicar sequer o método de conservar na banha de porco como nossas avós (simplesmente porque eles não comiam porco, proibido pela lei de Moisés). Única maneira era salgar a carne e o peixe. Nós conhecemos isso também. O sal evita a corrupção, o apodrecimento.
O mundo apodrece, o mundo gangrena, o mundo fede ao nosso redor, porque talvez não estejamos sendo sal no nosso ambiente. Se não detivermos o apodrecimento, pelo menos podemos diminuí-lo bastante, lá onde fomos colocados por Deus.
O cristão deve exercer sua influência positiva, mas se o sal perdesse o seu sabor, também não seria capaz de preservar do apodrecimento. E quanto ao sal, do tempero pelo menos, sabemos que basta pouco.
A força não está na sua quantidade, mas na sua identidade, ou seja, naquilo que ele é. Se o sal abrisse mão de ser o que é, então, por mais que se colocasse, nada adiantaria. Nós não estamos salgando o mundo, não estamos preservando nem temperando o mundo não é porque somos poucos ou, como dizem alguns alarmistas, cada vez menos. Não é por isso que não conseguimos. É porque estamos perdendo o sabor. Em outras palavras, estamos perdendo a nossa identidade, aquilo que nos deveria diferenciar; estamos cada vez mais iguais. Todo mundo pensando como todo mundo, falando como todo mundo, vivendo como todo mundo, achando o que todo mundo acha, repetindo as mesmas coisas sem pensar, engolindo sem primeiro sentir que gosto tem para ver se deve ser cuspido ou se deve ser engolido. Por isso perdemos a identidade e, com ela, o poder de salgar e o poder de preservar do apodrecimento.
Quanto à luz, pensemos não na luz elétrica que na época de Jesus também não havia, mas na vela, na tocha, no lampião. Eles prestam um serviço e por isso devem aparecer.
Atenção: há duas maneiras de aparecer: alguém pode aparecer chamando atenção sobre si mesmo, fazendo-se o centro das atenções, ou pode aparecer prestando um serviço como o candeeiro, como a vela, como a tocha, que aparecem pela luz que carregam em favor dos demais. E não é para aparecer que o fazem, mas para que as pessoas possam enxergar. Inevitavelmente aparecem, mas não é esse o objetivo. Nosso objetivo não é aparecer, embora inevitavelmente apareçamos caso façamos o que devemos fazer. Não devo buscar aparecer, mas fazer o que deve ser feito. Se, como conseqüência, eu apareço, glória a Deus por isso e não a mim, porque a vela não se pode orgulhar da chama que carrega; ela não produziu aquela chama, mas a recebeu. Ela é mera portadora; a chama é um dom, e como dom deve-se proteger e alimentar, pois, se não for protegido, não for alimentado, vai perder-se.
Eis que, no Batismo, nós recebemos a luz de Cristo. Quem já participou em idade adulta ou pelo menos se lembra de uma celebração de Batismo lembra que existe um rito no qual a vela é acesa no Círio Pascal (o qual representa o Cristo Ressuscitado). A chama da ressurreição de Cristo é dada ao recém-batizado: um símbolo litúrgico de uma realidade invisível que se opera no interior da criatura; quando sou Batizado, dentro de mim se acende a luz do Cristo Ressuscitado.
Essa luz deve ser protegida e alimentada como qualquer chama. Por exemplo, se nós tivéssemos velas nas mãos agora teremos que protegê-la contra o vento desses ventiladores ou desligá-los momentaneamente para que não se apagassem.
Quantos e quais são os ventos que sopram buscando apagar a chama que Cristo acendeu em nós? Vendavais de todas as partes. Liga-se a televisão, ventos para apagar a chama que Cristo acendeu em nós. Mamãe está descascando batatas na cozinha para o jantar e os filhinhos estão inocentemente brincando na sala, sendo alvo daquelas novelas que com muito bom humor e com muito jeito, muita simpatia, passam idéias venenosas contrárias a tudo o que Jesus ensinou. Está ligada a televisão... A criança vai absorvendo tudo, e o pior é que não tem como se defender. E depois, o trabalho que dá para desfazer isso quando chegam na adolescência e você não sabe de onde veio tudo aquilo. Criou-se um terreno fértil para que sementes de erva daninhas brotassem. Você acolheu um inimigo em casa. Isso para não falar de outros programas, cujos nomes nem merecem ser declinados, e vocês sabem quais são – não vou subestimar a inteligência de ninguém. E você também, embora não seja criança nem totalmente indefeso, é atingido por tais coisas.
São ventos que buscam apagar a chama de Cristo em nós. Ventos da opinião pública sobre os mais variados assuntos, tocando família, religião, Igreja, etc. Ventos para apagar a luz de Cristo em nós, ventos em casa, ventos no trabalho e assim por diante.
É preciso proteger a sua chama contra estes ventos; é preciso alimentá-la também. E como a alimentar? Uma chama que não se alimenta ela acaba morrendo, claro. O alimento, o combustível para essa chama é a oração diária bem feita; é o sacramento da Eucaristia, o Corpo de Cristo, e o sacramento da Penitência de quando em quando para manter-nos em condições de receber o Senhor na Eucaristia.
Nós estamos aqui, hoje como a cada domingo para reavivar esta chama e alimentá-la.
Ao sair daqui temos uma missão: vamos abraçá-la também. Cristo quer precisar de você embora pudesse fazer tudo sozinho. Ele quer precisar de você. Ao sair daqui, portanto brilhe a vossa luz que é a luz d’Ele em vós. Brilhe diante dos homens para que, vendo, glorifiquem o Pai que está nos Céus.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 06/ de fevereiro de 2011.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias (Is 58,7-10)
Salmo: [Sl 111(112)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 2,1-5)
Evangelho: Mateus (Mt 5,13-16)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
Daqui a pouco, as donas de casa estarão no afã de colocar a mesa para as suas famílias. Algumas já vieram até mais cedo porque vão receber visita ou porque vão visitar alguém, que também terá trabalho de colocar a mesa, fazer a comida e às vezes acontecem coisas, imprevistos enfim... Como uma vez que me meti a fazer algo na cozinha (de vez em quando eu faço isso, e às vezes funciona). Estava tudo em ordem, os temperos muito bem dosados e tudo preparado com cuidado, o cheiro estava bom, o aspecto maravilhoso. Só que na hora de colocar na boca... Hem... Faltou sal. Uma tragédia. Cria-se toda uma expectativa: o cheiro convida, as pessoas esperam e chega na hora... Sem sal! E não resolve colocar por cima porque, não vai ser absorvido por igual.
Sabemos a falta que faz, portanto, aquele pouco de sal, que é tão pouco em relação à quantidade da comida, mas tão necessário.
Jesus diz que nós somos o sal da terra e a luz do mundo. O mundo, por si mesmo, não tem sabor ou até tem, mas falta-lhe alguma coisa. Nós sentimos isso.
Há quem procure saciar a sua fome, o seu paladar comendo de tudo que o mundo oferece sem nem distinguir se convém ou não convém, se aproxima de Deus ou se afasta d’Ele, vai comendo numa avidez como se aquilo fosse resolver a fome do seu coração. Mas aos poucos fica uma frustração. Frustração devida a quê, se eu como de tudo o que o mundo oferece? Se eu tenho acesso a tudo? Falo das pessoas que tem acesso a tudo o que o dinheiro pode comprar inclusive, mas também ao comum dos mortais dentro de suas possibilidades.
Come-se de tudo e sempre falta algo! A fome aumenta! Quem dará esse sabor ao mundo, esse ‘não-sei-quê’ que tanta falta faz?
Os melhores temperos, os molhos mais refinados, as preparações mais complexas, e artesanais da cozinha de todos os tempos, não superaram a falta do sal. Quem dará sabor ao mundo se não nós, os discípulos de Cristo? Quem tirará o mundo dessa situação insossa, espiritualmente insossa, que o caracteriza se não nós, os discípulos de Cristo?
Se nós perdermos o nosso sabor próprio, que é o de Cristo, de que serviremos? Somos cristãos em vão.
Quem pode ainda preservar o mundo do apodrecimento? Aliás, vemos coisas podres a cada passo. Na época de Jesus, não havia refrigeração, e os judeus não podiam aplicar sequer o método de conservar na banha de porco como nossas avós (simplesmente porque eles não comiam porco, proibido pela lei de Moisés). Única maneira era salgar a carne e o peixe. Nós conhecemos isso também. O sal evita a corrupção, o apodrecimento.
O mundo apodrece, o mundo gangrena, o mundo fede ao nosso redor, porque talvez não estejamos sendo sal no nosso ambiente. Se não detivermos o apodrecimento, pelo menos podemos diminuí-lo bastante, lá onde fomos colocados por Deus.
