sábado, 26 de fevereiro de 2011

Homila do 6º Dimingo do Tempo Comum

Transcrição da Homilia do 6º Domingo do Tempo Comum

Neste domingo, temos a continuação do discurso de Jesus conhecido como o “Sermão da Montanha” (lembrando o que dissemos há uns domingos atrás; trata-se dos capítulos 5,6 e 7 do Evangelho de Mateus). Tudo começa quando Jesus sobe à montanha e chama a si os seus discípulos. Ele se senta (posição importante por ser a posição clássica do mestre que instrui os discípulos). Lá está Jesus na montanha com seus discípulos. Ele começa a transmitir-lhes a nova Lei. E, dissemos, comparando com o Antigo Testamento, é um quadro que nos faz lembrar Moisés que subiu o monte Sinai para trazer ao povo a Lei de Deus.

No trecho de hoje, Jesus nos compara a Lei nova, que Ele traz, com a Lei antiga e declara não estar substituindo nem abolindo a Lei de Moisés, mas levando-a a perfeição. Declara não ter vindo abolir a Lei nem os Profetas. O Antigo Testamento conserva o seu valor como palavra de Deus. Jesus afirma ter vindo levá-lo à plenitude.
Nas palavras que hoje ouvimos, uma coisa deve ter espantado muito os que as escutaram então, como também uma coisa deve ter espantado muito os destinatários da carta de Paulo (I Cor, segunda leitura).

Vejamos.

No Evangelho Jesus diz aos seus ouvintes o seguinte: se a vossa justiça (quer dizer a vossa perfeição; na Bíblia, justiça é sinônimo de perfeição espiritual, religiosa, de obediência a Deus, do cumprimento dos mandamentos...) não superar a dos mestres da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus. Isto espantou muito as pessoas, porque os mestres da Lei e os fariseus eram, em princípio, aqueles que com mais cuidado e mais minuciosamente estudavam e praticavam os preceitos divinos.

Imaginem: na Lei do Antigo Testamento havia seiscentos e treze preceitos, os dez mandamentos, que nós conhecemos, e tantas outras coisas que para nós são secundárias e que ficaram para trás (como veremos pouco adiante). Os dez mandamentos são o núcleo da Lei de Deus, mas havia tantos outros e o povo simples não tinha nem condições de conhecer esses seiscentos e treze, de praticá-los nem conhecer as múltiplas interpretações e subdivisões dos casos em que aquelas leis se aplicavam. Só os sábios, só aqueles que tinham condições de se dedicar ao estudo aprofundado da lei de Moisés podiam realmente dar-se ao luxo de seguir as minúcias da Lei Mosaica. Os escribas e mestres da Lei, portanto eram admirados como homens respeitáveis, como homens de certo modo mais próximos de Deus do que a maioria.

Jesus diz “se a vossa justiça não superar a deles não entrareis no Reino dos Céus”. E os ouvintes certamente se perguntam: “Como? Se eu não consigo chegar nem ao que eles fazem, não tenho condições objetivas... quanto mais superar. Então ninguém entra: nem eles nem eu”. E São Paulo diz aos gregos de Corinto uma coisa parecida ao que Jesus fala aos seus compatriotas judeus. Ele escreve aos gregos convertidos ao cristianismo. Estes não conheciam a Lei de Moisés, mas conheciam a filosofia (a filosofia ocidental nasceu na Grécia e os gregos prezavam muito a “sofia” (=sabedoria). Então “sofia”, a sabedoria era uma grande coisa na Grécia, era muito prezada a sabedoria dos filósofos.

Paulo diz provocativamente o seguinte: entre os perfeitos (=cristãos; isso já é provocação) nós falamos de sabedoria, não da sabedoria deste mundo, quer dizer, não da sabedoria dos filósofos, nem dos poderosos deste mundo que afinal de contas estão votados à destruição, pois tudo isso vai acabar. Falamos sim da misteriosa sabedoria de Deus, escondida. Nenhum dos poderosos deste mundo conheceu esta sabedoria, mas Deus a nós o revelou através do Espírito Santo.
Eis aí: estamos diante de uma exigência. Temos que ter uma justiça, ou seja, uma perfeição religiosa, uma busca de Deus, maior do que a dos escribas e fariseus, exímios conhecedores da Palavra e atentos cumpridores dos mandamentos, e temos que ter uma sabedoria maior que a sabedoria dos sábios deste mundo para entrar no Reino dos Céus.

