Transcrição da Homilia do Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor (2011)
Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremos e nele exultemos. Um Salmo que ressoa hoje por toda terra celebrando a ressurreição de Cristo; o apóstolo Paulo diria também: Se Cristo não ressuscitou vã é a nossa fé.
O Evangelho nos fala do túmulo vazio e é claro que o túmulo vazio não seria motivo suficiente para afirmar a ressurreição. Mas não esqueçamos que o relato da Paixão de Cristo nos diz que os opositores de Jesus, com medo que o corpo fosse roubado e depois dissessem que ele ressuscitou, pediram a Pilatos e Pilatos concedeu-lhes um corpo de guarda, alguns soldados, para que se revezassem e tomassem conta do sepulcro, até o terceiro dia.
Depois, os Evangelhos e Atos dos Apóstolos nos relatarão as aparições do ressuscitado, as últimas aparições, e a ascensão ao céu. As aparições do ressuscitado são fundamentais. O Evangelho nos diz que aqueles mesmos que tinham pedido a guarda para o túmulo, diante da notícia da ressurreição e do túmulo vazio, ficaram apavorados e foram subornar os guardas para que dissessem a Pilatos terem dormido enquanto estavam de serviço e que, se houvesse alguma complicação, eles, os sumos sacerdotes, interviriam em favor dos guardas. Isto está no Evangelho.
Não basta, pois, o túmulo vazio, mas também essas informações e as aparições do Ressuscitado vão ser objeto da Liturgia nos próximos dias. No próximo domingo, nós teremos uma aparição do Ressuscitado, uma das mais importantes, e durante a primeira semana da Páscoa (são sete semanas) estas cenas vão se multiplicar.
Os discípulos, de início, ficam atônitos, sem saber exatamente no que acreditar. As mulheres anunciam que viram anjos dizendo que Jesus havia ressuscitado, pois elas foram muito cedo ao túmulo para ungir o corpo (não tinha dado tempo de fazer direito antes do sepultamento pois coincidiu com uma festa sagrada, elas tiveram que se apressar). E o mais importante para afirmar a ressurreição de Jesus é a diferença do ânimo dos discípulos após a sua morte antes da ressurreição e depois da ressurreição, a partir dos encontros com Jesus ressuscitado e da recepção do Espírito Santo.
Vejamos: todos nós lembramos claramente que Pedro, escolhido como chefe dos doze, negou conhecer Jesus com medo de ser também ele preso, julgado e quem sabe até sentenciado à morte; negou Jesus: Não conheço esse homem, e fugiu. Nós sabemos também que os outros discípulos, exceto João, o mais novo de todos (talvez um adolescente na época) fugiram. Só o jovem João ficou aos pés da cruz, com Maria e outras mulheres.
Imperava o medo, imperava o vazio, o desânimo. Depois de Jesus ressuscitado, o Evangelho nos relata uma cena que vai também aparecer na liturgia: dois deles caminham, saindo de Jerusalém, dirigindo-se para a cidadezinha de Emaús distante dali onze quilômetros. Enquanto caminham, conversam sobre sua grande decepção, chamada de Jesus de Nazaré – um homem que fazia milagres, que curava cegos de nascença e até ressuscitava cadáveres, como Lázaro, há quatro dias morto, mas não pôde salvar a si mesmo da morte na cruz. Decepcionados, podemos imaginar o teor desta conversa: “nós colocamos nossa toda esperança nesse homem e ele parecia ser o Messias que nós tanto desejávamos; ele parecia ser o prometido, o enviado de Deus, o anunciado pelos profetas e se não for ele quem seria então? Jamais se ouviu falar de alguém que fizesse as coisas que ele fazia e, no entanto, ele morreu e foi injustamente condenado. O que será de nós agora? Em que acreditaremos e em quem colocaremos a nossa esperança?”
Enquanto caminham e conversam desiludidos, Jesus lhes aparece como viajante desconhecido, misterioso, e vai andando com eles até o fim do caminho quando, enfim, se revela e, quando o reconhecem, imediatamente o Senhor desaparece diante de seus olhos.
Depois dessas aparições, Jesus vai se despedir dos discípulos, subirá aos céus, a seus olhos, será ocultado pelas nuvens e não mais o verão com os olhos da carne, mas Ele promete: Eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo; e agora esses discípulos aguardarão em Jerusalém, ainda com um pouco de medo, mas já reanimados porque Jesus, antes de subir aos céus, havia prometido que eles receberiam um certo “dom do alto”, eles não sabiam bem o que era, mas que aguardassem em oração. E assim fizeram. Reunidos, ainda com medo, de portas fechadas, esperando esse tal do “dom do alto” misterioso quando, enfim, no dia de Pentecostes, vem o Espírito Santo sobre eles. Ouve-se um vento impetuoso, bem mais que esse que está soprando aí fora, que sacode tudo; a casa onde eles estão treme e um fogo desce do céu, línguas de fogo sobre cada um dos discípulos.