O cristão deve exercer sua influência positiva, mas se o sal perdesse o seu sabor, também não seria capaz de preservar do apodrecimento. E quanto ao sal, do tempero pelo menos, sabemos que basta pouco.
A força não está na sua quantidade, mas na sua identidade, ou seja, naquilo que ele é. Se o sal abrisse mão de ser o que é, então, por mais que se colocasse, nada adiantaria. Nós não estamos salgando o mundo, não estamos preservando nem temperando o mundo não é porque somos poucos ou, como dizem alguns alarmistas, cada vez menos. Não é por isso que não conseguimos. É porque estamos perdendo o sabor. Em outras palavras, estamos perdendo a nossa identidade, aquilo que nos deveria diferenciar; estamos cada vez mais iguais. Todo mundo pensando como todo mundo, falando como todo mundo, vivendo como todo mundo, achando o que todo mundo acha, repetindo as mesmas coisas sem pensar, engolindo sem primeiro sentir que gosto tem para ver se deve ser cuspido ou se deve ser engolido. Por isso perdemos a identidade e, com ela, o poder de salgar e o poder de preservar do apodrecimento.
Quanto à luz, pensemos não na luz elétrica que na época de Jesus também não havia, mas na vela, na tocha, no lampião. Eles prestam um serviço e por isso devem aparecer.
Atenção: há duas maneiras de aparecer: alguém pode aparecer chamando atenção sobre si mesmo, fazendo-se o centro das atenções, ou pode aparecer prestando um serviço como o candeeiro, como a vela, como a tocha, que aparecem pela luz que carregam em favor dos demais. E não é para aparecer que o fazem, mas para que as pessoas possam enxergar. Inevitavelmente aparecem, mas não é esse o objetivo. Nosso objetivo não é aparecer, embora inevitavelmente apareçamos caso façamos o que devemos fazer. Não devo buscar aparecer, mas fazer o que deve ser feito. Se, como conseqüência, eu apareço, glória a Deus por isso e não a mim, porque a vela não se pode orgulhar da chama que carrega; ela não produziu aquela chama, mas a recebeu. Ela é mera portadora; a chama é um dom, e como dom deve-se proteger e alimentar, pois, se não for protegido, não for alimentado, vai perder-se.
Eis que, no Batismo, nós recebemos a luz de Cristo. Quem já participou em idade adulta ou pelo menos se lembra de uma celebração de Batismo lembra que existe um rito no qual a vela é acesa no Círio Pascal (o qual representa o Cristo Ressuscitado). A chama da ressurreição de Cristo é dada ao recém-batizado: um símbolo litúrgico de uma realidade invisível que se opera no interior da criatura; quando sou Batizado, dentro de mim se acende a luz do Cristo Ressuscitado.
Essa luz deve ser protegida e alimentada como qualquer chama. Por exemplo, se nós tivéssemos velas nas mãos agora teremos que protegê-la contra o vento desses ventiladores ou desligá-los momentaneamente para que não se apagassem.
Quantos e quais são os ventos que sopram buscando apagar a chama que Cristo acendeu em nós? Vendavais de todas as partes. Liga-se a televisão, ventos para apagar a chama que Cristo acendeu em nós. Mamãe está descascando batatas na cozinha para o jantar e os filhinhos estão inocentemente brincando na sala, sendo alvo daquelas novelas que com muito bom humor e com muito jeito, muita simpatia, passam idéias venenosas contrárias a tudo o que Jesus ensinou. Está ligada a televisão... A criança vai absorvendo tudo, e o pior é que não tem como se defender. E depois, o trabalho que dá para desfazer isso quando chegam na adolescência e você não sabe de onde veio tudo aquilo. Criou-se um terreno fértil para que sementes de erva daninhas brotassem. Você acolheu um inimigo em casa. Isso para não falar de outros programas, cujos nomes nem merecem ser declinados, e vocês sabem quais são – não vou subestimar a inteligência de ninguém. E você também, embora não seja criança nem totalmente indefeso, é atingido por tais coisas.
São ventos que buscam apagar a chama de Cristo em nós. Ventos da opinião pública sobre os mais variados assuntos, tocando família, religião, Igreja, etc. Ventos para apagar a luz de Cristo em nós, ventos em casa, ventos no trabalho e assim por diante.
É preciso proteger a sua chama contra estes ventos; é preciso alimentá-la também. E como a alimentar? Uma chama que não se alimenta ela acaba morrendo, claro. O alimento, o combustível para essa chama é a oração diária bem feita; é o sacramento da Eucaristia, o Corpo de Cristo, e o sacramento da Penitência de quando em quando para manter-nos em condições de receber o Senhor na Eucaristia.
Nós estamos aqui, hoje como a cada domingo para reavivar esta chama e alimentá-la.
Ao sair daqui temos uma missão: vamos abraçá-la também. Cristo quer precisar de você embora pudesse fazer tudo sozinho. Ele quer precisar de você. Ao sair daqui, portanto brilhe a vossa luz que é a luz d’Ele em vós. Brilhe diante dos homens para que, vendo, glorifiquem o Pai que está nos Céus.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 06/ de fevereiro de 2011.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias (Is 58,7-10)
Salmo: [Sl 111(112)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 2,1-5)
Evangelho: Mateus (Mt 5,13-16)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
Homilia do 4º domingo do Tempo Comum
Transcrição da Homilia do 4º Domingo do Tempo Comum
Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos se aproximaram e Ele começou a ensinar-lhes.
Para quem conhece o Antigo Testamento, como era o caso dos cristãos a quem Mateus dirigiu o seu Evangelho (eram judeus convertidos à fé em Jesus Cristo) essa cena traz à mente outra cena muito importante: Moisés que sobe o monte Sinai enquanto o povo fica esperando em baixo até que ele receba de Deus a Lei para trazer-lhes. Naquela ocasião, segundo a narração do Livro do Êxodo, o monte Sinai tremia desde as bases até o topo. Havia uma chama como de uma grande fornalha no topo do monte. A fumaça subia como de um vulcão. Não bastasse o tremor de terra, ainda se ouvia um som de trombeta que aumentava incessantemente. O povo recebeu instrução de ficar longe das raízes do monte. Havia uma distância além da qual não era permitido chegar. E assim, com terríveis fenômenos, extraordinárias demonstrações do poder divino, o monte não podia ser tocado porque Deus tinha descido ao Sinai. O monte não podia ser tocado porque ele, agora, era o trono de Deus na terra. Só Moises subiu até lá para dialogar com Deus e falar ao povo depois.
Com todas essas restrições e diante de tais fenômenos, o povo ficou aterrorizado, amedrontado com a grandiosidade daquela teofania: era necessário porque eles vieram do Egito, onde se adoravam deuses com forma humana e com forma de animais também. Eles precisavam compreender que o Deus de Israel era diferente e que aqueles deuses do Egito não eram páreo para Ele. Era necessário para dar-lhes a noção da grandeza e transcendência de Deus.
Mas, agora, Jesus sobe a um monte não tão alto (o monte das “Bem Aventuranças” na Terra Santa é um morro, uma colina). Jesus sobe ao monte e não vai sozinho a falar com o Pai para trazer a Lei aos discípulos. Pelo contrário, Jesus os chama a si, todos sobem com ele. E agora de modo muito familiar, face a face, Deus fala aos homens na Pessoa do seu Filho.
Vejam que semelhança e que diferença. Semelhança e diferença, aliás, muito intencionais porque Mateus quer apresentar aos cristãos daquela primeira hora Jesus como o novo e definitivo Moises, aquele que dá a palavra definitiva de Deus, aquele que aperfeiçoa a Lei antiga, que não vem abolir a lei de Moises, mas vai levá-la ao seu ponto de perfeição, ao seu pleno cumprimento.
Todos o trecho dos capítulos cinco, seis e sete de São Mateus constituem justamente o “Sermão da Montanha” onde Jesus, novo Moises, e muito acima de Moises dá ao povo a “Nova Lei”. Esta “Nova Lei” começa justamente com o trecho que nós ouvimos hoje: as chamadas “Bem Aventuranças”, onde Jesus propõe aos seus discípulos as coisas desprezíveis ou desprezadas pelo mundo, invertendo a maneira de pensar desse mundo em que nós vivemos e diz: A felicidade não está nas coisas que estão dizendo por aí, nem a realização, nem a salvação, mas exatamente no contrário. Quem quiser realizar-se nesta vida e salvar-se na outra é preciso que troque os valores do mundo por esses novos valores; é preciso que abrace certas coisas que o mundo despreza e despreze certas coisas que o mundo preza e abraça.
