quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Homilia do 4º domingo do Tempo Comum

Transcrição da Homilia do 4º Domingo do Tempo Comum

Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos se aproximaram e Ele começou a ensinar-lhes.
Para quem conhece o Antigo Testamento, como era o caso dos cristãos a quem Mateus dirigiu o seu Evangelho (eram judeus convertidos à fé em Jesus Cristo) essa cena traz à mente outra cena muito importante: Moisés que sobe o monte Sinai enquanto o povo fica esperando em baixo até que ele receba de Deus a Lei para trazer-lhes. Naquela ocasião, segundo a narração do Livro do Êxodo, o monte Sinai tremia desde as bases até o topo. Havia uma chama como de uma grande fornalha no topo do monte. A fumaça subia como de um vulcão. Não bastasse o tremor de terra, ainda se ouvia um som de trombeta que aumentava incessantemente. O povo recebeu instrução de ficar longe das raízes do monte. Havia uma distância além da qual não era permitido chegar. E assim, com terríveis fenômenos, extraordinárias demonstrações do poder divino, o monte não podia ser tocado porque Deus tinha descido ao Sinai. O monte não podia ser tocado porque ele, agora, era o trono de Deus na terra. Só Moises subiu até lá para dialogar com Deus e falar ao povo depois.
Com todas essas restrições e diante de tais fenômenos, o povo ficou aterrorizado, amedrontado com a grandiosidade daquela teofania: era necessário porque eles vieram do Egito, onde se adoravam deuses com forma humana e com forma de animais também. Eles precisavam compreender que o Deus de Israel era diferente e que aqueles deuses do Egito não eram páreo para Ele. Era necessário para dar-lhes a noção da grandeza e transcendência de Deus.
Mas, agora, Jesus sobe a um monte não tão alto (o monte das “Bem Aventuranças” na Terra Santa é um morro, uma colina). Jesus sobe ao monte e não vai sozinho a falar com o Pai para trazer a Lei aos discípulos. Pelo contrário, Jesus os chama a si, todos sobem com ele. E agora de modo muito familiar, face a face, Deus fala aos homens na Pessoa do seu Filho.
Vejam que semelhança e que diferença. Semelhança e diferença, aliás, muito intencionais porque Mateus quer apresentar aos cristãos daquela primeira hora Jesus como o novo e definitivo Moises, aquele que dá a palavra definitiva de Deus, aquele que aperfeiçoa a Lei antiga, que não vem abolir a lei de Moises, mas vai levá-la ao seu ponto de perfeição, ao seu pleno cumprimento.
Todos o trecho dos capítulos cinco, seis e sete de São Mateus constituem justamente o “Sermão da Montanha” onde Jesus, novo Moises, e muito acima de Moises dá ao povo a “Nova Lei”. Esta “Nova Lei” começa justamente com o trecho que nós ouvimos hoje: as chamadas “Bem Aventuranças”, onde Jesus propõe aos seus discípulos as coisas desprezíveis ou desprezadas pelo mundo, invertendo a maneira de pensar desse mundo em que nós vivemos e diz: A felicidade não está nas coisas que estão dizendo por aí, nem a realização, nem a salvação, mas exatamente no contrário. Quem quiser realizar-se nesta vida e salvar-se na outra é preciso que troque os valores do mundo por esses novos valores; é preciso que abrace certas coisas que o mundo despreza e despreze certas coisas que o mundo preza e abraça.
Bem aventurados são os pobres em espírito, não os orgulhosos; os aflitos, não os que afligem; os mansos e não os guerreiros; os que sofrem porque desejam a justiça que não vêem e não aqueles que praticam a injustiça e permanecem impunes; os que fazem misericórdia e não os que dão o troco; os puros de coração e não aqueles que se emporcalham com as impurezas oferecidas por esse mundo; os que promovem a paz e não aqueles que vencem a guerra; os perseguidos por causa da justiça e não os perseguidores; os que sofrem por causa de Cristo e não aqueles que buscam triunfar sem Deus e de Deus.
Portanto, uma inversão total. E quase como se Jesus dissesse: se você quiser se realizar, se você quiser se salvar é preciso fazer o contrário do que dizem por aí. Quase sempre esse critério se aplica. É o contrário do que o mundo diz na televisão, o contrário do que ele diz na opinião pública e assim por diante.
