sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Homilia do 3º domingo do Tempo Comum

Transcrição da Homilia do 3º Domingo do Tempo Comum

Continuamos acompanhando os primeiros passos da missão pública de Jesus, da sua atuação desde o seu Batismo, e hoje ouvimos o relato de uma nova fase da missão do Senhor. Antes Ele estava na região da Judéia, ao Sul, onde foi Batizado por João Batista. Depois que João Batista morre, Ele retorna para o Norte, para a Galiléia, região onde fora criado. A cidade da sua infância era Nazaré, mas Ele vai para outra cidade às margens do mar da Galiléia, Cafarnaum, cidade onde Pedro e André, Tiago e João exerciam a profissão de pescadores; ouvimos.
A ida de Jesus para essa região da Galiléia é significativa porque já o Profeta Isaías, tinha anunciado que naquela região brilharia a Luz da salvação. Ouçamos novamente a profecia: No tempo passado, o Senhor humilhou a terra de Zabulon e a terra de Neftali, mas agora cobriu de glória o caminho do mar, do além Jordão, da Galiléia das nações (ou dos pagãos). E mais: o povo que andava na escuridão viu uma grande Luz.
Essas palavras são quase textualmente repetidas pelo Evangelista Mateus, que cita a profecia baseando assim o seu anúncio de Jesus como Aquele de quem falaram Isaias e os outros profetas.
Porque era importante que a Luz brilhasse naquela região? E porque era chamada região de escuridão ou de trevas? Já o título “Galiléia dos pagãos” nos dá uma pista, mas temos que recuar um bocado na História. Vamos ao oitavo século antes de Cristo, época dessa profecia de Isaias. Naquela época o povo de Israel estava dividido em dois reinos: o Reino do Norte, ao qual pertencia a Galiléia, e o Reino do Sul. O Reino do Norte se chamava Israel e o Reino do Sul, Judá.
O Reino do Norte, Israel, sofreu naquele período, um assédio da parte dos assírios, que vinham lá da Mesopotâmia entre os rios Tigre e Eufrates, daquela área dos atuais Irã e Iraque (tão cara à História e à geopolítica universal até os dias de hoje, vocês sabem...) então, os assírios vieram de lá e tomaram conta do Reino do Norte, anexaram-no ao Império Assírio e tomaram uma precaução para que aquela terra não se reerguesse e não buscasse sua independência tão facilmente. O que fizeram? Tiraram boa parte da população de lá e levaram para a Mesopotâmia e também pegaram gente de lá da Mesopotâmia, colonos assírios, e puseram aqui em baixo, na terra conquistada.
Com esta mistura, o povo israelita ficava enfraquecido culturalmente, religiosamente, sobretudo – porque a religião era a grande força de Israel, único povo que, na antiguidade, conhecia e adorava o Deus único, criador do céu e da terra, diferentemente dos outros povos em redor, que adoravam os seus deuses, tinham suas mitologias. Colocando ali os estrangeiros, os pagãos assírios, a religião de Israel se enfraquecia e, enfraquecendo a religião, enfraquecia-se tudo, porque o coração de Israel era a fé no Deus único. Então o pouco povo que restou em na terra conquistada teve a sua fé, aos poucos, contaminada por práticas pagãs, superstições, misturas, enfim, numa espécie de sincretismo religioso.
Historicamente, o Brasil é de evangelização recente, quinhentos e poucos anos não é nada diante da velha Europa. A Europa já teve tempo de se converter ao cristianismo e agora está voltando atrás, ao paganismo. Aqui a muita gente custa a deixar expressões pagãs de religiosidade. Uma das piores coisas que pode haver é essa mistura, porque Deus não tolera a mentira, não tolera o falso, não tolera a idolatria. Deus não aceita ser misturado ou confundido com o que Deus não é...
Se folhearmos a Bíblia com calma, sobretudo o Antigo Testamento, vamos ver que um dos pecados mais repreendidos ao povo era o pecado da idolatria, ou seja, fazer ‘fezinha’ no deus do vizinho, nos outros deuses.
A idolatria é tratada pela Bíblia de adultério, porque devemos fidelidade a Deus. Ele é o único Senhor. Então a fé daquela gente da Galiléia andava muito prejudicada em virtude daquela herança histórica. Na época de Jesus talvez fosse um pouco melhor, mas nem tanto. Oito séculos fazem alguma diferença, mas algumas coisas resistem aos séculos.
Jesus escolhe aquele lugar que a profecia de Isaías aponta para ali fazer brilhar os primeiros lampejos do Reino de Deus: convertei-vos: o Reino de Deus está próximo.
Jesus mesmo é o início deste Reino no meio daquela gente. Ele não para por aí. Não só anuncia o Reino, mas também chama os seus primeiros discípulos, que mais tarde estarão no grupo dos doze Apóstolos: Pedro e seu irmão André, Tiago e seu irmão João. Esses são os primórdios, as primícias dos discípulos de Jesus. Passa Jesus pelos pescadores e simplesmente diz: segui-me; farei de vós pescadores de homens.