Bem aventurados são os pobres em espírito, não os orgulhosos; os aflitos, não os que afligem; os mansos e não os guerreiros; os que sofrem porque desejam a justiça que não vêem e não aqueles que praticam a injustiça e permanecem impunes; os que fazem misericórdia e não os que dão o troco; os puros de coração e não aqueles que se emporcalham com as impurezas oferecidas por esse mundo; os que promovem a paz e não aqueles que vencem a guerra; os perseguidos por causa da justiça e não os perseguidores; os que sofrem por causa de Cristo e não aqueles que buscam triunfar sem Deus e de Deus.
Portanto, uma inversão total. E quase como se Jesus dissesse: se você quiser se realizar, se você quiser se salvar é preciso fazer o contrário do que dizem por aí. Quase sempre esse critério se aplica. É o contrário do que o mundo diz na televisão, o contrário do que ele diz na opinião pública e assim por diante.
É o que São Paulo na Primeira Leitura chamava de “loucura” e “fraqueza”: Deus escolheu as coisas, Deus escolheu o que o mundo considera fraco para confundir o que é forte; Deus escolheu o que o mundo considera estúpido para confundir os sábios; Deus escolheu o que para o mundo é sem importância para mostrar a inutilidade do que se considera importante. E se nós lermos – é bom que façam em casa – a Primeira Carta aos Coríntios, de onde é tirada essa leitura, se lermos ao menos esse primeiro capítulo e quem sabe mais um pouco, veremos o que Paulo fala da loucura e da fraqueza de Deus: a loucura de Deus é mais sábia que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. Que diremos, então, da força e a sabedoria de Deus?...
Mas o que é a loucura de Deus? E o que é a fraqueza de Deus? O que está por trás dessas expressões enigmáticas de Paulo?
Seria Deus louco? Seria fraco?
A loucura de Deus e a fraqueza de Deus são a cruz de Cristo.
Olhando para a cruz, humanamente nós vemos loucura e fraqueza, mas se mergulharmos com os olhos da fé vamos descobrir uma força insuperável e uma sabedoria sem limites. Paulo vai dizer também que: Já que o mundo não aceitou ser salvo pela sabedoria, Deus resolveu falar a linguagem da loucura. Afinal de contas, Ele está falando com loucos: “vamos caprichar na loucura... quem sabe agora eles entendem”. Se não entendem pela sabedoria o amor de Deus vão entender, talvez, pela loucura da cruz. Também poderíamos dizer que, se o mundo está pelo avesso em razão do pecado original e dos pecados pessoais de todos os homens, é preciso virá-lo do avesso de novo para colocar do lado direito, pois o avesso do avesso é o direito.
Jesus propõe o avesso dos valores desse mundo, propõe o contrário. Vira tudo de cabeça para baixo, vira tudo do avesso, pois sabe que precisa corrigir o mundo que está do avesso e de pernas para o ar.
Quem assume os valores do Evangelho, quem vive esses valores, está aceitando ser ‘desvirado’, colocado no lado direito, quem vive os valores do mundo permanece do avesso.
Deus, muitas vezes, age e se manifesta sob a aparência do contrário. A cruz é aparentemente fraqueza, mas de fato é força de Deus, aparentemente é loucura, mas é sabedoria de Deus. E Deus escolhe os menores, os pequenos, os sem importância como diz o apóstolo: considerai irmãos, fostes chamados por Deus entre vós não há muitos sábios, de sabedoria humana, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Através desses principalmente que Deus quer agir.
No fundo esse é o mistério do cristianismo, é o mistério da Páscoa: vida que brota da morte, vitória que brota da aparente derrota; luz que vem das trevas. Só Deus pode fazer isso.
E assim o Apóstolo dirá, nós ouvimos: ninguém poderá gloriar-se diante de Deus; porque o que é que eu tenho de meu? Nada! De meu próprio, a única coisa que tenho, que não recebi de Deus, são os meus pecados... Só. Todo o resto, tudo de bom que eu tenho (e devo ter algumas coisas boas como você também...), tudo de bom que tenho, que sou, devo a Deus, recebi de Deus; única coisa que não recebi d’Ele, que é meu próprio, são os meus pecados. Isso nos coloca no nosso devido lugar.
“Eu sou”, “eu consegui”, “eu fiz”, “eu conquistei”, “eu mereci”... Todas essas expressões e seus respectivos sentimentos são, assim, desmascarados e descartados. Somos reduzidos à nossa real insignificância. E quando admitimos nossa fraqueza e abraçamos a Cristo Crucificado, Ele nos torna fortes e nos ressuscita com Ele. Portanto quem se gloria, glorie-se no Senhor, concluirá Paulo, porque só Ele pode fazer brotar luz da nossa escuridão, só Ele pode transformar a nossa fraqueza em força, a nossa morte em vida nova.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 30/1/2011
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Profecia de Sofonias (Sf 2,3; 3,12-13)
Salmo: [Sl 145(146)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,26-31)
Evangelho: Mateus (Mt 5,1-12a)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos se aproximaram e Ele começou a ensinar-lhes.
Para quem conhece o Antigo Testamento, como era o caso dos cristãos a quem Mateus dirigiu o seu Evangelho (eram judeus convertidos à fé em Jesus Cristo) essa cena traz à mente outra cena muito importante: Moisés que sobe o monte Sinai enquanto o povo fica esperando em baixo até que ele receba de Deus a Lei para trazer-lhes. Naquela ocasião, segundo a narração do Livro do Êxodo, o monte Sinai tremia desde as bases até o topo. Havia uma chama como de uma grande fornalha no topo do monte. A fumaça subia como de um vulcão. Não bastasse o tremor de terra, ainda se ouvia um som de trombeta que aumentava incessantemente. O povo recebeu instrução de ficar longe das raízes do monte. Havia uma distância além da qual não era permitido chegar. E assim, com terríveis fenômenos, extraordinárias demonstrações do poder divino, o monte não podia ser tocado porque Deus tinha descido ao Sinai. O monte não podia ser tocado porque ele, agora, era o trono de Deus na terra. Só Moises subiu até lá para dialogar com Deus e falar ao povo depois.
Com todas essas restrições e diante de tais fenômenos, o povo ficou aterrorizado, amedrontado com a grandiosidade daquela teofania: era necessário porque eles vieram do Egito, onde se adoravam deuses com forma humana e com forma de animais também. Eles precisavam compreender que o Deus de Israel era diferente e que aqueles deuses do Egito não eram páreo para Ele. Era necessário para dar-lhes a noção da grandeza e transcendência de Deus.
Mas, agora, Jesus sobe a um monte não tão alto (o monte das “Bem Aventuranças” na Terra Santa é um morro, uma colina). Jesus sobe ao monte e não vai sozinho a falar com o Pai para trazer a Lei aos discípulos. Pelo contrário, Jesus os chama a si, todos sobem com ele. E agora de modo muito familiar, face a face, Deus fala aos homens na Pessoa do seu Filho.
Vejam que semelhança e que diferença. Semelhança e diferença, aliás, muito intencionais porque Mateus quer apresentar aos cristãos daquela primeira hora Jesus como o novo e definitivo Moises, aquele que dá a palavra definitiva de Deus, aquele que aperfeiçoa a Lei antiga, que não vem abolir a lei de Moises, mas vai levá-la ao seu ponto de perfeição, ao seu pleno cumprimento.
Todos o trecho dos capítulos cinco, seis e sete de São Mateus constituem justamente o “Sermão da Montanha” onde Jesus, novo Moises, e muito acima de Moises dá ao povo a “Nova Lei”. Esta “Nova Lei” começa justamente com o trecho que nós ouvimos hoje: as chamadas “Bem Aventuranças”, onde Jesus propõe aos seus discípulos as coisas desprezíveis ou desprezadas pelo mundo, invertendo a maneira de pensar desse mundo em que nós vivemos e diz: A felicidade não está nas coisas que estão dizendo por aí, nem a realização, nem a salvação, mas exatamente no contrário. Quem quiser realizar-se nesta vida e salvar-se na outra é preciso que troque os valores do mundo por esses novos valores; é preciso que abrace certas coisas que o mundo despreza e despreze certas coisas que o mundo preza e abraça.
Bem aventurados são os pobres em espírito, não os orgulhosos; os aflitos, não os que afligem; os mansos e não os guerreiros; os que sofrem porque desejam a justiça que não vêem e não aqueles que praticam a injustiça e permanecem impunes; os que fazem misericórdia e não os que dão o troco; os puros de coração e não aqueles que se emporcalham com as impurezas oferecidas por esse mundo; os que promovem a paz e não aqueles que vencem a guerra; os perseguidos por causa da justiça e não os perseguidores; os que sofrem por causa de Cristo e não aqueles que buscam triunfar sem Deus e de Deus.
