quinta-feira, 26 de maio de 2011

Edição da Homilia do 4º Domingo da Páscoa



Edição da Homilia do 4º Domingo da Páscoa (2011)

Por suas feridas fostes curados – diz assim o Apóstolo Pedro, na segunda leitura de hoje.

Ele cita brevemente o profeta Isaias que, no capítulo 53, dizia a respeito do Salvador vindouro as seguintes palavras: por nossas faltas Ele foi esmagado, o castigo que nos salva recaiu sobre Ele, por suas feridas nós fomos curados. Nós o reputávamos como alguém ferido por Deus e, no entanto, Ele carregava as nossas culpas, e assim por diante.

Portanto por suas feridas fostes curados. Mas como foi, afinal de contas, que essas feridas aconteceram, porque foi que elas aconteceram?

Certa vez o próprio Jesus contou a parábola da ovelha perdida: um pastor tinha cem ovelhas, perdeu-se uma e ele deixou as noventa e nove em segurança no aprisco e foi pelo deserto em busca da que se havia perdido. É preciso se ter em mente a natureza da Palestina, onde Jesus viveu – é um semi-árido muito severo e as pastagens existem em alguns momentos do ano, mas são raras e a ovelha, desgarrando-se do rebanho, vai encontrar a morte certamente.

Que feridas são essas as do Bom Pastor? São as feridas que Ele sofreu ao sair da Sua Glória deserto adentro, para procurar a ovelha perdida. Deixou no céu o rebanho dos anjos e veio procurar a ovelha perdida na terra. Passou pelos caminhos tortuosos que nós trilhamos, para nos trazer de volta a Si. Feriu-se nas pedras e nos espinhos, padeceu a sede e o cansaço, a dor, o abandono, a traição, a morte, o sepulcro e a mansão dos mortos, tudo isso para nos trazer de volta a Si, para nos levar consigo de volta ao Pai.

Foi procurar a ovelha perdida num abismo muito fundo, o mais fundo de todos, porque Ele desceu à condição de servo, fazendo-se semelhante a nós e desceu mais ainda: até a morte e morte de cruz. Foi ao mais fundo que podia ir. Aí, tendo encontrado a ovelha perdida, volta pelo mesmo caminho, trazendo-a aos ombros. Não a castiga, não a corrige com dureza, mas a coloca sobre os ombros e volta então pelas mesmas pedras, pelos mesmos espinhos, agora com um peso a mais, o peso do nosso pecado, da nossa humanidade da qual Ele se revestiu nascendo de Maria, o peso da cruz, o peso da vida humana com a sua dor e as suas misérias.

Assim aconteceram as feridas que marcaram o Bom Pastor. Essas feridas, na cruz o desfiguravam. Dizia o Profeta: parecia um verme, não um homem, alguém de quem se esconde o rosto quando se passa. No entanto, depois da ressurreição, Ele quis manter aquelas chagas, aquelas feridas nas mãos, nos pés e no lado (nós o vimos nas aparições de Jesus aos apóstolos neste período da Páscoa) e até se oferece para ser tocado por Tomé que não acreditara. Ele mantém as feridas que agora não mais desfiguram, mas ornam como jóias, como gemas preciosas o seu corpo ressuscitado. Eram chagas; agora são rubis. Eram marcas de derrota, agora são troféus de quem venceu a luta contra o demônio e contra a morte. Ele as ostenta não como sinais de dor e de morte, mas como sinais do Amor mais forte que a morte.

Assim foi ferido o Bom Pastor.

Andáveis como ovelhas desgarradas, diz ainda o Apóstolo Pedro. As ovelhas são os animais talvez de mais antiga domesticação que se conhece, ao lado do o cão. Mas os cachorros, soltos por aí, se viram razoavelmente bem; a ovelha não. Ela não sabe achar por si pastagem e água. E também não sabe se defender – perdeu uma boa parte das suas defesas naturais; ela depende do pastor. Ovelha sem pastor é ovelha morta. É questão de tempo, de pouco tempo.

Andáveis como ovelhas desgarradas: é a situação do mundo, reina a confusão, ninguém sabe a quem ou a que seguir. As coisas mais óbvias deixaram de sê-lo. Hoje se pergunta: mas o que é uma família? O que é um homem? O que é uma mulher? Está parecido com profissão: o que é que você vai ser quando crescer? Então perguntam-se as coisas mais óbvias... Daqui a pouco não restará nada de pé! A não ser que tenhamos um critério absoluto, fixo, imutável e a este nós chamamos Deus.

Sobre as ovelhas desgarradas (os que se afastam de Deus) há um Salmo que diz assim: São um rebanho recolhido ao cemitério (imaginem um rebanho pastando no cemitério). A própria Morte é o pastor que os apascenta, são empurrados, se precipitam pelo abismo. Logo seu corpo e seu semblante se desfazem e fixarão entre os mortos a sua morada. Esse é o retrato das ovelhas sem pastor.

Temos duas opções: ou seguimos a Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, ou ficamos a mercê das vozes deste mundo: “vem cá, ovelhinha, vem cá!” E você vai ser tosquiado e vai virar churrasco. Aliás, churrasco de ovelha é muito bom, que o digam os gaúchos...

Para sobreviver é preciso ter a capacidade de reconhecer a voz do pastor. Observe o que Jesus diz: o pastor, o verdadeiro pastor, chega ao aprisco das ovelhas e as chama pelo nome. Isso é um fato, um dado da experiência: a ovelha atende pelo nome. Chama as ovelhas pelo nome e, depois de fazer sair as que são suas, caminha à sua frente e elas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas não seguem a um estranho, antes fogem, porque não reconhecem a sua voz.

