quarta-feira, 11 de maio de 2011

Transcrição da Homilia do 5º Domingo da Quaresma

Meus amados irmãos, minhas prezadas irmãs.

Nós temos ouvido nestes últimos domingos Evangelhos realmente muito fortes, marcantes e podemos dizer que o de hoje é o ponto culminante. De fato, há dois domingos atrás, Jesus se encontrava com a samaritana na beira do poço, pedia de beber e acabava oferecendo a ela uma água viva. Jesus se manifestava então como quem sacia a nossa sede, nossa sede mais profunda. No domingo passado, vimos Jesus que curava o cego de nascença. Jesus se manifestava como luz para nossa vida, para nossos passos. Hoje, Jesus se manifesta como a própria vida ao ressuscitar Lázaro, há quatro dias morto e já em decomposição.

A morte e a decomposição da carne são, aqui, uma alusão, um sinal, do pecado que é a verdadeira morte, a verdadeira putrefação do homem. Se nós pudéssemos ver o que os olhos de Deus vêem, nós nos horrorizaríamos com o pecado mais que nos horrorizamos com a morte... Mas não vemos. Se nós pudéssemos ver o estado de putrefação em que se encontra a alma voluntaria e conscientemente afastada de Deus, digamos, endurecida, obstinada no pecado, nós teríamos mais asco do que se víssemos a putrefação de um cadáver. Mas nossos olhos não o vêem; só os olhos de Deus vêem. Temos que descobrir isto à luz da fé, temos que tentar enxergar com os olhos de Deus o que nos causa o pecado: algo mais horroroso que a morte é a putrefação da alma; mais horroroso que a putrefação da carne.

Jesus, com isso, nos dá um sinal do que Ele veio fazer: a salvação é justamente isso: aquilo que Ele fez ao cadáver de Lázaro, isso Ele faz a todos nós espiritualmente quando nossos pecados são perdoados. É o que chamamos de salvação. A palavra salvação é muito bonita na sua etimologia: vem do latim salus, que significa saúde, então dizer ‘salvação’ é dizer a ‘saúde’ do homem inteiro, da sua alma mas também do seu corpo.

Como assim? Jesus operou muitas curas, ressuscitou muitos mortos, mas quem fica curado milagrosamente, um dia fica doente de outra coisa e Lázaro, que foi ressuscitado, um dia certamente morreu. Aliás, o Evangelho de João relata no capítulo seguinte (Jo, 12, 10) a seguinte observação: os sumos sacerdotes que eram opositores de Jesus decidiram matar Lázaro ressuscitado. Queriam que ele morresse... De novo: “Decidiram matar Lázaro pelo fato de que muitos judeus, por causa dele os abandonavam e passavam a acreditar em Jesus”. Vejam: um endurecimento de coração desses homens que, diante das maiores evidências, querem calar a própria verdade. Querem que os fatos estejam a serviço deles, que o mundo gire entorno do que eles pensam. E se os fatos são contrários às certezas, às posições deles, então vamos torcer os fatos... O que importa que a nossa opinião prevaleça; é dureza de coração. Quantas vezes diante da verdade as pessoas se comportam assim. Vêem, mas negam; vêem , mas não querem ver. Mas a verdade se impõe por si mesma.

Mas a ressurreição de Lázaro foi uma ressurreição, por assim dizer, “provisória”, pois Lázaro voltou para esta vida: portanto voltou a ter fome, a ter sede, a se cansar, a ter sono, a sentir dor, a envelhecer e um dia morrer , se é que não o mataram mesmo, visto que não se tem mais notícia dele depois dessa observação que o Evangelho faz. Então não foi uma ressurreição gloriosa como a que nós esperamos e mencionamos no Credo (“creio na ressurreição da carne e na vida eterna”). Aquela ressurreição da qual fala Marta no diálogo com Jesus. Teu irmão ressuscitará, diz Ele: eu creio que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia ou seja no final, na conclusão da história, no dia do juízo final, eu sei que ele ressuscitará. Nós esperamos esta ressurreição (se alguém tiver curiosidade procure na Primeira Carta de São Paulo aos coríntios, capítulo quinze. Todo o capítulo quinze fala da ressurreição futura, da nova ressurreição- não apenas a restauração do corpo, mas a glorificação da matéria).

Caminhamos para esta ressurreição, igual à de Jesus, que não sente mais fome, sede, dor, não envelhece. Jesus que aparece, desaparece depois de ressuscitado, que assume uma aparência diferente e se torna momentaneamente irreconhecível (alguns discípulos o vêem sem o reconhecerem de pronto). Neste caso, a matéria vai assumir outras propriedades que nós desconhecemos na experiência presente.

Pois bem, nós caminhamos para essa ressurreição gloriosa e ninguém pense que essa vai ser um ponto isolado lá no futuro. Ela é um processo. Sim, a ressurreição está em processo, ela já começou. Começa na alma e termina no corpo. A ressurreição, o processo de ressurreição começa no dia do nosso Batismo. No Batismo nós recebemos o Cristo ressuscitado em nós e somos assimilados a Ele (recebidos n’Ele). Tornamo-nos habitação da Trindade. É um processo, e nesse processo, como nos diz a segunda litura de hoje: se o Espírito (é o Espírito Santo) d’Aquele que ressuscitou Jesus habita em vós, Aquele que ressuscitou Jesus vificará também vossos corpos mortais graças ao Espírito Santo que habita em vós. Então transbordará no corpo o que já começou na alma. Ouçamos de novo o Apóstolo que diz: os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus, vós não viveis segundo a carne, mas segundo o Espírito se é que o Espírito de Deus habita em vós. Temos, em nós o Espírito Santo e isso traz consigo, como consequência, a exigência de vivermos de acordo com Este que habita em nós e não segundo a carne; não de modo meramente humano, isto é o que significa viver segundo a carne: de modo meramente humano.

