Homilia do 2º Domingo da Páscoa (2011)
Meus Irmãos,
Hoje nós ouvimos o relato da segunda aparição do Cristo ressuscitado que, de acordo com o Evangelho, ocorreu oito dias depois da primeira – e assim fica marcada a Oitava da Páscoa , ou seja, o período compreendido entre o domingo anterior e esse domingo.
Nesta segunda aparição, Jesus acrescenta ‘aquelas bem aventuranças que nós conhecemos, as do Sermão da Montanha (Bem aventurados os pobres de espírito porque é deles o reino dos Céus, bem aventurados os mansos, os puros, os que sofrem por causa da justiça, etc.) Uma outra, graças ao episódio do apóstolo Tomé que, não estando presente por ocasião da primeira aparição, recusa-se a crer no testemunho dos demais, como a dizer: estão todos malucos; eu tenho que ver. Agora, então, Jesus aparece, censura Tomé – Não sejas incrédulo, mas fiel – e proclama uma bem-aventurança ainda desconhecida e agora revelada: bem aventurados os que creram sem ter visto.
Ainda que nós tivéssemos dificuldades de nos encaixar nas outras bem aventuranças, pois que pobre de espírito posso não ser, graças ao meu orgulho, à minha soberba; claro que manso eu não sou porque, ainda que lute contra a minha agressividade, pouco consigo dominá-la etc. Pelo menos nesta bem aventurança eu me encaixo e creio que todos vocês aqui, com facilidade possam se encaixar. Bem os aventurados os que creram sem ter visto - e através desta bem-aventurança, com a graça de Deus, chegaremos às outras que nos faltam.
O apóstolo Pedro, na Segunda Leitura, admirado, diz: Sem ter visto o Senhor, vós o amais, sem ver ainda, nele ainda acreditais – e qual a consequência disso? Isso será para vós fonte de alegria, indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação. Obtereis aquilo em que acreditais: a ressurreição da carne e a vida eterna.
Realmente é obra da misericórdia de Deus o aparecimento de Cristo a Tomé, pois através da repreensão de Cristo ao apóstolo incrédulo a nossa fé é confirmada e a nossa alegria de crer sem ter visto é recompensada.
O erro de Tomé não foi tanto em não acreditar de pronto na ressurreição de Jesus, porque isso todos os outros fizeram quando ouviram a notícia pela primeira vez; ficaram um pouco apavorados, atônitos – vieram as mulheres do sepulcro e anunciaram que tinham visto anjos e que o sepulcro estava aberto etc. Bom... Poderia ser uma espécie de delírio coletivo, quem sabe estavam ainda muito abaladas com tudo que aconteceu; quem sabe alguém lhes pregou uma peça. Então os apóstolos não dão crédito, vão verificar. O túmulo está vazio, muito bem, mas até aí poderiam ter tirado o corpo. Dali a pouco, Jesus aparece aos que estão reunidos no Cenáculo, escondidos com medo. E aparece a dois deles que estão caminhando para o campo e retornam para dar a notícia. E agora aparece uma segunda vez ao grupo dos apóstolos, estando presente Tomé.
Há várias notícias, relatos, testemunhos, que vão se encaixando, e dali a pouco toda a comunidade dos Apóstolos, aquele círculo mais restrito, como também dos discípulos em geral que era um círculo mais amplo, dá testemunho que viu Jesus ressuscitado. Aliás o apóstolo Paulo, na Primeira aos Coríntios, ao falar da ressurreição de Jesus, cita nomes de pessoas que o viram, cita em primeiro lugar Pedro, que nos escreve essa carta donde se extrai a segunda leitura de hoje, cita outros apóstolos e cita depois mais de quinhentos irmãos, diz ele, a maioria dos quais ainda vivia então. Portanto ele estava colocando tais pessoas como testemunhas mediante as quais o fato poderia ser averiguado, bastava perguntar.
Ninguém engana tanta gente ao mesmo tempo; ninguém pode ter a mesma ilusão assim ao mesmo tempo. O fato é, portanto, que Tomé não apenas tem dificuldade em acreditar na ressurreição, mas é mais grave: ele recusa o testemunho unânime de toda a Igreja, de todas as testemunhas do ressuscitado como se todos estivessem doidos e só ele fosse o critério da verdade – Pouco me importa que vocês me digam que vocês viram, que vocês tocaram, que vocês comeram com Ele (como de fato aconteceu, conforme o Evangelho de Lucas). Pouco me importa, eu tenho que ver, eu sou o critério último da verdade... Tudo gira em torno de mim – não interessa se o mundo sabe, se o mundo viu, eu tenho que ver. Então o erro fundamental aí foi rejeitar o testemunho da Igreja inteira e se colocar ele próprio como critério último da realidade, da verdade.