Portanto, uma inversão total. E quase como se Jesus dissesse: se você quiser se realizar, se você quiser se salvar é preciso fazer o contrário do que dizem por aí. Quase sempre esse critério se aplica. É o contrário do que o mundo diz na televisão, o contrário do que ele diz na opinião pública e assim por diante.
É o que São Paulo na Primeira Leitura chamava de “loucura” e “fraqueza”: Deus escolheu as coisas, Deus escolheu o que o mundo considera fraco para confundir o que é forte; Deus escolheu o que o mundo considera estúpido para confundir os sábios; Deus escolheu o que para o mundo é sem importância para mostrar a inutilidade do que se considera importante. E se nós lermos – é bom que façam em casa – a Primeira Carta aos Coríntios, de onde é tirada essa leitura, se lermos ao menos esse primeiro capítulo e quem sabe mais um pouco, veremos o que Paulo fala da loucura e da fraqueza de Deus: a loucura de Deus é mais sábia que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. Que diremos, então, da força e a sabedoria de Deus?...
Mas o que é a loucura de Deus? E o que é a fraqueza de Deus? O que está por trás dessas expressões enigmáticas de Paulo?
Seria Deus louco? Seria fraco?
A loucura de Deus e a fraqueza de Deus são a cruz de Cristo.
Olhando para a cruz, humanamente nós vemos loucura e fraqueza, mas se mergulharmos com os olhos da fé vamos descobrir uma força insuperável e uma sabedoria sem limites. Paulo vai dizer também que: Já que o mundo não aceitou ser salvo pela sabedoria, Deus resolveu falar a linguagem da loucura. Afinal de contas, Ele está falando com loucos: “vamos caprichar na loucura... quem sabe agora eles entendem”. Se não entendem pela sabedoria o amor de Deus vão entender, talvez, pela loucura da cruz. Também poderíamos dizer que, se o mundo está pelo avesso em razão do pecado original e dos pecados pessoais de todos os homens, é preciso virá-lo do avesso de novo para colocar do lado direito, pois o avesso do avesso é o direito.
Jesus propõe o avesso dos valores desse mundo, propõe o contrário. Vira tudo de cabeça para baixo, vira tudo do avesso, pois sabe que precisa corrigir o mundo que está do avesso e de pernas para o ar.
Quem assume os valores do Evangelho, quem vive esses valores, está aceitando ser ‘desvirado’, colocado no lado direito, quem vive os valores do mundo permanece do avesso.
Deus, muitas vezes, age e se manifesta sob a aparência do contrário. A cruz é aparentemente fraqueza, mas de fato é força de Deus, aparentemente é loucura, mas é sabedoria de Deus. E Deus escolhe os menores, os pequenos, os sem importância como diz o apóstolo: considerai irmãos, fostes chamados por Deus entre vós não há muitos sábios, de sabedoria humana, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Através desses principalmente que Deus quer agir.
No fundo esse é o mistério do cristianismo, é o mistério da Páscoa: vida que brota da morte, vitória que brota da aparente derrota; luz que vem das trevas. Só Deus pode fazer isso.
E assim o Apóstolo dirá, nós ouvimos: ninguém poderá gloriar-se diante de Deus; porque o que é que eu tenho de meu? Nada! De meu próprio, a única coisa que tenho, que não recebi de Deus, são os meus pecados... Só. Todo o resto, tudo de bom que eu tenho (e devo ter algumas coisas boas como você também...), tudo de bom que tenho, que sou, devo a Deus, recebi de Deus; única coisa que não recebi d’Ele, que é meu próprio, são os meus pecados. Isso nos coloca no nosso devido lugar.
“Eu sou”, “eu consegui”, “eu fiz”, “eu conquistei”, “eu mereci”... Todas essas expressões e seus respectivos sentimentos são, assim, desmascarados e descartados. Somos reduzidos à nossa real insignificância. E quando admitimos nossa fraqueza e abraçamos a Cristo Crucificado, Ele nos torna fortes e nos ressuscita com Ele. Portanto quem se gloria, glorie-se no Senhor, concluirá Paulo, porque só Ele pode fazer brotar luz da nossa escuridão, só Ele pode transformar a nossa fraqueza em força, a nossa morte em vida nova.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 30/1/2011
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Profecia de Sofonias (Sf 2,3; 3,12-13)
Salmo: [Sl 145(146)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,26-31)
Evangelho: Mateus (Mt 5,1-12a)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Homilia do 3º domingo do Tempo Comum
Transcrição da Homilia do 3º Domingo do Tempo Comum
Continuamos acompanhando os primeiros passos da missão pública de Jesus, da sua atuação desde o seu Batismo, e hoje ouvimos o relato de uma nova fase da missão do Senhor. Antes Ele estava na região da Judéia, ao Sul, onde foi Batizado por João Batista. Depois que João Batista morre, Ele retorna para o Norte, para a Galiléia, região onde fora criado. A cidade da sua infância era Nazaré, mas Ele vai para outra cidade às margens do mar da Galiléia, Cafarnaum, cidade onde Pedro e André, Tiago e João exerciam a profissão de pescadores; ouvimos.
A ida de Jesus para essa região da Galiléia é significativa porque já o Profeta Isaías, tinha anunciado que naquela região brilharia a Luz da salvação. Ouçamos novamente a profecia: No tempo passado, o Senhor humilhou a terra de Zabulon e a terra de Neftali, mas agora cobriu de glória o caminho do mar, do além Jordão, da Galiléia das nações (ou dos pagãos). E mais: o povo que andava na escuridão viu uma grande Luz.
Essas palavras são quase textualmente repetidas pelo Evangelista Mateus, que cita a profecia baseando assim o seu anúncio de Jesus como Aquele de quem falaram Isaias e os outros profetas.
Porque era importante que a Luz brilhasse naquela região? E porque era chamada região de escuridão ou de trevas? Já o título “Galiléia dos pagãos” nos dá uma pista, mas temos que recuar um bocado na História. Vamos ao oitavo século antes de Cristo, época dessa profecia de Isaias. Naquela época o povo de Israel estava dividido em dois reinos: o Reino do Norte, ao qual pertencia a Galiléia, e o Reino do Sul. O Reino do Norte se chamava Israel e o Reino do Sul, Judá.
O Reino do Norte, Israel, sofreu naquele período, um assédio da parte dos assírios, que vinham lá da Mesopotâmia entre os rios Tigre e Eufrates, daquela área dos atuais Irã e Iraque (tão cara à História e à geopolítica universal até os dias de hoje, vocês sabem...) então, os assírios vieram de lá e tomaram conta do Reino do Norte, anexaram-no ao Império Assírio e tomaram uma precaução para que aquela terra não se reerguesse e não buscasse sua independência tão facilmente. O que fizeram? Tiraram boa parte da população de lá e levaram para a Mesopotâmia e também pegaram gente de lá da Mesopotâmia, colonos assírios, e puseram aqui em baixo, na terra conquistada.
Com esta mistura, o povo israelita ficava enfraquecido culturalmente, religiosamente, sobretudo – porque a religião era a grande força de Israel, único povo que, na antiguidade, conhecia e adorava o Deus único, criador do céu e da terra, diferentemente dos outros povos em redor, que adoravam os seus deuses, tinham suas mitologias. Colocando ali os estrangeiros, os pagãos assírios, a religião de Israel se enfraquecia e, enfraquecendo a religião, enfraquecia-se tudo, porque o coração de Israel era a fé no Deus único. Então o pouco povo que restou em na terra conquistada teve a sua fé, aos poucos, contaminada por práticas pagãs, superstições, misturas, enfim, numa espécie de sincretismo religioso.
Historicamente, o Brasil é de evangelização recente, quinhentos e poucos anos não é nada diante da velha Europa. A Europa já teve tempo de se converter ao cristianismo e agora está voltando atrás, ao paganismo. Aqui a muita gente custa a deixar expressões pagãs de religiosidade. Uma das piores coisas que pode haver é essa mistura, porque Deus não tolera a mentira, não tolera o falso, não tolera a idolatria. Deus não aceita ser misturado ou confundido com o que Deus não é...
Se folhearmos a Bíblia com calma, sobretudo o Antigo Testamento, vamos ver que um dos pecados mais repreendidos ao povo era o pecado da idolatria, ou seja, fazer ‘fezinha’ no deus do vizinho, nos outros deuses.
