Edição da Homilia do 5º Domingo da Páscoa
E perguntou a Jesus, aquele discípulo: Como podemos conhecer o caminho?
Pergunta mais do que nunca atual, num tempo em que as pessoas estão desnorteadas porque até as coisas mais óbvias são colocadas em questão. Daqui a pouco não se saberá mais, com facilidade, por exemplo, o que é uma família, o que é um homem, o que é uma mulher e assim por diante. Temos vários outros exemplos de confusão que vão se instaurando em cima das coisas mais simples e mais óbvias, que bastaria olhar com um olhar desarmado e honesto para ver o que são. No entanto a honestidade e o desarmamento dos olhares estão cada vez mais longe do hábito mental hodierno e a confusão impera – já não se sabe mais o que é isso e aquilo, o bem é chamado de mal, o mal é chamado de bem, tem-se orgulho das coisas vergonhosas e vergonha das coisas boas e sãs. As coisas vão-se virando pelo avesso cada vez mais e aí tem maior cabimento a pergunta: e como podemos conhecer o caminho? Somos bombardeados de todos os lados com tantas vozes que dizem “é por aqui”.
Jesus responde de modo simples e incisivo: Eu sou o caminho. Aliás, não só o caminho, Eu sou também a verdade e a vida.
Eu, sinceramente, desconheço qualquer grande nome das grandes religiões que há no mundo que tenha tido o topete de dizer coisa semelhante. Se alguém conhece algum fundador de religião ou mestre espiritual que tenha tido a ousadia de dizer “Eu sou, não um caminho, mais o caminho e, além disso, a verdade e a vida e, para agravar ainda mais a afirmação, digamos para torná-la mais escandalosa aos olhos do nosso tempo: ninguém vai ao Pai senão por Mim. Se alguém conhece quem, além de Jesus, tenha dito isto ou coisa semelhante, venha me dizer que eu quero saber. Não me consta que mais alguém tenha tido essa coragem. Ora, alguém que diz isto – “Eu não sou apenas um dos caminhos, mas Eu sou o caminho, o único caminho que leva ao Pai” –, alguém que diz isso ou é louco, ou é charlatão, ou fala a verdade. E, neste caso (sobretudo por identificar-se também com a “verdade” e a “vida”), é também de natureza divina e sabe disso. Resta à oposição o ônus da prova que Jesus seja louco ou charlatão, coisa difícil de provar. Enquanto não provam isso, eu presumo que Ele diz a verdade, sabe o que está dizendo.
Só o Filho de Deus feito homem poderia dizê-lo.
Isso é uma bomba contra todo o relativismo. Hoje tanto faz: cada um constrói a sua verdade, aquela que lhe convém, e se ele amanhece no dia seguinte com um humor diferente, muda as ‘verdades’ para adequá-las ao seu humor naquele dia.
Religião? A mesma coisa; cada um escolhe de acordo com que lhe agrada – “Eu vou lá, porque lá me sinto bem”. Bom, como sempre digo se, se puder juntar o útil ao agradável, ótimo, mas se não for possível, fiquemos com o útil (e o necessário) e dispensemos o agradável. Às vezes é preciso. Muita gente, tendo que escolher entre o útil e o agradável, escolhe o agradável, porque, para tais pessoas, o critério é o gosto pessoal e não mais a vontade de Deus. Não buscam mais o que Deus quer, mas o que elas querem de Deus: o que Ele pode me dar? O que a religião pode me oferecer? Se nós partirmos daí, estamos mal, porque nós passamos a ser o centro da referência de tudo, o centro do universo.
E aí, quem serve a quem? Eu sirvo a Deus ou Deus serve a mim? A religião é serviço do homem a Deus ou serviço de Deus ao homem? Se eu escolho religião desse jeito e, dentro da própria religião, escolho desse jeito as coisas que eu quero e as que eu não quero, crio uma religião “self service” da qual falamos várias vezes aqui. Isso tudo porque não se tem diante dos olhos que a verdade é Alguém, que tem a sua identidade, que foi enviado pelo Pai para nos revelar o que se refere à salvação, para revelar quem somos, para que existimos, qual o nosso destino e o que Deus quer de nós. Não se tem diante dos olhos que Jesus é a verdade, o caminho e a vida e que só se vai ao Pai através d’Ele.