Que justiça é essa que supera a justiça dos fariseus, que sabedoria é essa que nos coloca acima dos sábios deste mundo?
Jesus vai dizer. O fariseu e o escriba certamente sabem que não se deve matar: “não matarás”. Eles conhecem essa lei e todas as suas subdivisões: a pena aplicada àquele que mata, as circunstâncias que atenuam e essa pena etc. É um especialista em direito, o escriba fariseu. Direito religioso-civil ao mesmo tempo, pois que a lei de Israel era religiosa e civil. O fariseu sabe, “não matarás”, então ele não mata, mas também o que está dentro do coração pouco importa porque, afinal de contas, quem vê o coração?

E Jesus diz que não basta não matar, mas que é preciso também não odiar, não alimentar o ódio porque quem odeia já é réu do juízo de Deus; quem odeia já vai ser julgado, já incorreu em culpa contra o mandamento “não matarás”, porque, no seu coração, ele matou.
Então vejam que Jesus, de fato, não veio abolir a Lei antiga; veio aperfeiçoá-la, aprofundá-la.
Ainda mais: foi dito aos antigos: “não cometerás adultério”, mas não pense que o adultério é só ir lá e fazer o “serviço”, não... Você poderá adulterar no coração, aqui dentro, alimentando voluntariamente as más inclinações e os maus desejos.

Tentado, todo mundo é tentado: eu sou e vocês são. Mas o que é que nós fazemos diante da tentação? Acolhemos, alimentamos, cultivamos? Ou rejeitamos? Procuramos seguir outro caminho no nosso coração (pois se trata do coração aqui). Como é que o coração reage diante dessas coisas? Depois: o que se divorciava devia dar à mulher uma certidão dizendo que ela estava livre para um novo casamento - foi dito aos antigos, Moisés o disse. Eu, porém vos digo; Jesus sempre diz: foi dito aos antigos eu, porém vos digo. Ele se coloca acima de Moisés: era uma grande ousadia. Isso também espantou as pessoas, bem como a segurança com que ele dizia tais coisas.

Moisés era a figura central, estava na base de todo Antigo Testamento. Quem é este que aperfeiçoa Moisés, quase corrige Moisés? Quem é este que se coloca acima de Moisés? É um grande mistério para eles. Moisés disse isso, mas eu vos digo que o divórcio não deve acontecer. Ah! Nós sabemos que muita gente sofre injustiça e é vítima de injustiças na vida conjugal, portanto essas coisas acontecem. Contudo, aqui não se trata disto, mas de uma nova união quando a união anterior é valida diante de Deus. Tal união subsiste até a morte de um dos dois, nós sabemos disso.

Foi dito aos antigos não jurarás falso; eu, porém, vos digo não jureis de maneira nenhuma, porque a pessoa veraz, como deve ser, não precisa jurar: seja o vosso sim, sim o vosso não, não, o que passar disso vem do maligno.
Temos aqui algumas coisas interessantes também, por exemplo, em relação à ofensa ou ao ódio, às injustiças praticadas irmão contra irmão. Jesus diz: “Cuidado! Tu estás caminhando para o tribunal”; estão a caminho tanto a pessoa ofendida quanto aquele que a ofendeu. Tanto o que é odiado como aquele que odeia, estão caminhando para o tribunal porque todos estão caminhando para o tribunal. Reconcilia-te com teu irmão antes de chegar ao tribunal porque, se essa reconciliação não acontecer no caminho, quando chegares lá tu vais pagar o que deves até o último centavo. O caminho é essa vida, o tribunal, é o tribunal de Deus. Temos que nos reconciliar antes de lá chegar.