A idolatria é tratada pela Bíblia de adultério, porque devemos fidelidade a Deus. Ele é o único Senhor. Então a fé daquela gente da Galiléia andava muito prejudicada em virtude daquela herança histórica. Na época de Jesus talvez fosse um pouco melhor, mas nem tanto. Oito séculos fazem alguma diferença, mas algumas coisas resistem aos séculos.
Jesus escolhe aquele lugar que a profecia de Isaías aponta para ali fazer brilhar os primeiros lampejos do Reino de Deus: convertei-vos: o Reino de Deus está próximo.
Jesus mesmo é o início deste Reino no meio daquela gente. Ele não para por aí. Não só anuncia o Reino, mas também chama os seus primeiros discípulos, que mais tarde estarão no grupo dos doze Apóstolos: Pedro e seu irmão André, Tiago e seu irmão João. Esses são os primórdios, as primícias dos discípulos de Jesus. Passa Jesus pelos pescadores e simplesmente diz: segui-me; farei de vós pescadores de homens.
A uz ilumina e quem é iluminado reflete a luz. Se estivermos todos no escuro e alguém se aproximar de uma luz, por exemplo, de uma vela, todos que estão aqui vão enxergar a face desta pessoa. Quanto mais ele se aproximar da luz, mais luz ele vai refletir, melhor vamos enxergar. Quem se aproxima da luz é iluminado, quem é iluminado ilumina, reflete a luz.
A lua, que maravilha quando brilha no céu, à noite, sobretudo quando é lua cheia... Temos aí uns cartões postais do Cristo Redentor com a lua por trás, belíssima e de cores variadas. Às vezes aparece avermelhada, às vezes branca e assim por diante...
Aquela luz, no entanto, não é dela; é do sol. Ela a reflete.
Se nós estivéssemos na lua, veríamos a terra brilhando, azul, luminosa, mas a luz é do sol refletido na face da terra.
Assim também, quando nos aproximamos de Deus, inevitavelmente somos iluminados e refletimos, ou seja, nos tornamos iluminadores.
Jesus ilumina aqueles que estão nas sombras, nas trevas; chama-os a si: vinde, segui-me. E faz deles iluminadores, porque eles vão espalhar o Evangelho, vão dar de graça o que de graça receberam.
Para que é que estamos aqui, para que é que nos reunimos sempre aqui em torno desse altar, celebrando aos domingos a Eucaristia, ouvindo a Palavra de Deus, senão para sermos iluminados, nós que habitamos na região das trevas, nós que habitamos na Galiléia dos pagãos?
Vimos buscar a Luz para não ficar no escuro, mas não só: queremos ser também refletores desta Luz para o mundo.
Não há como se aproximar da Luz e não refletir a Luz. Se não se reflete é porque não se foi iluminado. Se se foi iluminado, vai-se refletir.
Lá fora, na Galiléia dos pagãos, temos que refletir essa Luz que foi recebida, ou então não fomos iluminados, ou então não nos aproximamos, melhor, não deixamos que o Cristo se aproximasse.
E, vejam, ele chama pessoas diferentes: dois irmãos, depois outros dois irmãos. Todos nós, ou a maioria de nós, têm irmãos e sabemos como os irmãos são diferentes; como são , às vezes, diametralmente opostos. No Evangelho, temos sinais do temperamento desses discípulos mostrando como eles eram realmente muito diferentes uns dos outros, mas Cristo faz a unidade. Ele é à base da unidade. Eis aí porque o apóstolo Paulo repreendia os cristãos da comunidade de Corinto porque eles estavam divididos, uns dizendo: eu sou de Paulo, outros dizendo: eu sou de Apolo, outros dizendo: eu sou de Cefas (Cefas é Pedro, é a forma aramaica do nome Pedro), outro, eu não sou de ninguém, eu sou é de Cristo...
Ora, diz o Apóstolo, será que Cristo está dividido?!
É natural que até na Igreja as pessoas digam: eu gosto mais da Missa daquele padre, da pregação daquele outro; eu não tenho muita simpatia por esse, gosto mais daquele, e assim por diante, mas isso não deve ser motivo para rejeitar os outros ou para fazer partidos que se choquem e briguem entre si.
Às vezes está alguém à frente de um trabalho e depois vem uma outra pessoa que assume aquele posto. Se Cristo não está dividido, nós temos que acolher aquele quem vem em nome do Senhor, seja o novo sacerdote que entrou na paróquia, seja ele o responsável por deter minado trabalho da minha repartição ou na própria Igreja; devo acolher aquele que é enviado por Deus porque Cristo não está dividido. Quando essa divisão se opera, a luz que Cristo projeta sobre nós vai se extinguindo, vai diminuindo, até novamente na escuridão.
Será que foi Paulo crucificado por amor de vós? Ou Pedro? Ou Apolo? Não. Foi Cristo!
Então lembro-me da sequência dessa leitura (que não está aqui no trecho do lecionário) onde o Apóstolo diz, como fecho do discurso: tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus.
Se guardarmos isto no coração, guardaremos também a luz do Senhor refletida sobre nós. Concluo chamando em causa uma curiosidade, importantíssima, aliás, neste contexto. Na Igreja primitiva, na época dos Apóstolos e logo depois, nos primeiros séculos, o Batismo era chamado por muitos nomes. Um dos principais nomes era justamente: “iluminação”. Agora então, como Batizados que somos, tiremos a nossa conclusão prática, pois que fomos iluminados em Cristo.
Ao sair, façamos como o Senhor. Pelo nosso procedimento, pela nossa postura, pelas nossas palavras, pelas nossas opções, vamos anunciar ao mundo: Convertei-vos o Reino dos Céus está próximo.
Proferida e conferida pelo padre Sérgio Muniz em 23 de janeiro de 2011
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias (Is 8,21b-9,3)
Salmo: [Sl 269270]
Segunda Leitura: Primeira carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,10-13.17)
Evangelho: Mateus (Mt 4,12-23)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
Continuamos acompanhando os primeiros passos da missão pública de Jesus, da sua atuação desde o seu Batismo, e hoje ouvimos o relato de uma nova fase da missão do Senhor. Antes Ele estava na região da Judéia, ao Sul, onde foi Batizado por João Batista. Depois que João Batista morre, Ele retorna para o Norte, para a Galiléia, região onde fora criado. A cidade da sua infância era Nazaré, mas Ele vai para outra cidade às margens do mar da Galiléia, Cafarnaum, cidade onde Pedro e André, Tiago e João exerciam a profissão de pescadores; ouvimos.
A ida de Jesus para essa região da Galiléia é significativa porque já o Profeta Isaías, tinha anunciado que naquela região brilharia a Luz da salvação. Ouçamos novamente a profecia: No tempo passado, o Senhor humilhou a terra de Zabulon e a terra de Neftali, mas agora cobriu de glória o caminho do mar, do além Jordão, da Galiléia das nações (ou dos pagãos). E mais: o povo que andava na escuridão viu uma grande Luz.
Essas palavras são quase textualmente repetidas pelo Evangelista Mateus, que cita a profecia baseando assim o seu anúncio de Jesus como Aquele de quem falaram Isaias e os outros profetas.
Porque era importante que a Luz brilhasse naquela região? E porque era chamada região de escuridão ou de trevas? Já o título “Galiléia dos pagãos” nos dá uma pista, mas temos que recuar um bocado na História. Vamos ao oitavo século antes de Cristo, época dessa profecia de Isaias. Naquela época o povo de Israel estava dividido em dois reinos: o Reino do Norte, ao qual pertencia a Galiléia, e o Reino do Sul. O Reino do Norte se chamava Israel e o Reino do Sul, Judá.
O Reino do Norte, Israel, sofreu naquele período, um assédio da parte dos assírios, que vinham lá da Mesopotâmia entre os rios Tigre e Eufrates, daquela área dos atuais Irã e Iraque (tão cara à História e à geopolítica universal até os dias de hoje, vocês sabem...) então, os assírios vieram de lá e tomaram conta do Reino do Norte, anexaram-no ao Império Assírio e tomaram uma precaução para que aquela terra não se reerguesse e não buscasse sua independência tão facilmente. O que fizeram? Tiraram boa parte da população de lá e levaram para a Mesopotâmia e também pegaram gente de lá da Mesopotâmia, colonos assírios, e puseram aqui em baixo, na terra conquistada.
Com esta mistura, o povo israelita ficava enfraquecido culturalmente, religiosamente, sobretudo – porque a religião era a grande força de Israel, único povo que, na antiguidade, conhecia e adorava o Deus único, criador do céu e da terra, diferentemente dos outros povos em redor, que adoravam os seus deuses, tinham suas mitologias. Colocando ali os estrangeiros, os pagãos assírios, a religião de Israel se enfraquecia e, enfraquecendo a religião, enfraquecia-se tudo, porque o coração de Israel era a fé no Deus único. Então o pouco povo que restou em na terra conquistada teve a sua fé, aos poucos, contaminada por práticas pagãs, superstições, misturas, enfim, numa espécie de sincretismo religioso.