Há um só caminho de nós até o Pai e o mesmo caminho do Pai até nós. Ou seja, se quisermos chegar a Deus, é através de Jesus. E Deus, para chegar até nós, também é através de Jesus. Foi o caminho que o Pai nos deu: seu Filho único feito homem.
Jesus é o Mediador entre o Céu e a terra. Sem Ele não existe comunicação com o Céu. Ele é o mediador porque Ele tem em si a natureza divina, (Filho do Pai eterno), e a natureza humana (filho da Virgem Maria). Ele é a ponte entre o Céu e a terra. É o único caminho.
As bênçãos de Deus, o perdão de Deus, a salvação, em suma, vem por meio de Jesus. E tudo aquilo que nós damos a Deus ou podemos oferecer a Deus vai a Ele por meio de Jesus: a nossa oração, os nossos pedidos, os nossos louvores, as nossas ofertas, os nossos pequenos e grandes sacrifícios... Tudo por meio de Jesus.
Também aqueles que não conhecem a Jesus sem culpa própria podem chegar a Deus, porque Deus é misericordioso e se compadece da ignorância e das trevas em que muita gente está mergulhada. Mas quando os que não conhecem a Jesus e chegam a Deus, também é por meio de Jesus que eles chegam; por meio desse Jesus que eles não conhecem, mas que os conhece e os ama. Sempre por meio de Jesus, queiram ou não, saibam ou não, gostem ou não: é por meio de Jesus que se chega ao Pai.
É Jesus quem afirma isso, não eu.
E na segunda leitura de hoje, tivemos um trecho duma Carta de São Pedro, que dizia ser Jesus uma pedra viva, rejeitada pelos construtores, mas escolhida por Deus. Isso é uma alusão a um salmo profético, que desde há muitos séculos antes de Cristo, dizia: A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se a pedra angular. Pelo Senhor é que foi feito tudo isso: que maravilha Ele fez aos nossos olhos! Jesus é essa pedra rejeitada pelos construtores, pelos chefes do povo de Israel, mas escolhida por Deus para ser a pedra angular da Igreja. Pedro desenvolve a imagem da pedra e diz: vós sois pequenas pedras vivas, formando o edifício espiritual da Igreja. Claro: ‘cristão’ vem de ‘Cristo’, d’Ele nós recebemos a nossa identidade: pedrinhas vivas, vamos formando a Igreja. Esta continua sendo construída (obra de igreja demora...) até o fim dos tempos, até a conclusão da história, quando o Senhor vier, por ocasião da ressurreição dos mortos para o juízo final. Até lá, pedrinha sobre pedrinha vai sendo colocada.
Nessa linha, o Apóstolo continua e diz que nós somos também um sacerdócio santo. Eu queria explorar essa idéia hoje: sois um sacerdócio santo para oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo. O que é isso? O que é um sacerdote? Sacerdote é alguém que oferece dádivas dos homens a Deus e recebe de Deus os bens celestes para distribuir aos homens.
Quando o Apóstolo diz que nós, a Igreja, o povo cristão, somos um povo sacerdotal, um sacerdócio santo para oferecermos a Deus sacrifícios espirituais, ele está dizendo que a todos nós foi dada uma certa participação neste poder de Jesus Cristo, que consiste em poder ofercer-nos a nós mesmos, oferecer a nossa vida, oferecer as coisas as coisas que nós vivemos a Deus, pela salvação da humanidade.
Sim! Todas as coisas da nossa vida podem e devem, excetuado o pecado, podem e devem ser oferecidas a Deus com grande proveito. Aquele aborrecimento que você teve na semana passada e que ainda está vivo na sua memória, aquele sofrimento cuja ferida ainda não cicatrizou na sua alma, aquela dores, aqueles receios, os medos, mas também aquelas esperanças, aquelas alegrias, muitas das quais você esqueceu-se de agradecer a Deus... Todas elas, todas essas coisas e tantas outras – a rotina do dia a dia, às vezes o tédio, a aparente falta de sentido de algumas coisas que compõem o nosso cotidiano, tudo isso pode ser oferecido a Deus e até o que parece sem sentido, aí ganha sentido porque estou oferecendo a Deus para a salvação da humanidade, das pessoas à minha volta, dos que eu amo, dos que eu não amo o bastante e de mim mesmo.