Por exemplo, é humano, meramente humano, amar quem me ama e odiar quem me odeia. Mas é divino amar quem me ama e amar quem me odeia, perdoar e rezar por quem me odeia. Quem ama a quem o ama e odeia a quem o odeia vive de modo meramente humano, vive segundo a carne. Quem ama quem o odeia ou pelo menos tem o desejo sincero chegar a isso, e busca rezar pelos que o perseguem, perdoar os que o ofenderam, esse não vive só segundo a carne; está além: ele vive segundo o Espírito. Então, viver segundo a carne é viver conforme o óbvio da natureza humana, não é necessariamente mal (às vezes sim), mas viver segundo o Espírito é dar um passo além. Então, quem recebeu o Espírito Santo deve viver assim. Deve buscar isso. E tem a força de Deus para tanto.

Já começou aí a ressurreição: é um processo de transformação que começa no fundo da alma. Claro que precisa de sua colaboração, mas quem faz é Deus porque Ele está presente. Posso amar como Deus ama, basta meu o consentimento e então a ressurreição já vai acontecendo.

Nós vamos passar pela morte, mas se morrermos na graça de Deus , quer dizer na amizade com Deus, na união com Deus, nós vamos um dia contemplá-Lo, face a face, nossa alma estará diante d’Ele. O que acontecerá com a alma que contempla Deus face a face? Ela ficará radiante na luz de Deus como o espelho diante do sol. Esta alma, radiante na glória de Deus, no dia da ressurreição, quando ela se unir novamente à matéria, a matéria será glorificada por consequência. A glória que a alma recebeu contemplando Deus face a face vai transbordar e vai inundar a matéria, vai ser transmitida ao corpo e esse corpo então será um corpo glorioso. É essa ressurreição gloriosa, a ressurreição de Cristo, que esperamos também para nós. O Apóstolo dirá na Primeira aos Coríntios, no capítulo que acima lhes recomendei: todos ressuscitaremos, cada um por sua vez, Cristo em primeiro lugar [...], depois os que pertencem a Cristo.

Pois bem, meus irmãos, quem é o cristão nessa ótica? O cristão, o discípulo de Jesus, é aquele que começou a ressuscitar no dia que foi batizado e vive uma vida de ressurreição uma vida em direção à ressurreição. O que é isso? Vive dando morte ao pecado, dando morte ao mal, vive morrendo para tudo quem não presta. Vive uma vida nova para Deus a cada passo. Ele vai morrendo e vai renascendo a cada dia. Morrendo pelo reconhecimento dos seus próprios pecados, pela penitência que faz, pelo sincero arrependimento, pela busca de uma vida renovada. Ressuscitando pela prática do bem conforme Deus lhe mostra, buscando a perfeição, unindo-se a Deus na oração, no sacramento da Eucaristia, principalmente.

Querem um momento muito claro de ressurreição na nossa vida, por exemplo? É quando nos aproximamos do sacramento da Confissão. Naquele momento, Jesus faz o que fez com Lázaro: manda tirar a pedra do túmulo e diz ao defunto: “vem para fora, vem para a vida, vem para a luz, você que está cheirando mal”. E Ele cura a nossa alma , transforma e o que estava fedendo e agora já não fede mais, passando ao que o Apóstolo Paulo chamará de “bom odor de Cristo”.

Eis aí! Eu queria convidar todos nós a lembrarmos disto nessa semana que inicia e nesse fim de quaresma, até a Páscoa .

Nossa vida consiste, deve consistir, num morrer e num ressuscitar. Pergunte-se ao começar o seu dia, na sua oração: Senhor para que eu devo morrer hoje? Ou o que eu devo matar hoje em mim? A que eu devo renunciar? O que eu devo abandonar? E no final do dia examine e veja: morri para as coisas ruins e vivi para Deus ou fiz o contrário? Diante dessas coisas que eu passei hoje, que eu realizei, como estará minha alma diante de Deus? Cheirando mal? Cheirando bem? Em que grau estará esse bom odor ou esse mau odor? E assim examinarmos a consciência , procurando a ressurreição dia após dia, pedindo a ajuda de Jesus e prometendo-lhe nosso empenho.

Não se desespere por falta alguma, não considere nada como insuperável, porque se Jesus ressuscitou um morto em decomposição, Ele pode, Ele quer fazer esse milagre também conosco, aqui , agora. E digo mais: se fossemos capazes de ver o milagre que se opera na alma quando Deus perdoa, nós nos espantaríamos muito mais do que se víssemos a ressurreição de Lázaro.

Gostaria de terminar citando as palavras da leitura do profeta Ezequiel: é Deus quem vos fala: ‘vou abrir vossas sepulturas e vos conduzirei à terra de Israel. Quando eu tiver aberto as vossas sepulturas e vos tiver feito sair para a luz, sabereis que eu sou o Senhor’.

Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 10 de abril de 2011.
Liturgia da Palavra
Primeira Leitura: Profecia de Ezequiel (Ez 37,12-14)
Salmo: [Sl 129(130)]
Segunda Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 8,8-11)
Evangelho: (Jo 11,1-45)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

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