Historicamente, o Brasil é de evangelização recente, quinhentos e poucos anos não é nada diante da velha Europa. A Europa já teve tempo de se converter ao cristianismo e agora está voltando atrás, ao paganismo. Aqui a muita gente custa a deixar expressões pagãs de religiosidade. Uma das piores coisas que pode haver é essa mistura, porque Deus não tolera a mentira, não tolera o falso, não tolera a idolatria. Deus não aceita ser misturado ou confundido com o que Deus não é...
Se folhearmos a Bíblia com calma, sobretudo o Antigo Testamento, vamos ver que um dos pecados mais repreendidos ao povo era o pecado da idolatria, ou seja, fazer ‘fezinha’ no deus do vizinho, nos outros deuses.
A idolatria é tratada pela Bíblia de adultério, porque devemos fidelidade a Deus. Ele é o único Senhor. Então a fé daquela gente da Galiléia andava muito prejudicada em virtude daquela herança histórica. Na época de Jesus talvez fosse um pouco melhor, mas nem tanto. Oito séculos fazem alguma diferença, mas algumas coisas resistem aos séculos.
Jesus escolhe aquele lugar que a profecia de Isaías aponta para ali fazer brilhar os primeiros lampejos do Reino de Deus: convertei-vos: o Reino de Deus está próximo.
Jesus mesmo é o início deste Reino no meio daquela gente. Ele não para por aí. Não só anuncia o Reino, mas também chama os seus primeiros discípulos, que mais tarde estarão no grupo dos doze Apóstolos: Pedro e seu irmão André, Tiago e seu irmão João. Esses são os primórdios, as primícias dos discípulos de Jesus. Passa Jesus pelos pescadores e simplesmente diz: segui-me; farei de vós pescadores de homens.
A uz ilumina e quem é iluminado reflete a luz. Se estivermos todos no escuro e alguém se aproximar de uma luz, por exemplo, de uma vela, todos que estão aqui vão enxergar a face desta pessoa. Quanto mais ele se aproximar da luz, mais luz ele vai refletir, melhor vamos enxergar. Quem se aproxima da luz é iluminado, quem é iluminado ilumina, reflete a luz.
A lua, que maravilha quando brilha no céu, à noite, sobretudo quando é lua cheia... Temos aí uns cartões postais do Cristo Redentor com a lua por trás, belíssima e de cores variadas. Às vezes aparece avermelhada, às vezes branca e assim por diante...
Aquela luz, no entanto, não é dela; é do sol. Ela a reflete.
Se nós estivéssemos na lua, veríamos a terra brilhando, azul, luminosa, mas a luz é do sol refletido na face da terra.
Assim também, quando nos aproximamos de Deus, inevitavelmente somos iluminados e refletimos, ou seja, nos tornamos iluminadores.
Jesus ilumina aqueles que estão nas sombras, nas trevas; chama-os a si: vinde, segui-me. E faz deles iluminadores, porque eles vão espalhar o Evangelho, vão dar de graça o que de graça receberam.
Para que é que estamos aqui, para que é que nos reunimos sempre aqui em torno desse altar, celebrando aos domingos a Eucaristia, ouvindo a Palavra de Deus, senão para sermos iluminados, nós que habitamos na região das trevas, nós que habitamos na Galiléia dos pagãos?
Vimos buscar a Luz para não ficar no escuro, mas não só: queremos ser também refletores desta Luz para o mundo.
Não há como se aproximar da Luz e não refletir a Luz. Se não se reflete é porque não se foi iluminado. Se se foi iluminado, vai-se refletir.
Lá fora, na Galiléia dos pagãos, temos que refletir essa Luz que foi recebida, ou então não fomos iluminados, ou então não nos aproximamos, melhor, não deixamos que o Cristo se aproximasse.
E, vejam, ele chama pessoas diferentes: dois irmãos, depois outros dois irmãos. Todos nós, ou a maioria de nós, têm irmãos e sabemos como os irmãos são diferentes; como são , às vezes, diametralmente opostos. No Evangelho, temos sinais do temperamento desses discípulos mostrando como eles eram realmente muito diferentes uns dos outros, mas Cristo faz a unidade. Ele é à base da unidade. Eis aí porque o apóstolo Paulo repreendia os cristãos da comunidade de Corinto porque eles estavam divididos, uns dizendo: eu sou de Paulo, outros dizendo: eu sou de Apolo, outros dizendo: eu sou de Cefas (Cefas é Pedro, é a forma aramaica do nome Pedro), outro, eu não sou de ninguém, eu sou é de Cristo...
Ora, diz o Apóstolo, será que Cristo está dividido?!
É natural que até na Igreja as pessoas digam: eu gosto mais da Missa daquele padre, da pregação daquele outro; eu não tenho muita simpatia por esse, gosto mais daquele, e assim por diante, mas isso não deve ser motivo para rejeitar os outros ou para fazer partidos que se choquem e briguem entre si.
Às vezes está alguém à frente de um trabalho e depois vem uma outra pessoa que assume aquele posto. Se Cristo não está dividido, nós temos que acolher aquele quem vem em nome do Senhor, seja o novo sacerdote que entrou na paróquia, seja ele o responsável por deter minado trabalho da minha repartição ou na própria Igreja; devo acolher aquele que é enviado por Deus porque Cristo não está dividido. Quando essa divisão se opera, a luz que Cristo projeta sobre nós vai se extinguindo, vai diminuindo, até novamente na escuridão.
Será que foi Paulo crucificado por amor de vós? Ou Pedro? Ou Apolo? Não. Foi Cristo!
Então lembro-me da sequência dessa leitura (que não está aqui no trecho do lecionário) onde o Apóstolo diz, como fecho do discurso: tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus.
Se guardarmos isto no coração, guardaremos também a luz do Senhor refletida sobre nós. Concluo chamando em causa uma curiosidade, importantíssima, aliás, neste contexto. Na Igreja primitiva, na época dos Apóstolos e logo depois, nos primeiros séculos, o Batismo era chamado por muitos nomes. Um dos principais nomes era justamente: “iluminação”. Agora então, como Batizados que somos, tiremos a nossa conclusão prática, pois que fomos iluminados em Cristo.
Ao sair, façamos como o Senhor. Pelo nosso procedimento, pela nossa postura, pelas nossas palavras, pelas nossas opções, vamos anunciar ao mundo: Convertei-vos o Reino dos Céus está próximo.
Proferida e conferida pelo padre Sérgio Muniz em 23 de janeiro de 2011
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias (Is 8,21b-9,3)
Salmo: [Sl 269270]
Segunda Leitura: Primeira carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,10-13.17)
Evangelho: Mateus (Mt 4,12-23)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
Homilia do 2º domingo do Tempo Comum
Transcrição da Homilia do 2º domingo do Tempo Comum
Estamos acostumados a ouvir dizer que Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, aliás, repetimo-lo em cada celebração Eucarística, mas o estar acostumado às vezes é ruim porque tira de nós a capacidade da admiração e da justa apreciação das coisas.
No Antigo Testamento, o Salvador prometido pelos profetas aparece com muitos títulos. Mas não existe, senão no profeta Isaias, a imagem do Cordeiro e, mesmo assim, não é bem um título, é uma comparação que Isaias faz. O Salvador é chamado de: Rei de Israel, Filho de David, é chamado Príncipe da Paz, é chamado de Leão de Judá e assim por diante, são títulos majestosos.
O Cordeiro é um ser tão humilde... não é comparação que se faça com um Rei Glorioso. No entanto, o profeta Isaías, lá pelo capítulo quarenta e nove – é a Leitura de hoje – começa a falar de um certo Servo de Deus: O Senhor me disse, tu és o meu Servo em que serei glorificado e no versículo seis: não basta seres meu servo para restaurar as tribos de Jacó (o povo de Israel). Eu te farei luz das nações, para que a minha salvação chegue aos confins de toda a terra.
Está claro que esse Servo é o Salvador prometido. Identifica-se com aquele que os outros profetas também indicaram.