O Espírito Santo se manifesta de modo visível e, a partir daquele momento, eles adquirem força, coragem, abrem as portas e enfrentam o mundo. Pedro sairá e dirigir-se-á aos peregrinos que vão ao templo de Jerusalém, anunciando que Jesus (que eles pediram para crucificar) ressuscitou e é o Salvador. É a primeira leitura de hoje. Faz parte do discurso de Pedro. Pedro, que tinha medo, que fugiu; Pedro, o covarde, mas arrependido e perdoado por Jesus. Há pouco ainda receoso da multidão, agora ele perde o medo e anuncia o Ressuscitado de peito aberto. Mostra-se ao mundo; assim também os demais discípulos: todos eles começam a anunciar Jesus Cristo sem temor.
De onde vem uma mudança dessas? Teremos aí uma alucinação coletiva? De resto quem mente, mente para tirar vantagem. Mas esses não tiraram vantagem humana do anúncio de Jesus ressuscitado. Humanamente falando, eles até foram prejudicados, porque todos morreram mártires. Novamente excetuando-se João, que permaneceu aos pés da cruz. Certo que ele viveu o martírio aos pés da cruz com Maria. Não precisava mais... Mas os que fugiram tiveram a oportunidade de responder ao amor de Jesus à altura, derramando o próprio sangue e confessando, assim, a sua fé e seu amor, desprezando o mundo que passa.
Pedro está com segurança absoluta na retribuição celeste e na ressurreição da carne que virá, também para nós. Por isso eles enfrentaram a morte. Não o teriam feito, não teriam tido essa coragem se não tivessem visto Jesus ressuscitado, como dizia o apóstolo Pedro na primeira leitura: Deus o ressuscitou, concedendo-lhe manifestar-se não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhido , a nós que comemos e bebemos com Jesus depois que Ele ressuscitou dos mortos. Não era um fantasma. Comemos e bebemos com Jesus depois que ele ressuscitou dos mortos.
Meus irmãos, a propósito do martírio, que é o testemunho de Cristo, nem todos teremos a graça suprema de dar a nossa vida por Aquele que deu a vida por nós. Mas alguns tiveram essa graça e outros ainda a tem.
Vou levar ao conhecimento de vocês, se bem que um ou outro já deva saber, um fato recente e muito preocupante: no Paquistão, ao noroeste da Índia, país de religião predominantemente islâmica, uma católica de nome Ásia Bibi foi sentenciada à morte recentemente. Aguarda a sua execução numa solitária, doente, sem cuidados médicos. Todos nós ouvimos falar de Sakineh, a mulçumana iraniana que foi condenada à morte por apedrejamento por adultério e o mundo se levantou em favor da vida dela (e não digo que tenham feito mal; culpada ou inocente, fez-se bem em defender Sakineh). A imprensa mundial militou em favor dela. Onde está à imprensa mundial em favor dessa católica cujo crime foi responder, depois de muitas vezes instigada pelos seus colegas de trabalho a deixar o cristianismo e abraçar o islamismo, responder serenamente: “eu permanecerei cristã porque Jesus está vivo, Maomé está morto”. É um fato... E acrescentou: “Jesus é o verdadeiro profeta de Deus”. Levaram-na aos tribunais, condenaram-na, por blasfêmia, à morte.
Porque a imprensa mundial não o noticia? Só a imprensa católica. Muitos de nós não sabíamos disso, só soubemos agora. Por quê? Já há vários dias, quarta feira da Semana Santa a Igreja no Paquistão pediu que fosse dia de oração em favor dessa nossa irmã e de todos os cristãos perseguidos dessa forma. O Vaticano também pediu. Nós nem ouvimos falar. Por quê? Se fosse uma coisa ruim, contra a Igreja, já estaríamos sabendo e da pior maneira possível: agravado com suposições infundadas, acréscimos etc. Trombeteariam! Mas como é a nosso favor, como a vítima agora é a Igreja Católica na pessoa de seus membros, silencia-se. Isso é perseguição!
Bem vindos à nova era dos mártires. E não pensem que está longe de nós. Já existe perseguição, de várias maneiras e a mais capciosa é a que não aparece ou não se mostra como tal. Meios de comunicação, televisão, idéias veiculadas aqui e ali, tudo para destruir o que sobrou do cristianismo no seu coração, na sua cabeça, na sua família, na sua vida.
E agora que faremos nós? Se cremos em Cristo ressuscitado, se o encontramos ou se nos deixamos encontrar por Ele, se de fato experimentamos sua vida em nossas vidas, que faremos nós? Vamos nos recolher com portas fechadas ou vamos anunciar ao mundo que Cristo ressuscitou com nossa vida, sobretudo?
Meus irmãos, quero concluir com as palavras do apóstolo Paulo: se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos para alcançar as coisas do alto onde Cristo está sentado à direita de Deus. Aspirai às coisas do Céu e não as da terra, pois vós morrestes – morrestes para essa vida, para esse mundo que passa, para as coisas transitórias – e a vossa verdadeira vida está escondida com Cristo, em Deus.
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 24 de abril de 2011
Liturgia da Palavra:
Primeira Leitura: Atos dos Apóstolos (At 10,34ª.37-43)
Salmo: [Sl 117(118)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Colossenses: (Cl 3,1-4)
Evangelho: (Jo 20,1-9)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com
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