Depois, em relação às coisas que nos atrapalham, que nos afastam de Deus. São obstáculos em nosso coração. Jesus diz: Se teu olho direito é para ti ocasião de queda e pecado, arranca e lança longe de ti. Se é a tua mão, corta e lança longe de ti.
Vejam bem: não adianta só cortar ou arrancar, é preciso jogar longe. Que significa isto? Temos que ter a coragem de examinar as coisas que habitualmente nos fazem pecar, que habitualmente nos afastam de Deus e, na medida do possível, cortar, eliminar essas coisas. Renunciar a determinadas circunstâncias e a determinadas ocasiões, quem sabe companhias, lugares, atividades, que normalmente nos levam a afastar-nos de Deus. Renunciar e não só renunciar, ou seja, não só cortar, mas jogar longe para não ter a tentação de procurar e pegar de volta; cortar e jogar longe.

Cada um aplique isso a si: quais são as coisas que habitualmente me afastam de Deus? O que eu posso fazer para cortar da minha vida essas circunstâncias, essas facilitações do pecado? Cada um sabe de si. Interrogue a si mesmo. O que eu estou precisando cortar e jogar longe de mim? Jesus está esperando essa atitude, essa resposta.

Pois bem, meus irmãos, ao falar de lei - e com isso quero concluir -, a Lei de Deus, a Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, a nova Lei que Ele aperfeiçoa e traz para nós, as pessoas têm uma reação “alérgica”, vamos dizer assim. Mesmo na Igreja, porque lei lembra a muita gente imposição, limitação da liberdade e assim por diante. Mas essa é uma falsa idéia, porque a razão de ser da Lei do Senhor não é nos sufocar, não é nos fazer infelizes; mas nos proteger, como ouvimos na primeira leitura: Se quiseres - observe: - se quiseres, observar os mandamentos eles te guardarão, eles te protegerão.

Quem segue os caminhos do Senhor, quem busca fazer o que Deus manda, evitar e o que Deus não aprova, está mais seguro em todos os sentidos – físico, espiritual e psíquico – do aquele que se expõe às coisas que Deus não aprova. E porque que Deus não aprova? Porque sabe que são ruins para o ser humano.

Se confias em Deus, dizia a leitura, tu também viverás. Confiar que Ele sabe o que é melhor para mim e quer o melhor para mim, mais do que eu mesmo saberia ou poderia querer.
Diante de ti, continua, Ele colocou o fogo e a água; para o que quiseres tu podes estender a mão. Ele não impede de ninguém estender a mão para o fogo, não obriga ninguém a estender a mão para a água; tu podes escolher, mas depois as consequências, já sabes do quais serão.
Deus não precisa se dar ao trabalho de castigar quem lhe desobedece.
Deus não precisa se dar o trabalho sequer de recompensar a quem lhe obedece.
Por quê? O sofrimento e a pena do pecado já estão embutidos no próprio pecado, e mais cedo ou mais tarde se manifesta. Faz parte do pacote, vem como brinde, é um bônus. Da mesma forma a recompensa da virtude também já vem incluída no pacote. Deus não precisa se dar ao trabalho e distribuir recompensas e castigos.

Diante do homem, portanto, está a vida e a morte, o bem e o mal. Ele receberá o que preferir.
Nós estamos aqui para receber a vida.
A Palavra de Deus é vida, os mandamentos de Deus são caminho de vida.
A Eucaristia é alimento da nossa vida; vida em plenitude. É o início do que teremos no Céu.
Bendito seja Deus, portanto, que aqui nos reuniu para nos dar vida, para nos guiar nos caminhos da vida que, começada no Batismo um dia recebido, se alimenta na Eucaristia e se conclui gloriosamente no seu Reino.

Proferida e revisada pelo padre Sérgio Muniz em 13 de fevereiro de 2011.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Livro do Eclesiástico: (Eclo 15,16-21)
Salmo: [Sl 118(119)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 2,6-10)
Evangelho: Mateus (Mt 5,17-37)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

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