Mais adiante, sempre em Isaias, no capítulo cinquenta e três: este Servo misterioso cujo nome não aparece vai ser apresentado como um cordeiro e como uma ovelha; o cordeiro levado ao matadouro, uma ovelha levada à tosquia. E vai dizer o profeta (aliás, Deus através do profeta): eis o meu Servo. Ele não tinha a aparência que chamasse atenção, muito pelo o contrário, causava repugnância. Era como alguém de quem Deus se tivesse afastado, mas na verdade pelas suas chagas nós fomos curados, o castigo que nos salva recaiu sobre Ele. Assim, ele vai apresentando uma imagem cada vez mais próxima, para nós que conhecemos Jesus, cada vez mais próxima do Cristo crucificado, sem dizê-lo alguém que toma sobre si as dores e as misérias de todo o mundo.
E a comparação com o cordeiro e com a ovelha tem aí o seu lugar de destaque no capítulo cinquenta e três de Isaias, porque o cordeiro era um dos animais preferidos para a realização dos sacrifícios no templo de Jerusalém, sacrifícios prescritos pela lei de Moisés --- que eram de ação de graças, de expiação e assim por diante.
Essa imagem encaixa muito bem no tipo de Messias que Jesus Cristo é. Ele não vem como esperavam e desejavam as pessoas (ou a maioria delas): um Messias imediatamente glorioso que resolvesse todos os problemas e implantasse o reino de Deus aqui e agora. Ele vem como o Messias manso e humilde e toma sobre si as mazelas do mundo, morre de uma maneira considerada maldita (a cruz era uma morte maldita) e assim toma sobre si a maldição deste mundo para que quebrá-la, cancelá-la.
Eis porque, no Evangelho, o último dos grandes profetas, João Batista, aquele que diretamente aponta o Messias—Isaías teria gostado de fazê-lo, mas não pôde: viveu muito antes de Cristo. João apresenta o Messias como o Cordeiro que tira o pecado do mundo, aquele que vai substituir todos os antigos sacrifícios que eram apenas sombra da realidade que está para chegar. Vai substituir todos antigos sacrifícios que eram apenas uma preparação do coração de Israel, apenas um anúncio longínquo d’Aquele que devia vir. Se o sangue dos sacrifícios no Templo de Jerusalém tinha algum valor além do meramente simbólico, ritual era porque indicavam Alguém que viria depois.
É do sacrifício da cruz que os antigos sacrifícios tiravam a sua validade e a sua força e não o contrário. Alguém que ainda devia chegar, mas cuja oferta é de tamanho valor diante de Deus que ela atinge os tempos antes e depois d’Ele. O sacrifício redentor de Jesus está no centro da história e a sua força se alarga, se alastra, por assim dizer, para antes de Cristo até a criação e depois de Cristo, até o fim dos tempos.
É Ele o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, O que nós recebemos em comunhão, quando celebramos a santa Missa. Daqui a pouco nós vamos repetir o gesto de partir a hóstia consagrada, tomando um pedaço e deitando no cálice. Este rito, que tem uma história muito antiga e interessante, na sua forma atual pode ser entendido da seguinte maneira: A hóstia consagrada, nós sabemos, não é uma representação de Cristo (isso não seria fé católica). Depois da consagração, depois de ditas às palavras de Jesus sobre o pão, não há pão, nós o cremos com a Igreja desde os Apóstolos: é o próprio Jesus, também materialmente presente. Do pão, apenas a aparência permanece. Aparência, ou seja, o que os sentidos atingem: o aspecto visível, o gosto etc. Mas a identidade real muda. Os sentidos não atingem, os sentidos são poupados a essa realidade, mas é Jesus: corpo, sangue, alma e divindade. Jesus na Eucaristia vivo, glorioso.
Ele não está morrendo de novo, mas o partir da hóstia consagrada significa ritualmente a morte do Senhor. Repito: Não estamos “matando” Jesus de novo. Significamos ritualmente a morte do Senhor, mas Ele está vivo nas mãos do sacerdote. Depois, aquele pedaço colocado no cálice significa ritualmente a ressurreição de Senhor, porque na morte o corpo e sangue se separaram; na ressurreição novamente se uniram. Então aí temos uma imagem ritual da morte: o quebrar-se do ser (corpo e alma) e, depois, a ressurreição, ou seja, o reunir-se do corpo e do sangue. Imagem ritual, mas Ele está vivo desde o início da consagração e assim permanece.
Para que nós celebramos a Eucaristia? Para que estamos em torno deste altar?
Sabemos que Jesus é Aquele que tem piedade de nós: “Cordeiro de Deus tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”. É Aquele que pode se compadecer de nós e nos salvar, que pode dar a paz: “Cordeiro de Deus que tirai o pecado do mundo, dai-nos a paz”. Não há paz sem que Deus tenha piedade de nós. Não há paz se os nossos pecados não forem apagados. Só Aquele que tira o pecado pode dar a paz porque com pecado não existe paz. O pecado é guerra, guerra do ser humano contra a si mesmo, contra o próximo, contra Deus, enfim... é a guerra que está na origem de todas as guerras.
Só Ele nos pode dar a paz. Ele é a nossa Paz.
É por isso que o apóstolo Paulo dizia, dirigindo-se aos cristãos da comunidade de Corinto: À Igreja de Deus que está em Corinto, aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos, a vós graça e paz da parte de Deus e do Senhor Jesus Cristo.
Chamou-me atenção esta maneira de Paulo falar aos cristãos de sua época (e hoje é a nós que ele se dirige): “À Igreja de Deus que está em Botafogo, aos que foram santificados em Cristo e chamados a ser santos, graça e paz.”
Santificados e chamados a ser santos... parece contraditório. Quem já foi santificado, como é que ainda falta ser santo? Estamos diante daquilo que nós podemos chamar de santidade objetiva – santificados, já santificados – e chamados a ser santos, ou seja, santidade subjetiva.
Objetivamente, já fomos santificados pelo Batismo. Santificados significa separados, consagrados. Separado do comum e reservado para Deus, para o serviço de Deus, para a glória de Deus. Já fomos santificados.
Mas o nosso proceder agora precisa ser trabalhado para que a nossa vida corresponda, cada vez mais, aquilo que nós já somos. Então: santificados e chamados a ser santos.
Consagrados a Deus e chamados a viver de acordo com essa consagração, de modo que o nosso ser, a nossa existência traduza aquilo que Deus fez em nós. De modo que, olhando para nós, o mundo creia, como diz Jesus no Evangelho de São João: para que sejam um e o mundo creia...
O mundo... não pense nesse mundo todo... mas no mundo à sua volta, nas pessoas à sua volta. Possam ver Cristo em você; possam chegar à conclusão que você está realmente se superando e que essa força não vem de você: é Deus agindo. Dirão: de onde vem esta paz no meio dessa grande tribulação? De onde vem esta capacidade de consolar, precisando ser consolado? De onde vem essa capacidade de dar no meio de tanta indigência, de tanta necessidade de receber? Como é possível manter-se de pé, honradamente, fazendo o que Jesus mandou em circunstâncias tão difíceis? E aí, como é possível mudar assim de procedimento? Eu olho, eu já não reconheço mais aquela pessoa... “É que o ‘velho homem’, como diz São Paulo, morreu, foi sepultado; está surgindo uma nova criatura. O Apóstolo disse: Se alguém está em Cristo, é nova criatura, o que era velho passou; tudo se fez novo.
Pois que isso seja visível em nós. Não é um peso que Deus coloca sobre os seus ombros, não é você quem deve fazer isto. Ele é quem faz. A sua parte é, principalmente, não atrapalhar. E, número dois, se puder colaborar minimamente... e já sabemos as vias da colaboração: a oração diária, os sacramentos, a confissão, a comunhão e assim por diante.
Meus irmãos que o Senhor, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos chamou por sua misericórdia que nos santificou, nos ajude a viver esta santificação recebida e nos conceda através d’Aquele que tira o pecado do mundo, graça e paz.
Proferida e conferida pelo padre Sérgio Muniz em 16/1/2011
Liturgia da Palavra:
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias; (Is 49,3. 5-6)
Salmo: [Sl 39(40)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,1-3)
Evangelho: João (Jo 1,29-34)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
Estamos acostumados a ouvir dizer que Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, aliás, repetimo-lo em cada celebração Eucarística, mas o estar acostumado às vezes é ruim porque tira de nós a capacidade da admiração e da justa apreciação das coisas.
No Antigo Testamento, o Salvador prometido pelos profetas aparece com muitos títulos. Mas não existe, senão no profeta Isaias, a imagem do Cordeiro e, mesmo assim, não é bem um título, é uma comparação que Isaias faz. O Salvador é chamado de: Rei de Israel, Filho de David, é chamado Príncipe da Paz, é chamado de Leão de Judá e assim por diante, são títulos majestosos.