Assim, temos que cultivar, recuperar ou desenvolver a capacidade de distinguir a voz de Cristo das outras vozes que se fazem passar pela voz d’Ele. Ele chama e faz sair as que são suas, ou seja, passa no meio da multidão e recolhe os seus, aqueles que reconhecem a sua voz, aquele que ouvem a sua voz. Disse Ele certa vez: quem é da verdade escuta minha voz.

Temos que fugir das vozes estranhas; temos que reconhecê-las enquanto é tempo. Há muitos usurpadores. Ninguém pode usar o nome de pastor por conta própria. Eu não posso me nomear coisa alguma. É Cristo quem chama, quem nomeia, quem envia. Por aí tem “pastores” para todos os gostos... E as pessoas escolhem, também em termos de religião, o que lhes apraz, o que lhes agrada, não o que agrada a Deus. Não se pergunta o que Deus quer, mas: onde me sinto bem, onde é melhor para mim, no sentido de que me é agradável. Claro, se puder juntar o útil ao agradável muito bem, mas nem sempre é possível. Alguma coisa vai me desagradar. E justamente aquilo que me desagrada muitas vezes é o que vai me salvar. Muitas vezes o que me contraria é o que vai me salvar. Não adianta procurar quem fala o que eu quero ouvir para ter a consciência tranqüila, amortecida, anestesiada e evitar o incômodo da conversão.

Religião não é supermercado. No mercado você escolhe o sabor, a marca, o preço, a embalagem mais bonitinha, e assim por diante. Assim faz a geração perversa. O Apóstolo Pedro diz: salvai-vos desta geração perversa.

A voz de Cristo continua ressoando entre nós principalmente através de um canal: a sua Igreja, os legítimos pastores. Vocês viram: era Pedro discursando ao povo (Primeira Leitura). Mas a voz de Pedro, chefe dos apóstolos, e dos demais apóstolos continua ressoando no mundo de hoje; a voz de Cristo através dos apóstolos continua ressoando na Igreja, porque nela temos os sucessores dos apóstolos: são os bispos e o sucessor do apóstolo Pedro, que é o Papa, bispo de Roma. Nada disso foi inventado, é histórico.

Nós nos recebemos assim como somos, nós nos recebemos dos apóstolos que se receberam de Cristo. Nada disso foi decisão ou invenção humana e a voz de Cristo então ressoa ainda hoje através da sua Igreja pelos legítimos pastores.

Quem são os legítimos pastores? O Papa, sucessor de Pedro e os que estão em comunhão com ele. Os outros são ilegítimos. Podem dizer coisas boas, mas está incompleto porque o ser humano não pode inventar Igreja. Imagina que você tenha um restaurante aqui em Botafogo, que começa a fazer muito sucesso e a crescer. E aí alguém pega o nome do seu restaurante e abre outro ali no Flamengo com o mesmo nome, sem falar nada com você. O que você vai fazer?... Aquela pessoa não tem o direito de fazer isso.

Quem é você, quem sou eu para abrir Igreja? Só Jesus pode fazer isso e, que eu saiba, Ele não fez contrato de “franchising” com ninguém.

Pensemos nisto. Não é só questão de religião; há outras coisas mais também. Muitas vozes nos nossos ouvidos: vem para cá que é bom, vem cá ovelhinha, vem cá! Lembrem-se disso. É o diabo, ele quer comer churrasco de ovelha no fogo de chão.

São um rebanho recolhido ao cemitério, a própria Morte é o pastor que as apascenta, são empurrados, precipitados no abismo. Ou se segue a Cristo ou se cai no precipício. São cegos guiando cegos – também palavras de Jesus.

Meus irmãos, através disso tudo, através da Igreja com seus legítimos pastores, através do Evangelho que nós ouvimos e da Missa que nós celebramos, é o Cristo ressuscitado que continua guiando a sua Igreja. Não são homens tais ou quais, mas é o próprio Jesus que está no meio de nós e que guia a sua Igreja.

Agradeçamos a Jesus por pertencer a Ele.

Eu queria que cada um de vocês tenha nas suas intenções a Igreja, para que Ela tenha santos pastores e dignos ministros, para que Ela tenha numerosos, suficientes pastores, mas também de qualidade. Não pessoas que colocam uma estola no pescoço e vão para os jornais dizer ao contrário do que a Igreja diz. Comem às custas da Igreja e não têm coragem de sair e fundar a sua na esquina. Pelo menos eles poderiam fazer isto. Mas continuar comendo às custas da Igreja para falar o contrário, francamente... Não precisamos desses. Esse aí está bom para guiar o rebanho no cemitério.

Rezemos para que Deus nos mande numerosos santos sacerdotes. As vocações saem das famílias, das paróquias; rezemos por nossa paróquia também.

Hoje não é o “domingo do Bom Pastor” por acaso. É um domingo dedicado de modo especial à oração em favor das vocações. Para que Deus santifique o clero (os padres, os bispos...) e mande santas e numerosas vocações. Peçamos isso, é de nosso interesse; nós como rebanho dependemos disso, os nossos filhos e netos também, é de nosso mais profundo interesse.

Supliquemos a Deus e hoje elevemos essa súplica de modo especial pedindo ao Bom Pastor que continue na Igreja o seu pastoreio através de santos pastores e dignos ministros.

Proferida pelo padre Sérgio Muniz em 15 de maio de 2011


Primeira Leitura: Atos dos Apóstolos (At 2,14ª. 36-41)
Salmo: [Sl 22(23)]
Segunda Leitura: Primeira Carta de São Pedro (1Pd 2,20b-25)
Evangelho: João (Jo 10,1-10)
Nota: Esta e outras Homilias anteriores no blog: www.verbumvitae.com

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