E quantas vezes nós fazemos isto? Ah! Eu sou católico, mas isso eu não aceito. Geralmente quem fala isso, desconhece por completo o assunto do qual está discordando e faz questão de não conhecer. É aquele negócio: não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe; e não venha me dizer por que não quero saber mesmo; porque é muito mais cômodo ficar sem saber, evidentemente. Isso eu não aceito... Mas o que é que você sabe disso? Já procurou saber?
Assim, tantas vezes rejeitamos o testemunho unânime da Igreja de todos os séculos, dos apóstolos até agora e de uma maneira ou de outra rejeitamos o Cristo ressuscitado que é a base de toda a fé e de cada uma de suas afirmações e exigências. Mas a bem aventurança é para aqueles que fato creram sem ter visto. Sem ter visto, sim, mas não sem razão. Sem razão nunca! Porque o sangue que os apóstolos derramaram fala, clama até hoje: Jesus ressuscitou. Deram a vida por isto, por este testemunho. Ninguém mente para sofrer, ninguém mente até o derramamento de sangue, ninguém sustenta uma farsa até esse ponto. Os farsantes são farsantes para tirar vantagem; na hora em que se torna desvantagem, então a farsa acaba.
E levaram até o fim e assinaram com seu sangue a pregação: Jesus ressuscitou. Tiveram a coragem de chegar a esse ponto porque tiveram a experiência do Cristo vivo, ressuscitado e porque receberam o Espírito Santo por Ele enviado. Não tivessem tido esta experiência nada mudaria o medo, a covardia dos apóstolos que estavam escondidos. Pedro mesmo, que negou conhecer Jesus, depois deu a vida por Ele. Por que esta mudança? Estava seguro da retribuição celeste e estava seguro da ressurreição da carne no dia do juízo, senão não o faria. E como estava tão seguro? Ele viu, ele tocou, ele comeu com Cristo ressuscitado. Eis porque ele se admira, conforme escreve nessa epístola, com os cristãos que, como nós, aderiram ao ressuscitado sem O terem visto – sem o ver, vós o amais, sem o ver nele acreditais.
Isso é uma coisa grandiosa. Contudo repito: sem ver, sim, mas não sem razão, não sem uma boa razão.
Esta razão é o testemunho unânime da Igreja desde o sangue dos apóstolos até hoje, de geração em geração. E nós somos as atuais testemunhas do Cristo ressuscitado, responsáveis por levar este anúncio de vitória aos séculos vindouros, transmitindo aos nossos filhos, aos nossos amigos, às pessoas em torno de nós, transmitindo não só pela nossa palavra, mas também pelo nosso modo de viver, assim como aparece na primeira leitura, de Atos dos Apóstolos: O modo de vida dos cristãos era diferente, brilhava. Termina a leitura dizendo que eram estimados por todo o povo e cada dia o Senhor acrescentava ao seu número mais pessoas que seriam salvas. Por quê? Porque eles brilhavam com a luz do Cristo ressuscitado. Eles eram uma tocha viva, eles eram uma luz no meio das trevas. A vida do cristão reflete isto e se não reflete, há alguma coisa de errado. E vejam o modo de vida deles então: os que haviam se convertido eram perseverantes, no ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão (esta expressão designa a Eucaristia, a Santa Missa) e nas orações.
Esse é o retrato da primeira comunidade.
Estamos aqui nós também, perseverando no ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão (daqui a pouco Jesus se fará o nosso alimento: eis o meu corpo que será dado por vós) e nas orações. Somos nós a continuação dessa história. Possamos também levar adiante aquilo que recebemos como povo nascido da ressurreição de Cristo. Que a nossa alegria seja maior do que os problemas momentâneos. O cristão pode até, em alguns instantes estar entristecido, mas ele não pode ser triste porque a alegria do Cristo ressuscitado é maior do que todas as outras coisas – a certeza é maior. Esta fé na qual nos fala a liturgia de hoje é maior. Eu posso estar triste, mas não posso ser triste.
Sou feliz, mais do que alegre, sou feliz porque pertenço a Cristo ressuscitado e Ele me pertence! Isso basta, porque é fonte de alegria indizível e gloriosa.
Meus irmãos, que o Senhor acenda em nossos corações essa alegria indizível e gloriosa e que, por mais que ela seja indizível em palavras, possa ser dita na nossa vida e vista pelos que estão ao nosso redor.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 1 de maio de 2011
Liturgia da palavra:
Primeira Leitura: Atos dos Apóstolos (At 2,42-47)
Salmo: [Sl 117(118)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Pedro (1Pd 1,3-9)
Evangelho: João (Jo 20,19-31)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
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