O Cordeiro é um ser tão humilde... não é comparação que se faça com um Rei Glorioso. No entanto, o profeta Isaías, lá pelo capítulo quarenta e nove – é a Leitura de hoje – começa a falar de um certo Servo de Deus: O Senhor me disse, tu és o meu Servo em que serei glorificado e no versículo seis: não basta seres meu servo para restaurar as tribos de Jacó (o povo de Israel). Eu te farei luz das nações, para que a minha salvação chegue aos confins de toda a terra.
Está claro que esse Servo é o Salvador prometido. Identifica-se com aquele que os outros profetas também indicaram.
Mais adiante, sempre em Isaias, no capítulo cinquenta e três: este Servo misterioso cujo nome não aparece vai ser apresentado como um cordeiro e como uma ovelha; o cordeiro levado ao matadouro, uma ovelha levada à tosquia. E vai dizer o profeta (aliás, Deus através do profeta): eis o meu Servo. Ele não tinha a aparência que chamasse atenção, muito pelo o contrário, causava repugnância. Era como alguém de quem Deus se tivesse afastado, mas na verdade pelas suas chagas nós fomos curados, o castigo que nos salva recaiu sobre Ele. Assim, ele vai apresentando uma imagem cada vez mais próxima, para nós que conhecemos Jesus, cada vez mais próxima do Cristo crucificado, sem dizê-lo alguém que toma sobre si as dores e as misérias de todo o mundo.
E a comparação com o cordeiro e com a ovelha tem aí o seu lugar de destaque no capítulo cinquenta e três de Isaias, porque o cordeiro era um dos animais preferidos para a realização dos sacrifícios no templo de Jerusalém, sacrifícios prescritos pela lei de Moisés --- que eram de ação de graças, de expiação e assim por diante.
Essa imagem encaixa muito bem no tipo de Messias que Jesus Cristo é. Ele não vem como esperavam e desejavam as pessoas (ou a maioria delas): um Messias imediatamente glorioso que resolvesse todos os problemas e implantasse o reino de Deus aqui e agora. Ele vem como o Messias manso e humilde e toma sobre si as mazelas do mundo, morre de uma maneira considerada maldita (a cruz era uma morte maldita) e assim toma sobre si a maldição deste mundo para que quebrá-la, cancelá-la.
Eis porque, no Evangelho, o último dos grandes profetas, João Batista, aquele que diretamente aponta o Messias—Isaías teria gostado de fazê-lo, mas não pôde: viveu muito antes de Cristo. João apresenta o Messias como o Cordeiro que tira o pecado do mundo, aquele que vai substituir todos os antigos sacrifícios que eram apenas sombra da realidade que está para chegar. Vai substituir todos antigos sacrifícios que eram apenas uma preparação do coração de Israel, apenas um anúncio longínquo d’Aquele que devia vir. Se o sangue dos sacrifícios no Templo de Jerusalém tinha algum valor além do meramente simbólico, ritual era porque indicavam Alguém que viria depois.
É do sacrifício da cruz que os antigos sacrifícios tiravam a sua validade e a sua força e não o contrário. Alguém que ainda devia chegar, mas cuja oferta é de tamanho valor diante de Deus que ela atinge os tempos antes e depois d’Ele. O sacrifício redentor de Jesus está no centro da história e a sua força se alarga, se alastra, por assim dizer, para antes de Cristo até a criação e depois de Cristo, até o fim dos tempos.
É Ele o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, O que nós recebemos em comunhão, quando celebramos a santa Missa. Daqui a pouco nós vamos repetir o gesto de partir a hóstia consagrada, tomando um pedaço e deitando no cálice. Este rito, que tem uma história muito antiga e interessante, na sua forma atual pode ser entendido da seguinte maneira: A hóstia consagrada, nós sabemos, não é uma representação de Cristo (isso não seria fé católica). Depois da consagração, depois de ditas às palavras de Jesus sobre o pão, não há pão, nós o cremos com a Igreja desde os Apóstolos: é o próprio Jesus, também materialmente presente. Do pão, apenas a aparência permanece. Aparência, ou seja, o que os sentidos atingem: o aspecto visível, o gosto etc. Mas a identidade real muda. Os sentidos não atingem, os sentidos são poupados a essa realidade, mas é Jesus: corpo, sangue, alma e divindade. Jesus na Eucaristia vivo, glorioso.
Ele não está morrendo de novo, mas o partir da hóstia consagrada significa ritualmente a morte do Senhor. Repito: Não estamos “matando” Jesus de novo. Significamos ritualmente a morte do Senhor, mas Ele está vivo nas mãos do sacerdote. Depois, aquele pedaço colocado no cálice significa ritualmente a ressurreição de Senhor, porque na morte o corpo e sangue se separaram; na ressurreição novamente se uniram. Então aí temos uma imagem ritual da morte: o quebrar-se do ser (corpo e alma) e, depois, a ressurreição, ou seja, o reunir-se do corpo e do sangue. Imagem ritual, mas Ele está vivo desde o início da consagração e assim permanece.
Para que nós celebramos a Eucaristia? Para que estamos em torno deste altar?
Sabemos que Jesus é Aquele que tem piedade de nós: “Cordeiro de Deus tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”. É Aquele que pode se compadecer de nós e nos salvar, que pode dar a paz: “Cordeiro de Deus que tirai o pecado do mundo, dai-nos a paz”. Não há paz sem que Deus tenha piedade de nós. Não há paz se os nossos pecados não forem apagados. Só Aquele que tira o pecado pode dar a paz porque com pecado não existe paz. O pecado é guerra, guerra do ser humano contra a si mesmo, contra o próximo, contra Deus, enfim... é a guerra que está na origem de todas as guerras.
Só Ele nos pode dar a paz. Ele é a nossa Paz.
É por isso que o apóstolo Paulo dizia, dirigindo-se aos cristãos da comunidade de Corinto: À Igreja de Deus que está em Corinto, aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos, a vós graça e paz da parte de Deus e do Senhor Jesus Cristo.
Chamou-me atenção esta maneira de Paulo falar aos cristãos de sua época (e hoje é a nós que ele se dirige): “À Igreja de Deus que está em Botafogo, aos que foram santificados em Cristo e chamados a ser santos, graça e paz.”
Santificados e chamados a ser santos... parece contraditório. Quem já foi santificado, como é que ainda falta ser santo? Estamos diante daquilo que nós podemos chamar de santidade objetiva – santificados, já santificados – e chamados a ser santos, ou seja, santidade subjetiva.
Objetivamente, já fomos santificados pelo Batismo. Santificados significa separados, consagrados. Separado do comum e reservado para Deus, para o serviço de Deus, para a glória de Deus. Já fomos santificados.
Mas o nosso proceder agora precisa ser trabalhado para que a nossa vida corresponda, cada vez mais, aquilo que nós já somos. Então: santificados e chamados a ser santos.
Consagrados a Deus e chamados a viver de acordo com essa consagração, de modo que o nosso ser, a nossa existência traduza aquilo que Deus fez em nós. De modo que, olhando para nós, o mundo creia, como diz Jesus no Evangelho de São João: para que sejam um e o mundo creia...
O mundo... não pense nesse mundo todo... mas no mundo à sua volta, nas pessoas à sua volta. Possam ver Cristo em você; possam chegar à conclusão que você está realmente se superando e que essa força não vem de você: é Deus agindo. Dirão: de onde vem esta paz no meio dessa grande tribulação? De onde vem esta capacidade de consolar, precisando ser consolado? De onde vem essa capacidade de dar no meio de tanta indigência, de tanta necessidade de receber? Como é possível manter-se de pé, honradamente, fazendo o que Jesus mandou em circunstâncias tão difíceis? E aí, como é possível mudar assim de procedimento? Eu olho, eu já não reconheço mais aquela pessoa... “É que o ‘velho homem’, como diz São Paulo, morreu, foi sepultado; está surgindo uma nova criatura. O Apóstolo disse: Se alguém está em Cristo, é nova criatura, o que era velho passou; tudo se fez novo.
Pois que isso seja visível em nós. Não é um peso que Deus coloca sobre os seus ombros, não é você quem deve fazer isto. Ele é quem faz. A sua parte é, principalmente, não atrapalhar. E, número dois, se puder colaborar minimamente... e já sabemos as vias da colaboração: a oração diária, os sacramentos, a confissão, a comunhão e assim por diante.
Meus irmãos que o Senhor, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos chamou por sua misericórdia que nos santificou, nos ajude a viver esta santificação recebida e nos conceda através d’Aquele que tira o pecado do mundo, graça e paz.
Proferida e conferida pelo padre Sérgio Muniz em 16/1/2011
Liturgia da Palavra:
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias; (Is 49,3. 5-6)
Salmo: [Sl 39(40)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,1-3)
Evangelho: João (Jo 1,29-34)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
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