Estou inventado? Devo talvez me justificar. Cito o apóstolo Paulo. Ele diz (aliás, é uma frase que se não estivesse na Bíblia soaria blasfema): Completo na minha carne o que falta aos padecimentos de Cristo em favor do seu corpo, que é a Igreja.
Você pode ajudar a salvar o mundo, você pode ajudar a salvar seus filhos, seus netos, sobrinhos, seus amigos, seus inimigos. Você pode ajudar a salvar o mundo. Pedrinha viva da Igreja que você é participa da identidade e da missão salvadora de Jesus Cristo, Sumo Sacerdote. Você pode oferecer a sua vida com tudo que a compõe. E aquilo que parece sem sentido, repito, ganha sentido aí. Assim podemos abandonar aquela pergunta ociosa, tantas vezes inútil e contraproducente: por quê? Para abraçamos uma pergunta nobre, fecunda, cheia de horizontes: para quê? Abandonamos a pergunta pela qual pedimos satisfações a Deus e abrimo-nos ao mistério da sua sabedoria e da sua bondade. Abandonamos a pergunta estéril e abraçamos uma pergunta frutuosa. Deixamos o porquê e vivemos o para quê.
Nada se perde da sua vida, do seu sacrifício, das suas lágrimas, das suas dificuldades. Nada se perde das suas alegrias... Também as alegrias, não só as dores precisam de um sentido maior, visto que alegria, por maior que seja, passa e, desse ponto de vista, também parece sem sentido, porque agora eu me alegro e daqui a pouco “já era” a alegria. Para que ela faça sentido pleno e permanente só há um jeito: colocar nas mãos de Deus, de modo a emoldurá-la no quadro total dos planos salvíficos de Deus, no sentido total da História, que só Ele conhece, cujo curso só Ele domina.
Nós podemos, portanto, ajudar a salvar o mundo. Nesse sentido, Jesus dizia hoje no Evangelho: Quem crê em mim fará obras que Eu faço e fará ainda maiores. Como? É que não somos nós a agir, mas Ele em nós. Tudo o que eu ofereço ao Pai, vejam bem, é através de Jesus Cristo. Não é à toa que a grande maioria das orações na Liturgia se dirige ao Pai e termina “por Nosso Senhor Jesus Cristo vosso filho na unidade do Espírito Santo”. Tudo vai ao Pai, pelo Filho no Espírito Santo e tudo vem do Pai, pelo Filho no Espírito Santo.
O Pai é o destino, é a meta; o Filho é a estrada e o Espírito Santo é o veículo que nos leva até o Pai através do Filho. E de lá, do Pai, traz as coisas do Pai para nós, igualmente por meio do Filho.
Assim dirá a Liturgia daqui a pouco, no final da oração eucarística: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo a vós Deus Pai toda honra, toda glória na unidade do Espírito Santo”, ou seja, no poder do Espírito Santo que nos abraça e nos faz Igreja.
A ieitura dos Atos, e com isso queremos concluir, dizia, no final, que a Palavra do Senhor se espalhava e o número dos discípulos crescia muito, graças ao testemunho dos Apóstolos, não só pela sua pregação, mas pela sua vida. Ora, num mundo onde as pessoas estão cada vez mais angustiadas, perguntando-se “como podemos conhecer o caminho?”, a minha missão de cristão e a sua também é espalhar a luz de Cristo, é iluminar o caminho das pessoas através do exemplo, da palavra e da oração, de modo que também hoje se repita esse prodígio: que a Palavra do Senhor se espalhe e o número de discípulos cresça, pois, quando amamos alguém – pais, filhos, amigos, parentes, cônjuge, enfim – queremos o bem maior para tais pessoas. Ora, o bem maior é que conheçam Jesus Cristo e vivam em comunhão com Ele.
Quando é que você vai dar Jesus às pessoas que você ama? Já se decidiu a isso? O que está esperando para começar hoje mesmo?
Proferida pelo Padre Sérgio Muniz em 22/05/2011
Primeira Leitura: Atos dos Apóstolos (At 6,1-7)
Salmo: [Sl 32(33)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Pedro (1Pd 2,4-9)
Evangelho: (Jo 14,1-12)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
Salmo: [Sl 32(33)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Pedro (1Pd 2,4-9)
Evangelho: (Jo 14,1-12)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com