É o que São Paulo na Primeira Leitura chamava de “loucura” e “fraqueza”: Deus escolheu as coisas, Deus escolheu o que o mundo considera fraco para confundir o que é forte; Deus escolheu o que o mundo considera estúpido para confundir os sábios; Deus escolheu o que para o mundo é sem importância para mostrar a inutilidade do que se considera importante. E se nós lermos – é bom que façam em casa – a Primeira Carta aos Coríntios, de onde é tirada essa leitura, se lermos ao menos esse primeiro capítulo e quem sabe mais um pouco, veremos o que Paulo fala da loucura e da fraqueza de Deus: a loucura de Deus é mais sábia que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. Que diremos, então, da força e a sabedoria de Deus?...
Mas o que é a loucura de Deus? E o que é a fraqueza de Deus? O que está por trás dessas expressões enigmáticas de Paulo?
Seria Deus louco? Seria fraco?
A loucura de Deus e a fraqueza de Deus são a cruz de Cristo.
Olhando para a cruz, humanamente nós vemos loucura e fraqueza, mas se mergulharmos com os olhos da fé vamos descobrir uma força insuperável e uma sabedoria sem limites. Paulo vai dizer também que: Já que o mundo não aceitou ser salvo pela sabedoria, Deus resolveu falar a linguagem da loucura. Afinal de contas, Ele está falando com loucos: “vamos caprichar na loucura... quem sabe agora eles entendem”. Se não entendem pela sabedoria o amor de Deus vão entender, talvez, pela loucura da cruz. Também poderíamos dizer que, se o mundo está pelo avesso em razão do pecado original e dos pecados pessoais de todos os homens, é preciso virá-lo do avesso de novo para colocar do lado direito, pois o avesso do avesso é o direito.
Jesus propõe o avesso dos valores desse mundo, propõe o contrário. Vira tudo de cabeça para baixo, vira tudo do avesso, pois sabe que precisa corrigir o mundo que está do avesso e de pernas para o ar.
Quem assume os valores do Evangelho, quem vive esses valores, está aceitando ser ‘desvirado’, colocado no lado direito, quem vive os valores do mundo permanece do avesso.
Deus, muitas vezes, age e se manifesta sob a aparência do contrário. A cruz é aparentemente fraqueza, mas de fato é força de Deus, aparentemente é loucura, mas é sabedoria de Deus. E Deus escolhe os menores, os pequenos, os sem importância como diz o apóstolo: considerai irmãos, fostes chamados por Deus entre vós não há muitos sábios, de sabedoria humana, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Através desses principalmente que Deus quer agir.
No fundo esse é o mistério do cristianismo, é o mistério da Páscoa: vida que brota da morte, vitória que brota da aparente derrota; luz que vem das trevas. Só Deus pode fazer isso.
E assim o Apóstolo dirá, nós ouvimos: ninguém poderá gloriar-se diante de Deus; porque o que é que eu tenho de meu? Nada! De meu próprio, a única coisa que tenho, que não recebi de Deus, são os meus pecados... Só. Todo o resto, tudo de bom que eu tenho (e devo ter algumas coisas boas como você também...), tudo de bom que tenho, que sou, devo a Deus, recebi de Deus; única coisa que não recebi d’Ele, que é meu próprio, são os meus pecados. Isso nos coloca no nosso devido lugar.
“Eu sou”, “eu consegui”, “eu fiz”, “eu conquistei”, “eu mereci”... Todas essas expressões e seus respectivos sentimentos são, assim, desmascarados e descartados. Somos reduzidos à nossa real insignificância. E quando admitimos nossa fraqueza e abraçamos a Cristo Crucificado, Ele nos torna fortes e nos ressuscita com Ele. Portanto quem se gloria, glorie-se no Senhor, concluirá Paulo, porque só Ele pode fazer brotar luz da nossa escuridão, só Ele pode transformar a nossa fraqueza em força, a nossa morte em vida nova.

Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 30/1/2011

LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura: Profecia de Sofonias (Sf 2,3; 3,12-13)
Salmo: [Sl 145(146)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,26-31)
Evangelho: Mateus (Mt 5,1-12a)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

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