A uz ilumina e quem é iluminado reflete a luz. Se estivermos todos no escuro e alguém se aproximar de uma luz, por exemplo, de uma vela, todos que estão aqui vão enxergar a face desta pessoa. Quanto mais ele se aproximar da luz, mais luz ele vai refletir, melhor vamos enxergar. Quem se aproxima da luz é iluminado, quem é iluminado ilumina, reflete a luz.
A lua, que maravilha quando brilha no céu, à noite, sobretudo quando é lua cheia... Temos aí uns cartões postais do Cristo Redentor com a lua por trás, belíssima e de cores variadas. Às vezes aparece avermelhada, às vezes branca e assim por diante...
Aquela luz, no entanto, não é dela; é do sol. Ela a reflete.
Se nós estivéssemos na lua, veríamos a terra brilhando, azul, luminosa, mas a luz é do sol refletido na face da terra.
Assim também, quando nos aproximamos de Deus, inevitavelmente somos iluminados e refletimos, ou seja, nos tornamos iluminadores.
Jesus ilumina aqueles que estão nas sombras, nas trevas; chama-os a si: vinde, segui-me. E faz deles iluminadores, porque eles vão espalhar o Evangelho, vão dar de graça o que de graça receberam.
Para que é que estamos aqui, para que é que nos reunimos sempre aqui em torno desse altar, celebrando aos domingos a Eucaristia, ouvindo a Palavra de Deus, senão para sermos iluminados, nós que habitamos na região das trevas, nós que habitamos na Galiléia dos pagãos?
Vimos buscar a Luz para não ficar no escuro, mas não só: queremos ser também refletores desta Luz para o mundo.
Não há como se aproximar da Luz e não refletir a Luz. Se não se reflete é porque não se foi iluminado. Se se foi iluminado, vai-se refletir.
Lá fora, na Galiléia dos pagãos, temos que refletir essa Luz que foi recebida, ou então não fomos iluminados, ou então não nos aproximamos, melhor, não deixamos que o Cristo se aproximasse.
E, vejam, ele chama pessoas diferentes: dois irmãos, depois outros dois irmãos. Todos nós, ou a maioria de nós, têm irmãos e sabemos como os irmãos são diferentes; como são , às vezes, diametralmente opostos. No Evangelho, temos sinais do temperamento desses discípulos mostrando como eles eram realmente muito diferentes uns dos outros, mas Cristo faz a unidade. Ele é à base da unidade. Eis aí porque o apóstolo Paulo repreendia os cristãos da comunidade de Corinto porque eles estavam divididos, uns dizendo: eu sou de Paulo, outros dizendo: eu sou de Apolo, outros dizendo: eu sou de Cefas (Cefas é Pedro, é a forma aramaica do nome Pedro), outro, eu não sou de ninguém, eu sou é de Cristo...
Ora, diz o Apóstolo, será que Cristo está dividido?!
É natural que até na Igreja as pessoas digam: eu gosto mais da Missa daquele padre, da pregação daquele outro; eu não tenho muita simpatia por esse, gosto mais daquele, e assim por diante, mas isso não deve ser motivo para rejeitar os outros ou para fazer partidos que se choquem e briguem entre si.
Às vezes está alguém à frente de um trabalho e depois vem uma outra pessoa que assume aquele posto. Se Cristo não está dividido, nós temos que acolher aquele quem vem em nome do Senhor, seja o novo sacerdote que entrou na paróquia, seja ele o responsável por deter minado trabalho da minha repartição ou na própria Igreja; devo acolher aquele que é enviado por Deus porque Cristo não está dividido. Quando essa divisão se opera, a luz que Cristo projeta sobre nós vai se extinguindo, vai diminuindo, até novamente na escuridão.
Será que foi Paulo crucificado por amor de vós? Ou Pedro? Ou Apolo? Não. Foi Cristo!
Então lembro-me da sequência dessa leitura (que não está aqui no trecho do lecionário) onde o Apóstolo diz, como fecho do discurso: tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus.
Se guardarmos isto no coração, guardaremos também a luz do Senhor refletida sobre nós. Concluo chamando em causa uma curiosidade, importantíssima, aliás, neste contexto. Na Igreja primitiva, na época dos Apóstolos e logo depois, nos primeiros séculos, o Batismo era chamado por muitos nomes. Um dos principais nomes era justamente: “iluminação”. Agora então, como Batizados que somos, tiremos a nossa conclusão prática, pois que fomos iluminados em Cristo.
Ao sair, façamos como o Senhor. Pelo nosso procedimento, pela nossa postura, pelas nossas palavras, pelas nossas opções, vamos anunciar ao mundo: Convertei-vos o Reino dos Céus está próximo.



Proferida e conferida pelo padre Sérgio Muniz em 23 de janeiro de 2011
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias (Is 8,21b-9,3)
Salmo: [Sl 269270]
Segunda Leitura: Primeira carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,10-13.17)
Evangelho: Mateus (Mt 4,12-23)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

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