Nota: devido a sua longa extensão, consulte este Evangelho diretamente na Bíblia
Transcrição da Homilia do Domingo de Ramos
Hoje, naturalmente, devemos tentar ser bem breves, até porque a palavra do homem jamais pode cumprir a função de salvação, que é só da Palavra de Deus. A nossa palavra está a serviço da d’Ele e não ao contrário, mas é preciso dizer alguma coisa.
Eu gostaria de, hoje com vocês, refletir um pouco sobre aquela exclamação de Cristo na cruz que causa tanta dificuldade às pessoas em geral: ”Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?”. Parece uma falta de confiança no Pai Celeste, parece um grito de desespero, parece falta de fé e assim por diante. Como será que nós devemos entender isso nos lábios de Jesus? Bom, vocês sabem que nos momentos difíceis, pessoas religiosas costumam logo lembrar-se de Deus (aliás não só nos momentos difíceis, porque senão seria uma religião capenga) e quando nos lembramos de Deus, conversamos com Ele.
Jesus, como todo israelita que se prezasse na época e até hoje (também os cristãos deveriam imitar isso), tinha de cor os Salmos, porque estes eram a oração preferida do povo de Israel e é a oração preferida da Igreja, que se edifica sobre a herança de Israel. Existe um Salmo, que foi nosso Salmo Responsorial de hoje, o Salmo 21 que começa exatamente com esta frase ”Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?“. É um grito de socorro, de um homem que está abandonado por todos, que se sente no vazio, embora ele saiba, no fundo, que Deus está com ele porque não faria sentido falar com Deus se de fato ele o tivesse abandonado. É um sentimento de abandono, mas a fé vai no sentido oposto, ela sabe que não estamos abandonados. Vejam que o Salmo começa com aflição “Riem de mim todos aqueles que vêem“, “cães numerosos me rodeiam furiosos”, “Transpassaram minhas mão e os meus pés” (é uma profecia sobre o suplício da cruz: transpassaram minhas mãos e os meus pés, repartem as minhas vestes, sorteiam a minha túnica; profecia escrita séculos antes, cerca mil anos, de pelo menos antes de Cristo), vós, porém, Senhor não fiqueis longe, continua o salmista. E vejam como termina o Salmo: “anunciarei o vosso nome a meus irmãos e no meio da assembléia hei de louvar-vos. Vós que temeis ao Senhor Deus, dai-lhes louvores, glorificai-o descendentes de Jacó”. Então, começa com um grito de súplica e de aflição e termina como um grito de esperança e de alegria, louvando a Deus. Portanto esse Salmo é uma profecia que aponta a morte , mas a também para além da morte, a ressurreição, a vitória de Cristo.
Jesus na cruz estava rezando esse Salmo, foi a sua última oração. Todas as pessoas que o circundavam conheciam também o Salmo e provavelmente o sabiam de cor. Aqui não estão todos os versículos , existem outros versículos muito bonitos, por exemplo: “fostes vós que me formastes as estranhas e no seio de minha mãe me tecestes, me destes vida, desde o ventre de minha mãe sois o meu Deus. Lembremos: Maria estava aos pés da cruz; ela também conhecia o Salmo; Jesus está ofegante porque a morte de cruz comporta um movimento que gera asfixia progressiva, força muito a respiração e o coração (é isso que causa a morte). Sofrendo asfixia, provavelmente Ele não tem forças para rezar todo o Salmo até o fim e faz como faria um moribundo, sem forças, que e começasse a rezar: Pai nosso que estais no Céus... e as pessoas em volta, certamente, continuariam a oração, murmurando ou em voz alta...
Podemos imaginar esta cena: Jesus que começa a oração Salmo, Ele “puxa”, como nós dizemos, a oração do Salmo e as pessoas então continuam, porque Ele não tem forças para continuar. E o. Salmo termina com um grito de louvor, de confiança. Portanto, longe de ser um desespero de Jesus, é, pelo contrário, uma oração de profunda esperança.
Jesus, ao dizer essas palavras, toma sobre si o abandono da humanidade. Aí sim, Ele está dando voz aos sem-Deus, porque o homem, quando abandona Deus, sente-se abandonado por Deus. Mas na verdade, foi ele quem O abandonou. O mergulhado no pecado, ele sente como se Deus o tivesse deixado, mas Deus nunca o deixa; foi ele quem deixou a Deus. Então Jesus dá voz à humanidade afastada de Deus, dá voz a humanidade que abandonou a Deus e por isso se sente abandonada. Jesus toma sobre si o pecado da multidão, o abandono da multidão sem Deus e apresenta ao Pai, na sua voz, na sua carne, no seu sangue derramando, o drama de todos nós, o sofrimento da humanidade inteira.
É uma oração de esperança e é uma oração sacerdotal. Ele intercede por todos. Ele toma sobres si, como dissera o profeta Isaías, o pecado das multidões.
Eu gostaria também de concluir sublinhado o fato muito estranho que está ai no versículo 52 do Evangelho, aliás um pouco antes: a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, a terra tremeu, as pedras se partiram, os túmulos se abriram e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram e apareceram a várias pessoas na cidade de Jerusalém.
Eis o que acontece: a cortina do templo, que separava a parte mais sagrada, onde só uma vez no ano o sumo sacerdote entrava para oferecer determinado sacrifício , aquela cortina rasgou-se, ou seja, o acesso a Deus, o acesso à parte mais sagrada está aberto a todos, não existe mais a separação. Assim que Cristo entregou a sua vida por nós, o Santuário se abriu, esse Santuário é a imagem do Céu. Está aberto o Céu, nós podemos entrar, graças ao sacrifício redentor de Cristo. Abriu-se o Céu para nós é isto que significa a cortina do templo rasgado de alto a baixo e também a terra tremeu, as pedras se partiram, os túmulos se abriram e alguns ressuscitaram e apareceram, ou seja, não só o Céu se abriu para receber-nos, mas também os túmulos, a terra se abriu para devolver os mortos.
É o início de um novo tempo. A partir de agora, a morte está derrotada. Jesus, com a sua morte, derrota não só o demônio que tiranizava a humanidade e que nos mantinham escravos pelo pecado, mas também derrota a morte. É questão de tempo. Ele ressuscitaria dali a alguns dias e também nós ressuscitaremos no dia do Grande Juízo, do Juízo Final. Creio na ressurreição da carne na vida eterna e Ele já deu uma demonstração disso com esse milagre acontecido no momento da sua morte.
Portanto, meus irmãos, eu queria convidar-nos a todos a vivermos uma vida nova em Cristo como quem morreu com Ele e com Ele ressuscitou. Sejamos nós esses ressuscitados que saíram dos túmulos para proclamar a vitória de Jesus. Saiamos nós do túmulo do nosso egoísmo, do nosso pecado, da nossa falta de fé, da nossa preguiça religiosa sobretudo, da nossa ignorância voluntária que não quer saber de Deus, da nossa soberba e de tantos pecados, saiamos dos nossos túmulos pela conversão sincera e anunciemos ao mundo por uma vida nova, uma vida ressuscitada, que Cristo venceu!
Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 17/04/2011.
Evangelho (Ritos iniciais): (Mt 21, 1-11)
Primeira Leitura: Livro do profeta Isaias: (Is 50,4-7)
Salmo: [Sl 21(22)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Filipenses: (Fl 2,6-11)
Evangelho: Mateus (Mt 26,14-27,66)
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